Humano,
amigo humano
1.Alguém falou sobre nós (Bertrand, 2023) foi a forma
(título) espirituosa encontrada por Irene Vallejo de nos sussurrar, e
continuar conversa sobre, a perenidade
do humano. Nós somos, essencialmente,
os humanos e, nessa condição, não
adianta nada, por permanecermos tão iguais ao longo das eras, acrescentar da terceira
década do século XXI - a não ser para, justamente, nos chamar a atenção
para o idêntico em que nos mantemos
há tantos séculos (no que resultará, por certo, em nos encontrar, o telescópio
de Atenas e Roma, vistos, portanto, nós-outros,
ao longe e com história, estultos em nos pretendermos situar, como tantas vezes
sugerimos fazer, em território completamente inexplorado e/ou, por outra banda,
mais confortados, adivinha-se, pela recordação, nesta inspirada glosa, de mapas fiáveis de caminhos
entretanto abandonados e, porém, férteis - que poderemos reaprender; incluindo,
neles, evidentemente, os erros de antepassados que nos instiguem/instigam a
desviar de passos mal dados/a dar). O modo coloquial com que a antologia de
Irene Vallejo é denominada calha bem, ainda, ao jeito gracioso, ágil, conciso,
aforístico, de conselho amigo (e, já
agora, sábio), da autora. Em
realidade, a elegância, a erudição, o acervo de autores, narrativas, mitos da Antiguidade Clássica – mas, ainda, o que
ganharíamos em beber de um Dickens
ou de um Camus – convocados por
Vallejo, apreciadora, também, das Mil e
uma noites, como que combinam a leitura infinita de um Magris com as lições dos mitos greco-romanos de Ferry, mas, sobretudo, contém uma marca
singular de os combinar, entrelaçar e entretecer com as nossas vidas – de os
ler de novo, de recortar certa interpretação, de olhar a partir de determinado
ângulo para os mesmos (e, neste sentido, há muito da sabedoria de Vallejo nesta
síntese e luz da sabedoria da Antiguidade
Clássica) – para desvelar (também) o nosso tempo e os habitantes que somos
de um território - desbravado e a desbravar (em permanência). Na linha de
fronteira que a sabedoria sempre implica e devolve ao olhar que a procura,
Vallejo alcança, pois, a porosidade entre passado e presente, entre história e
atualidade, entre (humanas) perenidade(s) e surpresa(s), como que recusando, em
simultâneo, nestas suas crónicas magistralmente esculpidas, tanto “a idolatria
do novo quanto a tirania do mesmo” (Marco
dal Corso).
2.Poderemos
olhar para os sinais de fumo ou a
linguagem rítmica dos tambores, como
os percursores, na humana viagem, das redes
digitais, tecnologicamente avançadas, em que hoje nos lançamos: é o “apetite voraz para comunicar” (p.46)
que, dos primitivos terráqueos aos primitivos do facebook, se encontra na origem de todas estas codificações – incluindo a criação das letras -; em nossos dias, contudo, [comunicação] “mais rápida, segura e até mais longe”.
E, com boa vontade, talvez vejamos na preguiça da leitura do primeiro parágrafo, e apenas o primeiro parágrafo (a malta não passa do primeiro parágrafo – colocar emoji
de tristeza…), do último post, ou da
criação do tudo dizer em 140 caracteres,
o lapidar da necessidade do aforismo
do humano pré-escrita, cuja
necessidade de guardar, albergar, armazenar em si um amplo conjunto de conhecimentos implicava, no emissor, uma irrepreensível capacidade de
síntese, ritmo, clareza e brevidade (“amamos
a brevidade as frases curtas, as mensagens sucintas, os aforismos (…) Os textos velozes adaptam-se à nossa
pressa, reflectem o frenesim da fragmentada vida moderna. O relâmpago de um
pensamento revelado em poucas palavras parece uma forma de expressão
furiosamente actual, mas na verdade é muito antiga”, p.72). Sem informática, os romanos inventaram, em
todo o caso, a “memória externa”, o nomenclator:
“um escravo de memória bem treinada que
se especializava em decorar a identidade e as circunstâncias de todos os
conhecidos do seu senhor. (…) «Está
a chegar o Quinto Valério. Lembra-te de que é viúvo e sofre de lombalgia». Este peculiar tipo de escravo (…) era muito utilizado pelos candidatos
políticos em campanha para poderem mostrar que se preocupavam pessoalmente e
terem desta forma mais uma justificação para lhes pedirem o voto»” (p.122).
3.Se
conhecíamos três palavras diferentes com que os gregos falavam de amor (vide Deus Caritas Est, de Bento
XVI), três tipos de amor diversos aludidos numa especificidade que o
vocábulo genérico não permitia tão bem situar – eros, “o amor impulsionado pelo desejo, a paixão
amorosa (…) o amor que tenta possuir”,
philia
(o amor da amizade, ou, como assinala
Vallejo, “habitualmente filia traduz-se por amizade, mas é uma interpretação redutora que tenta transferir para
o grego a nossa dicotomia amor/amizade (…) Aristóteles chama filia ao
amor entre pais e filhos e ao amor entre um casal”, p.85) e agapê
(o amor tipicamente cristão, o amor
que coloca o outro em primeiro lugar; está disposto à renúncia, mais procura-a)
-, ignorávamos, todavia, o tríptico semântico inventado pelos romanos a propósito do – da tipologia do
– beijo
(que, sem embargo de parecer muito íntimo, não é um exclusivo humano – “certas espécies de aves e mamíferos unem os
seus lábios – ou bicos – como parte da cerimónia de cortejo ou para passar
alimentos da boca dos pais para as crias”): “osculum, na face, por
cortesia; basium, na boca, por carinho; savium era o beijo mais
profundo e erótico” (p.61). Nota do patriarcado:
“em Roma, existiu uma lei – ius osculi
– que obrigava a mulher casada a beijar o marido todos os dias e, se lho
pedissem, todos os seus parentes masculinos até aos primos em segundo grau. O
objectivo desta imposição era cheirar o hálito da mulher para comprovar se
tinha bebido, pois acreditava-se que o vinho era a antessala do adultério
feminino. Nos tempos mais antigos da civilização romana, a esposa podia ser
repudiada ou encerrada numa divisão da casa se fosse suspeita de perder a
contenção e de desobedecer, embebedando-se em segredo”.
4.Nem
sempre, em realidade, os humanos nutrem, uns pelos outros, os mais nobres
sentimentos. Evocá-lo com uma fábula sobre a inveja, obriga a
observar, detidamente, a brutal cegueira de que aqueles que nela incorrem não
apenas manifestam como, inclusivamente, desejam (como algo que todos
partilhassem) – e, por isso mesmo, mais elevado,
ainda, o que a recusa (até porque, ao recusá-la, refuta a centralidade do ódio ao outro que acaba, nestes casos
nefastos, por afastar, até, a primazia da felicidade própria): “um relato oriental narra o caso de um rei
que nomeou dois ministros com a mesma categoria. Um invejava o outro com
fervor: as suas habilidades, a sua paulatina ascensão na hierarquia de cargos,
o seu futuro promissor. O rei apercebeu-se desse ódio e quis dar uma lição ao
ministro ciumento, demonstrando-lhe que a fortuna alheia não nos deve
prejudicar porque a Lua pode derramar o seu brilho ao mesmo tempo sobre mil
ondas. Disse: «meu fiel servidor, vou recompensar-te. Pede o que desejares, mas
tens de saber que darei o dobro ao meu outro ministro». O invejoso, sentindo
uma felicidade amargurada por imaginar o outro mais feliz, preferiu causar-lhe
uma desgraça a duplicar: «Senhor, quero que me deixem zarolho»” (p.21).
5.E
se acaso descemos aos abismos da alma
humana, saibamos que a corrupção na política e a paixão irrestrita pelo
dinheiro (independentemente das (boas) origens do mesmo), um mal justamente
zurzido em nossos dias, não é especificamente uma história do nosso tempo e encontra guarida na Roma imperial que chegou a taxar
o chichi: “conta-se que Vespasiano vendia as magistraturas aos candidatos e as
absolvições aos acusados (…) O
episódio mais famoso refere-se uma taxa que impôs sobre a urina. Na Roma
Antiga, recolhia-se o chichi das latrinas públicas com fins económicos. Era
muito cobiçado pelos curtidores de peles, que o usavam para tratar o couro e
pelos lavadeiros, que o utilizavam como produto de limpeza pelo seu teor de
amoníaco. O avarento imperador obrigou todos os artesãos que recorriam à urina
pública nos seus negócios a pagar pela mesma. Quando o filho de Vespasiano
ficou a saber do novo imposto, censurou a sua ganância despudorada. Vespasiano
colocou debaixo do seu nariz uma moeda de ouro que acabava de receber graças
àquele tributo e perguntou-lhe cinicamente se cheirava mal. O imperador sabia que, mesmo vindo dos esgotos, o
dinheiro nunca cheira mal” (p.77).
O
financiamento partidário, os enlaces
deste com a construção civil e, não
raro, a miséria moral associada têm mais de 2000 anos: “as despesas eleitorais em Roma antes da era da publicidade e das
aparições na televisão já eram enormes. Júlio César financiou a campanha para o
consolado recorrendo aos fundos do rico construtor Crasso, a quem recompensou
depois com contratos públicos como a concessão do serviço de bombeiros.
Conta-se que os meirinhos de Crasso iam às casas em chamas e exigiam ao aflito
proprietário uma quantia exorbitante para extinguirem o fogo. Se aceitasse,
Crasso enriquecia. Caso contrário, deixavam arder a casa, Crasso comprava o
solar, construía e enriquecia de todas as formas” (p.103). A especulação imobiliária era outro dos
flagelos romanos: “a Roma Imperial
conheceu a sua própria bolha, devido à qual a cidade vivia quase suspensa no
ar, pois a ânsia pelo lucro levava a elevar cada vez mais os edifícios. Nesses
arranha-céus antigos, construtores e empreiteiros economizavam o máximo
possível reduzindo a resistência da obra e baixando a qualidade dos materiais.
Os lucros eram fabulosos e os desmoronamentos numerosos” (p.89). Não consola, face ao presente, recordarmo-nos
assim – antes, o concurso destas lembranças, poderá remeter-nos a um não excessivo
optimismo antropológico (aplicável, pois, aos redentores messiânicos de cada
ocasião).
6.Numa
altura em que dos Professores Cavaco e Louçã nos surgem apelos a um orçamento de base zero (para melhor
funcionamento/financiamento da polis),
e quando acima dos testes PISA estão
aqueles exercícios escolares, puramente intelectuais, de imaginar situações
como a da posição original ou do véu da ignorância, a felicidade, sabiam-no,
já, os filósofos gregos haveria de vir do seguinte experimento mental: suponhamos que não temos nada e pensemos nas
coisas/qualidades/capacidades/experiências que gostávamos de ter. De imediato,
confrontemos esse pensamento com as coisas/qualidades/capacidades/experiências
que já possuímos/de que desfrutamos. Com efeito, não (nos) basta a felicidade
(para sermos felizes): carecemos da consciência da felicidade (para a tocarmos).
7.Haja
método numa conversa – e como seres
sociais, animais políticos, de fala, que nesta dizem o justo, não hão-de
estar propensos a conversar, e como não exigirem, desde logo a si mesmos, um debate
civilizado? A Filosofia ensina as regras para um diálogo decente – “longe das tertúlias bacocas que abundam na
televisão, a filosofia, injustamente relegada para o esquecimento nos programas
escolares, ensina-nos como dialogar, essa matéria sempre pendente” (p.26).
A conversação vale por si mesma, Cícero sabe que o debate acaba, não
raramente, sem “um vencedor claro”,
mas vitória, mesmo, foi, na dialéctica entabulada, aceder a “ilhas de concordância, entre oceanos de
divergência”.
A
persuasão ou a força? “Um dia, o vento e o
Sol começaram a competir para saberem qual dos dois era o mais poderoso.
Acordaram que venceria aquele que conseguisse despir um caminhante. O vento foi
o primeiro a tentar. Soprou com muita força, mas o homem agarrou com mais força
na roupa que o abrigava. O vento intensificou-se, e o peregrino cobriu-se com
outro manto envolvendo-se nele. O vento, cansado de soprar com força em vão, cedeu
a sua vez ao Sol. No princípio, este brilhou com moderação. Quando o caminhante
tirou o manto, aumentou o ardor dos seus raios gradualmente. Algumas horas
depois, o viajante não conseguiu suportar o calor, despiu-se e foi tomar banho
num rio próximo. O Sol, que pouco a pouco persuadiu o homem, derrotou o vento,
que tentava arrancar-lhe a capa através da violência do seu sopro” (p.117).
A
Filosofia faz tanta falta que os romanos abastados tinham um filósofo doméstico
nos seus lares: “pediam a sua ajuda para
educar os filhos, para aprender a proferir grandes discursos ou quando
enfrentavam uma situação difícil. Alguns sarcófagos romanos de mármore
representam um casal diante da soleira de uma porta. Atrás deles, em segundo
plano e com uma atitude apaziguadora, aparece um homem com barba e toga. A
soleira representa a morte; o casal, os donos do túmulo; e o homem barbudo é o
seu filósofo particular, junto de quem procuraram apoio ao longo dos anos e que
os tranquiliza no seu último passo. Foi assim que quiseram imortalizar o seu
sábio ajudante, acompanhando-os até ao instante definitivo. Hoje estariam mais
sozinhos” (p.76).
Como
é possível relegar-se a Filosofia e a
História, a Literatura para um plano secundário na escola? Sucede que no passado,
já longínquo, a arte da argumentação, o saber da Retórica, da Filosofia,
da Literatura, o conhecimento da História ficavam confinados à
aristocracia. Mais do que a lição de estender esta aristocracia a todos, como
ideal para os nossos dias, ou não limitar à esmagadora maioria (dos que nascem
sem sangue azul) as Humanidades, a
compreensão de que quando os ofícios eram meramente práticos, ainda havia quem
conseguisse sustentar o status quo (p.142).
Mas eis que os gregos descobriram novo ofício:
ser cidadão. E, com ele, ninguém está
dispensado de conhecer a arte de argumentar (traduzindo, da melhor forma
possível, nos areópagos, a sua ideia de
cidade), de saber da História e Literatura para se adentrar na condição
humana com maior intensidade e fulgor. Desleixar as Humanidades é um crime democrático.
8.As
últimas décadas consagraram o agressivo,
o assertivo a outrance, o afirmativo sem peias como (imagem do) vencedor – e Irene Vallejo não é,
propriamente, uma apologista de uma “ética da autenticidade” que não cuide dos
outros e não tenha em conta as consequências do que se diz, no comércio do quotidiano em que tantos
parecem querer impôr-se sem cuidar das formas, aos outros (a morigeração, a diplomacia no dizer tem um valor não apenas de respeito pelos rituais e, portanto, pela comunidade que os instituiu, mas, desde logo, pela concreta pessoa a quem se diz,
apenas com a clarificação de que esse não dizer tudo o que apetece não é feito exclusivamente em interesse próprio,
o que lhe negaria o valor ético inerente). A história do calcanhar de Aquiles é uma ode à inevitabilidade e beleza da
fragilidade que nos habita: “quando era
pequeno, Aquiles foi levado pela sua mãe Tétis (…) até ao rio Estige, porque as suas águas tinham o poder de tornar
invulnerável quem entrasse nelas. (…) Tétis
mergulhou o pequeno Aquiles na corrente mágica, segurando-o pelo calcanhar e,
sem se aperceber, impediu que as águas milagrosas tocassem nessa parte do seu
corpo. Anos mais tarde, na Guerra de Troia, Aquiles morreu ferido por uma seta
no seu único ponto fraco. Desde então, o calcanhar de Aquiles converteu-se no
símbolo da fraqueza secreta que cada um possui, símbolo também do sonho
impossível de sermos invulneráveis” (p.47).
9.Irene
Vallejo assinala o óbvio ululante que a muitos parece escapar – quando alguém
diz pessoas
de cor parece pressupor que existem pessoas incolores -, regista
que os Antigos (gregos) utilizavam o
adjectivo idiotas para aqueles
que não se interessavam pela vida da cidade
– “era assim que os gregos chamavam aos
cidadãos que tinham direitos, mas que não queriam saber dos assuntos públicos,
refugiando-se nos seus assuntos privados” (p.113) -, relembra-nos como os
originais austeritários, os espartanos, cruel ironia da história,
eram habitantes do sul da Grécia – “inimigos
da democracia, os defensores da austeridade sacrificaram as palavras, a beleza
e o prazer de viver. Hoje, ninguém passeia pelas suas ruínas porque não deixaram
nada ao futuro. Criados na privação e na disciplina, os espartanos tinham
vocação de guerreiros, mas o coração couraçado” (p.36) -, e alerta-nos para
o facto de os alarmes acústicos, como
a sirene dos bombeiros, serem uma
invenção de Charles Cagniard, por
1819. Humanos, somos paradoxo – nunca tão livres do que quando decidimos a
quem nos acorrentamos (maxime, o
casal), sendo que o amante dá a beleza,
não se rende a ela como julga (p.131) – e, porventura como Alexandre em Górdio, cidade turca ao pé de Ancara, haverá sempre nós que nunca desatamos (somos seres de dilemas
– “nas suas peças de teatro, os trágicos
antigos equacionavam essas árduas alternativas: proteger o mais fraco à custa
da própria segurança ou abandoná-los à sua sorte; obedecer às convicções ou à
lei; procurar a verdade que nos pode ferir ou preferir a ignorância”,
p.136), apesar dos nossos números
auspiciosos – “os pitagóricos identificaram
a amizade com o número oito, porque a oitava é uma clara expressão de harmonia,
e a justiça com o número quatro, porque o conceito de talião (olho por olho)
faz lembrar a formação de um número quadrado” (p.115) [ainda que os números
e as estatísticas só nos digam as respostas às perguntas que quisemos, ou fomos
capazes, de formular, e não a outras, quiçá, mais importantes, sabendo-se,
ademais, que o fundamental, na nossa vida, não é mensurável – e de podermos “entristecer jovialmente” com o riso,
para mantermos o companheirismo – mais do que uma imagem literária, uma grande
verdade (p.134).
10.Ah, perdemos a capacidade de nos espantarmos,
aponta, aqui como tantos, Irene Vallejo – negando, contudo, objectivamente,
dizemo-lo com contundência, essa asserção ao oferecer-nos este magnífico baú de
colunas de um precioso concentrado sapiencial (no qual se firma, aliás, que a
surpresa é a normalidade da vida e de nada nos vale pretendermos pará-la, como
ao vento, com a palma da mão, lançando toda uma sorte de estratégias e
estratagemas de segurança e planeamento acirrados, e a leveza um trunfo insuperável como se quem o obtivesse vivesse
dançando). Um livro como eureka!,
símbolo e síntese, feliz, do que aprendemos na leitura (a qual reuniu à lareira
durante séculos e que agora pode auxiliar a desacelerar o tempo; temos notícias
de clubes de leitura já no século XV: “também
hoje, pequenos grupos de sonhadores imaginam o futuro amparados pelos livros,
convertendo a literatura em conversa, amizade e descoberta. Sabem que, falando
sobre outros mundos possíveis, compreendemos melhor o nosso”, p.149)): “ler ajuda-nos a falar. Graças à leitura
conquistamos habilidade verbal e abundância. Assim, as nossas ideias, conduzidas
por um impulso fácil, transformam-se, mais leves, em palavras. «Os livros fazem
os lábios», escreveu Quintiliano (…) Séneca
(…) acreditava que ampliam a nossa curta
passagem pela vida, porque quem lê acrescenta à sua vida a de todas as épocas,
e dessa forma milhares de anos de conhecimento fundem-se com o seu. O tempo de
cada leitor alarga-se pela confluência entre a realidade vivida e a imaginária.
Séneca via nos livros, que se abrem diante de nós em toda a sua plenitude e não
nos deixam de mãos a abanar, a porta sem fechadura de uma fabulosa câmara do
tesouro. Às vezes, encontramos numa página, de forma prodigiosamente
transparente, ideias e sentimentos que nos eram confusos, e assim a vida
parece-nos menos caótica. Através dos livros, entendemos os nossos próprios
motivos e os dos outros e temos mais capacidade para decifrar o mundo. A
leitura torna-nos curiosos, mas não crédulos: os livros também nos livram deste
perigo” (p.94).
Pedro
Miranda
Comentários
Enviar um comentário