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A mostrar mensagens de junho, 2022

O SÉCULO DA SOLIDÃO (NOREENA HERTZ)

  O século da solidão. Noreena Hertz 1.SINTOMAS. a) Rent a friend . São 40 dólares à hora. Já foi tempo de ser uma especificidade japonesa, o negócio migrou para os EUA, e diversos outros países seguiram-lhe os passos. Há empresas que “alugam amigos” - a quem está sobrecarregado de trabalho e não tem tempo de construir amizades, a quem se sente só, a quem quiser pagar por uma hora, tendo quem o escute, tendo com quem falar. Normalmente, nos EUA, são jovens, estudantes universitários sem emprego, ultra-endividados com as elevadas propinas do ensino superior, os “amigos” que se disponibilizam para serem “alugados” (o sítio, na net, da empresa ‘Rent a friend’ tem 620 mil amigos para alugar, p.11). Também há “abraçadores” profissionais, 80 dólares/hora (e a economista Noreena Hertz, durante a elaboração de “O século da solidão” ( Temas e Debates , 2021), conheceu um homem que, de tão carente, se desfez da casa para ter ocasião de gastar 2000 dólares/mês com profissionais deste ofício, pa

REFLEXÕES SOBRE A PANDEMIA, POR IVAN KRASTEV

  Como a pandemia afecta o nosso mundo. Ivan Krastev Com o recrudescimento da Covid19, continua a ser necessário recensear as lições que podem haurir-se dos tempos de penosa convivência com a pandemia. Para Ivan Krastev, politólogo, investigador do Instituto de Ciências Humanas de Viena , em “O futuro por contar” ( Objectiva , 2021), uma das conclusões importantes a extrair deste tempo é que a Covid19 esbateu algumas diferenças entre regimes políticos: as democracias consentiram no afrouxamento dos padrões de protecção do valor “privacidade” e as autocracias pretenderam ter um forte respaldo popular durante este período 1.Se a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) causou 17 milhões de mortos e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) 60 milhões, a “gripe espanhola” (1918-1920) pode ter ceifado mais vidas humanas do que aqueles dois conflitos bélicos somados - estima-se que a pandemia causou um número de mortos situado entre as 50 e os 100 milhões de pessoas. E, no entanto, sendo o aconte

DAR POUSADA AO REFUGIADO, ARMAS, PALMADAS

  DAR POUSADA AO REFUGIADO, ARMAS, PALMADAS 1.Sem prejuízo de a Ucrânia ser vizinha; sem obliterar que aquele país tem funcionado como zona tampão de um (potencial) avanço russo sobre outros países próximos; não ignorando que, em função das muitas imagens e informação diária, não é necessária demasiada imaginação moral para compreender como procuram fugir da morte e de torturas milhões de ucranianos; e sem esquecer políticas e práticas de selvajaria para com nacionais de outros países, também eles refugiados de guerra, que vinham de zonas distantes do globo, outra cultura, cor de pele e religião do que as observadas – de modo largamente maioritário – na Polónia – que não raro se quis, na voz do seus líderes políticos, guardiã das mais nobres tradições presentes a Ocidente, o que implicaria a hospitalidade e acolhimento sem distinções e descriminações de tipo nacional, étnico, religioso… -, não deixa, ainda assim, de impressionar que em território polaco tenham sido os particulares, cad

OS COMBOIOS (FRANCISCO FURTADO)

  A situação da ferrovia (em Portugal) Numa altura em que os Planos nacionais para a próxima década parecem conferir centralidade à ferrovia no desenvolvimento do país, viagem à história, geografia e futuro dos comboios – Portugal e a experiência internacional comparada – pela mão de Francisco Furtado , engenheiro civil especialista em questões de Ferrovia, que há pouco publicou, na colecção de ensaios da FFMS , sobre a memória, as mudanças sociais - e o modo como contendem, individual e colectivamente, com a opção comboio - e a prospectiva ferroviária no nosso país 1.Grande ícone da revolução industrial, símbolo de modernidade e progresso, o comboio colocou-se sobre carris, na sua primeira linha a operar comercialmente, em 1825, em Inglaterra: a locomotiva a vapor ligaria Darlington a Stockton-on-Tees, transportando carvão e passageiros. Por sua vez, a primeira linha de caminho de ferro em Portugal, entre Lisboa e o Carregado, começou a ser construída em 1853 e foi inaugurada em 1856.

A TIRANIA DO MÉRITO (MICHAEL SANDEL)

  Michael Sandel. A tirania do mérito O trabalho não possui apenas uma dimensão económica, mas têm um âmbito cultural: quem o faz realiza-se, sabendo de um seu contributo útil para a comunidade. Se esse contributo é menorizado, seja ao nível da retribuição, seja da consideração e reconhecimento sociais a humilhação advém. A distinção entre os credenciados académicos e os que não possuem o diploma é a grande factura política actual nos EUA. O filósofo político Michael Sandel faz luz sobre a arrogância meritocrática, propõe soluções para a debelar, assinando uma obra que poderá situar-se como um dos mais profundos roteiros acerca do populismo e das possibilidades da sua superação 1. Não é apenas a desigualdade de rendimento entre os vencedores e os perdedores da globalização a envenenar o debate público e a engendrar a reacção populista (em particular, nos EUA); é, ainda, concomitantemente, e porventura mais do que isso, a estima social, o reconhecimento – e, bem assim, a falta dest