O SÉCULO DA SOLIDÃO (NOREENA HERTZ)
O século da solidão. Noreena Hertz
1.SINTOMAS.
a) Rent a friend. São 40 dólares à
hora. Já foi tempo de ser uma especificidade japonesa, o negócio migrou para os
EUA, e diversos outros países seguiram-lhe os passos. Há empresas que “alugam
amigos” - a quem está sobrecarregado de trabalho e não tem tempo de construir
amizades, a quem se sente só, a quem quiser pagar por uma hora, tendo quem o
escute, tendo com quem falar. Normalmente, nos EUA, são jovens, estudantes
universitários sem emprego, ultra-endividados com as elevadas propinas do
ensino superior, os “amigos” que se disponibilizam para serem “alugados” (o
sítio, na net, da empresa ‘Rent a friend’ tem 620 mil amigos para alugar,
p.11). Também há “abraçadores” profissionais, 80 dólares/hora (e a economista
Noreena Hertz, durante a elaboração de “O século da solidão” (Temas e Debates, 2021), conheceu um
homem que, de tão carente, se desfez da casa para ter ocasião de gastar 2000
dólares/mês com profissionais deste ofício, passando a viver no carro – vide, p.219);
b)
As avós japonesas andam a assaltar lojas para irem presas – e são reincidentes.
Nas últimas duas décadas, quadruplicou o número de crimes cometidos por
japonesas com mais de 60 anos. 70% reincidem no crime nos 5 anos seguintes;
c)
Estrelas de Mukbang. Comer até cair
para o lado, com milhões a assistir do lado de lá do ecrã. Chegam a ter dois
milhões de fãs (que lhes enviam chuva de estrelas a preço elevado). Se almoçar
sem companhia pode ser deprimente, o mesmo parece não acontecer, para muitos
humanos deste estádio do século XXI (em que nos encontramos), se se estiver a
seguir, via net, enfarta-brutos,
comendo como desalmados, do outro lado do mundo. Ver para crer (p.88);
d)
Há estudiosos que, com minúcia, decantaram a semântica das canções deste tempo
(comparando-as com o imediatamente precedente). A Ocidente, mas também a
Oriente – nomeadamente, na China -, as letras das canções, nas últimas
três/quatro décadas, perderam, sucessivamente, os “nós” para ganharem,
sistematicamente, muitos “eu”;
e)
Face há uma década, é agora menos provável: i) o humano ir a uma Igreja ou
Sinagoga; ii) viver ou comer juntamente com outros humanos; iii) tocarmo-nos ou
termos relações sexuais;
f)
Em 2010, 60% dos residentes em lares, nos EUA, não tinham tido uma única visita
durante o ano;
g)
Menos uma hora dia, de socialização, pelos adolescentes norte-americanos, do
que em 1980 (p.131);
h)
Reverência pelos anciãos a Oriente? Dado tão poucos filhos visitar em
os pais, negligência parental passou a ser crime na China, desde 2013 (p.175);
no Japão, a quantidade de pessoas que vivem com um dos filhos diminuiu 50% nas
duas décadas antes de 2007;
i)
15% dos homens japoneses passam semanas sem falar com alguém; 1/3 acha que não
tem a quem pedir ajuda para trocar uma lâmpada;
j)
2,5 vezes mais abstinentes sexuais, na atual geração, do que os da geração X,
uma década antes; 3/5 dos japoneses, dos 18 aos 34, não estão em nenhuma
relação romântica, aumento de 20% face a 2005;
k) parece crescer, em várias latitudes, o afecto por robôs: há quem tricote gorros para os seus robôs em lares (de idosos, em que os cuidados prestados por robôs estão muito presentes; no Japão, ao contrário do Ocidente, os robôs não têm sido representados como assassinos, mas como solidários e heroicos (p.228); um soldado norte-americano, durante uma das (recentes) missões no exterior, chorou a morte de um robô, O iPal, humanoide, para tratar de crianças, já é bastante procurado na Ásia e já há robôs transgénero (dentro do afecto por objectos, um homem, em Boading, norte da China, foi sepultado no carro, tal a ligação que tinha com o seu Hyundai, p.222). Noreena Hertz documenta a existência de “caixas de bênçãos religiosas” – em lugares onde estavam “caixas multibanco”.
2.DIAGNÓSTICO.
UMA ENORME SOLIDÃO PERPASSA O MUNDO. Em
2018, no Reino Unido, 1/8 dos cidadãos afirmava não ter um amigo em quem
confiar; 1/3 dos holandeses sente-se só, o mesmo que ¼ dos suecos e 3/5 dos
adultos nos EUA (e 56% dos londrinos); 2/3 dos alemães consideram a solidão um
problema grave (p.12). No Reino Unido, 2/5 de todos os idosos indicaram que a
TV era a sua principal companhia; nos EUA, 1/5 dos millenials diz que não tem quaisquer amigos. Mais: a solidão está subestimada, dado que há
um estigma associado a ela. Estudiosos dos crimes de idosas no Japão concordam
que a solidão é o factor fulcral para estas práticas (basta um furto em loja).
A solidão é 2 vezes mais prejudicial do que a obesidade; é tão má como o
alcoolismo; pior do que não praticar exercício; equivale a 15 cigarros por dia
(p.15). A probabilidade de morte prematura em quem se sente só é 30% superior à
de quem não se sente só (p.29). Quem se encontra em elevado grau de solidão,
tende a desenvolver o dobro de pensamentos suicidas (p.42). Os desempregados
são mais solitários do que quem trabalha (p.53). Em 1992, investigadores
começaram a encontrar sinais de correlação entre isolamento social e votos em
partidos de extrema-direita.
3.CAUSAS DA SOLIDÃO. x) Migração em
massa para as cidades - o nível de cordialidade nas cidades é mais baixo do que
no campo (a pessoa dá um encontrão a alguém, a caminho do metro, e a
probabilidade de encontrar aquela pessoa é ínfima: em muitos casos, não sente o
estímulo, nem o dever, de pedir desculpa pelo acto); e quanto maior a densidade
urbana, menor a cordialidade; o anonimato protege a hostilidade e o descuido
(pp.78-79). Ritmo de movimentação na cidade, hoje, 10% superior à observada em
1990. Mais acelerado, ainda, no Extremo Oriente. xx) Reorganização do trabalho
– se o open space, em meados de 70,
poderia germinar como que uma utopia de uma colaboração
próxima entre funcionários da mesma empresa ou da administração pública,
hoje, este tipo de escritório (½ dos escritórios na Europa e 2/3 nos EUA),
tende a conceber-se como de estrita vigilância, levando ao recolhimento, à
defensiva por parte de cada um. Nenhuma conversa significativa medra, o
sentimento é de alienação. Já não se toma café a meio da manhã, um copo depois
do trabalho, deixou de haver jantar em casa de colegas (p.165). Desde 1990,
horários extremamente longos aumentaram nos países da Europa Ocidental. No
Japão, há, inclusive, uma palavra própria para pessoas que se matam a
trabalhar: karoshi. Na China, fala-se
em “996”: estar às 9h, sair às 9h, 6 dias por semana. Trabalhar demasiadas
horas torna-nos solitários (p.173). Os nossos trabalhadores, de resto,
tornaram-se inescapáveis - nas férias, aos serões ou fins de semanas. Clientes
enviam sms a empregadas às 2h da
manhã – mas, e por outro lado, é o chefe que obriga a abrir email ou somos nós
que não resistimos a uma dose de dopamina? (p.175). O movimento MeToo, nos excessos que terá aduzido
quanto ao relacionamento homem-mulher pode, também, ter contribuído para um
receio de um contacto que passe para lá da formalidade; os sindicatos conhecem
uma hora de grande erosão; a eficácia e eficiência tudo dominam, superando a dimensão
do bom relacionamento inter-pessoal. Em realidade, 40% de trabalhadores de
escritório em todo o mundo sentem-se solitários; no Reino Unido, são 60%; na
China, mais de 50%; nos EUA, 1/5 dos trabalhadores não tem um só amigo no
trabalho; 85% dos trabalhadores a nível global não se sentem comprometidos com
o seu trabalho (p.153). Ademais, 1/8 dos trabalhadores do UK em 2018 eram
trabalhadores pobres (11% em Portugal). E muitos trabalhadores pensam que “ou
comem” ou “são comidos”. Numa palavra, há um “crescente sentimento de
impotência no que toca aos direitos” laborais (p.197). xxx) um modelo
económico-social neoliberal – tal como, por exemplo, por exemplo, Paul Collier
(em “O futuro do capitalismo”, D. Quixote, 2020), Noreena Hertz, pretende não
uma alternativa, mas uma cura à atual fisionomia que o capitalismo assume. Para
a autora, é claro que “o capitalismo nunca foi uma ideologia singular” (p.282),
ou seja, há vários “capitalismos” (vários tipos de capitalismo). E evidenciará,
como veremos de seguida, como várias empresas e Estados começam a seguir várias
boas práticas para uma mutação desejável. Para a economista, no entanto, o
modelo das últimas décadas exacerba a ênfase na competitividade, no interesse
individual, o egoísmo erigido a virtude, o pretenso self made man como ídolo, acima do bem comum; a desigualdade
gerada, imensa; muita gente deixada para trás, uma sociedade dividida em (ou
entre) vencedores e fracassados; com condições
crescentemente piores para trabalhadores. A solidariedade, a generosidade, o
cuidado com o outro foram subestimados consecutivamente. O lema passou a ser,
desde há cerca de quatro décadas, “a ganância é boa”. y) a preeminência que
atribuímos, no quotidiano, aos smartphones
e às redes sociais, bem como a robotização emergente. Em média, olhamos para o
telemóvel 221 vezes ao dia, 3h15 minutos de uso diário, estamos quase
permanentemente online; 1/3 dos
adultos do mundo consulta o telemóvel 5 minutos depois de acordar. Muitos, a
meio da noite, caso acordem, entretanto. Uma rua de Seul está a instalar raios
laser que ativam notificação no smartphone
dos peões zombie; semáforos de
parar/avançar no chão dos passeios para peões saberem se é seguro atravessar
sem terem de levantar os olhos do chão em cidades como Sidney, Telavive e Seul
(p.115). Metade das crianças com 10 anos no Reino Unido tem smartphone e, destas, mais de metade
dorme com ele junto à cama. Por outro lado, ainda, note-se que os mais pobres
passam mais tempo em frente aos ecrãs e o guru Bill Gates só permitiu
telemóveis aos filhos aos 14 anos. Escolas sem ecrãs, escolas (que seguem o
modelo) Waldorf são as escolhidas por uma boa parte dos executivos de Sillicon
Valley que, aliás, promovem contratos com amas em que estas se comprometem a
não utilizar telemóveis à frente de crianças (p.128). Em Singapura, ¾ dos
adolescentes dizem que foram vítimas de assédio online. Verdadeiro perigo:
acharmos que o nosso verdadeiro “eu” é menos popular do que o “eu digital”
optimizado. O tempo passado nos smartphones
e redes sociais será roubado à socialização humana – ou, pelo menos, à
intensidade da mesma (registo para “o papel crucial do rosto na criação de
empatia” (p.122), ainda que dados sobre a utilização e presença nas redes
sociais tenham evidenciado que estas são, também, geradoras de felicidade para
muitos humanos; atente-se, ainda, que as mensagens do Facebook com menos de 80
caracteres conseguem mais de 66% de interacções). Esta “virtualização da vida”
gera constrangimentos ao nível de competências outrora dominadas por uma
esmagadora maioria: “como é que se pede a alguém para sair connosco?” é uma
interrogação que hoje se coloca…ao Google;
no Boston College, há créditos extra para os alunos que saírem
com alguém presencialmente; há universidades (norte-americanas) que oferecem
cartões-presente da Starbucks aos
alunos que não tocarem nos telefones durante a aula.
yy) Fontes de identidade tradicionais em causa: classe, emprego, Igreja - nacionalidade, etnicidade, língua e género surgem, hoje, para muita gente, como mais atractivos para se pertencer. A natureza, sempre mutável, das relações; a natureza, sempre mutável, do trabalho, a “sociedade líquida”, contribui, igualmente, de sobremaneira para o estado de coisas. yyy) para os “conservadores”, o colapso da “família tradicional”, o declínio da participação no culto religioso, um estado-providência muito presente e não responsabilizante (dos indivíduos) conduziu à presente situação; os “progressistas”, por sua vez, apontam ao que falta colectivamente realizar, assumindo que o Estado tem um papel de importância crucial a desempenhar, até porque “quando alguém acha que nem a comunidade, nem o estado se preocupa consigo, então é a própria fé na política que fica em causa.”. Para Noreena Hertz, algo haverá de verdade em ambos os diagnósticos – “conservador” e “progressista” – mas o concatenar de causas é mais amplo, complexo e extenso, conforme vimos de observar.
4.O QUE DIZEMOS, AFINAL, QUANDO DIZEMOS
“SOLIDÃO”? Com o que fica até aqui referido, podemos assinalar que a solidão é
um “estado interior e existencial – pessoal, social, económico e político”
(p.18); “a solidão não é [pois] um problema exclusivamente individual” (p.239).
Se o sentimento de solidão advém da percepção de não sermos escutados ou
compreendidos; de (percepção de) darmos valor a ideias que para os outros são
improváveis; de (percepção de) não podermos comunicar aos outros coisas que
consideramos importantes (p.56); do sentimento de perda (de comunidade, de
segurança económica, de estatuto social) e, mais radicalmente se quisermos, da
necessidade evolutiva básica de pertencermos a algo maior do que nós (p.64:
note-se, aqui, a entrega a todos os fundamentalismos, religiosos ou políticos),
a solidão não é, reitera-se, apenas um estado de espírito subjectivo. É também
uma forma de estar colectiva que nos cobra um custo elevado; sentimento de
sermos negligenciados e desapoiados; solidão que, em suma, implica (para a
debelar) governos, sector empresarial, indivíduos (p.279). Ou seja, e em
definitivo, dependência do smartphone,
vigilância do local de trabalho, economia gig (isto é, economia de biscates), experiencia sem contacto (uma série de coisas que vêm, nos nossos
dias, ter connosco, a nossa solicitação, sem que tenhamos que ter contacto com
humanos por causa disso): a solidão vive dentro de um ecossistema.
Já em fase de ensaios clínicos, encontram-se comprimidos para diminuir a percepção da solidão (actualização de Huxley, e sua Soma, com um sorriso irónico lá onde estiver, por certo), quando esta tem causas políticas, económicas, culturais.
5.IDEIAS, SUGESTÕES, SOLUÇÕES, BOAS
PRÁTICAS PARA SUPERAR A SOLIDÃO. Pressuposto: uma Comunidade - que é, ao fim e
ao cabo, o que gostaríamos de (voltar a) ter - não se pode comprar, nem impor
pela Administração (não chegam, pois, o mercado ou o Estado unilaterais/exclusivos
ou excludentes). Comunidade: pessoas a fazerem coisas juntas (p.270) z) Entretanto, nas CIDADES: entre a sociedade
civil, porque não?, atentar no exemplo, em uma cidade norte-americana, do café
com grupo de tricô, às quartas-feiras, ou concurso anual de confecção de tartes,
ou anotar a disposição de cadeiras (do mesmo), segundo a qual as pessoas se
sentam de frente umas para as outras; entretanto, antes da covid-19, tínhamos
já a noção de, um pouco por toda a parte, muito frequentadas aulas de ginásio,
ioga, zumba - nas quais as pessoas buscavam, sobretudo, convívio, verdadeiros
novos lugares litúrgicos (em tempo em que a conservação do corpo e da saúde,
como Lipovetsky escrevia, há décadas, sobre o vazio, são tudo); o mesmo –
quanto ao desiderato final - se diga, em grande medida, sobre muitos festivais
de música (como nota, com graça, Hertz, se, nestes festivais, se ouviu uma
banda musical é porque alguma coisa correu mal…). As empresas locais podem
contribuir, pagando acima do salário mínimo, com regalias e formação profissional
e estágios remunerados a jovens da comunidade. Por outra banda, as livrarias locais
desempenha(ra)m, historicamente, o papel de centros comunitários fundamentais –
grupo de leitura que abrangia toda a cidade – e pode considerar-se, atento este
papel, isenções fiscais às mesmas. Quanto ao poder político, portanto, olhemos
o município de Camden, em Londres, e registemos que aquele selecionou 56
residentes – empresários, imigrantes, aposentados, funcionários públicos – para
debaterem/encontrarem soluções de combate ou mitigação às alterações climáticas
(como encorajar os cidadãos a adquirir alimentos locais? Como tornar as escolhas
verdes mais acessíveis?), com moderadores qualificados a orientarem as
discussões – e, diga-se, chegaram a acordo quanto a 17 medidas; zonas e dias
sem carro à experiência, instalar mais ciclovias exclusivas (p.291). Em Taiwan,
o processo de democracia deliberativa
online conta com 200 mil pessoas. Já em Roeselare, foi criado um imposto
sobre lojas vazias, dando um muito maior dinamismo a zonas da cidade paradas.
E, porque não, tendo regressado o serviço militar em diferentes países, um
serviço comunitário? Emmanuel Macron criou um projeto-piloto de serviço
cívico obrigatório para adolescentes. Durante o mesmo, estes são expostos
a/debatem temas como sobre discriminação, igualdade de género, etc. (p.300).
Outra ideia: aulas de cozinha, teatro ou desporto frequentadas por crianças de
escolas de diferentes meios sócio-económicos, étnicos, religiosos para
mobilizar uma renovada coesão social. Acampamentos para adolescentes de 16 anos
com gente de todos os meios. (p.301). Em um mundo extremamente polarizado (os
extremos ideológicos prosperam), também os media
desempenham (ou podem desempenhar) um papel fulcral: o jornal alemão “Die
Zeit”, por exemplo, face a esta realidade, organizou uma espécie de “tinder
político”, em que participam 40 mil pessoas, de lados opostos do espectro
político (e cujos resultados evidenciam uma maior compreensão do outro e seu
ponto de vista, uma não demonização daquele e das suas perspectivas). Estes
debates passaram, nomeadamente, por perceber a perspectiva do outro sobre a UE
ou acerca do nuclear; outros exemplos de práticas de procura de formação de
comunidade(s): em Nova Iorque, o Public
Theatre junta pessoas para representarem e debaterem peças de teatro;
Bristol, junta pessoas em torno da gastronomia; na Colômbia, o futebol junta
membros que eram das FARC e suas vítimas (p.297).
Passemos, agora, ao zz) mundo do
TRABALHO. Começando por BOAS PRÁTICAS EMPRESARIAIS rumo a um tempo menos
solitário, mais cortês, com maior sentido de comunidade: a ‘Daimler’
estabeleceu que todos os emails enviados para os colaboradores durante as
férias seriam automaticamente apagados. O ‘Lidl’, em alguns dos seus mercados,
proibiu emails entre as 18h e as 7h da manhã, bem como aos fins de semana
(p.177). A maior Companhia de Electricidade no Reino Unido dá 10 dias
suplementares de licença paga para os seus colaboradores que cuidam de idosos
ou outros familiares incapazes; assim, poupa-se, ao mesmo tempo, em ausências
imprevistas (cujos custos, já agora, ascendem a milhares de milhões de euros)
(p.180). A ‘Nationwide Building Society’ oferece aos seus colaboradores dois
dias por ano dedicados a ajudar comunidades locais. A ‘Salesforce’ dá até 7
dias de voluntariado remunerado em cada ano; A ‘Microsoft’, no Japão, oferece 5
sextas-feiras consecutivas de folga sem reduzir remuneração. Além disso,
proporciona apoio financeiro a cada colaborador, de 750 libras, nomeadamente
para viagem em família. Após estas medidas, verificou-se que a produtividade aumentou
40%, absentismo diminuiu 25%. Diminuíram os custos, houve benefícios
ambientais, em particular com a diminuição do consumo de electricidade em 23%,
sendo que foram impressas menos 59% de páginas de papel.
Diversamente, há, ainda,
CONSTRANGIMENTOS e perigos em ACTUAÇÕES CORPORATIVAS que importa ter em conta:
a ‘Amazon’ adquiriu patentes de bracelete que permite por exemplo monitorizar o
coçar de uma comichão, ou o tempo que se demora a ir à casa de banho (p.191);
No Wisconsin, a empresa ‘Three Square Market’ colocou microchips nas mãos de 50 trabalhadores (ainda que de modo
voluntário) (p.203); entrevistas virtuais para emprego parecem estar a
tornar-se norma (as grandes corporações recebem milhares de currículos, cujo
exame se torna muito prolongada): candidatos avaliados em função do léxico
utilizado, o tom, a cadência, as expressões faciais – mas estes items
necessitam de ser fortemente sindicados/escrutinados. E pense-se, por exemplo,
na exigência do sorriso: há grandes diferenças culturais relativamente ao
sorriso (americanos sorriem mais vezes, e mais rasgadamente, do que alemães,
japoneses e finlandeses; o que num lado seria quase como um requisito, ainda
que duvidoso que se pudesse exigir a alguém, noutro seria tomado como uma
impertinência de um trabalhador); uma pessoa com deformação facial, já agora,
não consegue sorrir da mesma forma (p.188-189). Nos EUA, ¼ dos adultos foi
despedido ou ameaçado de despedimento por tirar tempo para recuperar de doença
ou cuidar de familiar doente.
E o que pode fazer uma Administração,
ao lidar com as empresas, com o objectivo de um mundo menos solitário, mais
próximo? Em França, em empresas com mais de 50 trabalhadores, há o “direito a
desligar” (telemóvel, email, etc. pós-laboral), desde 2017. Em Espanha, tal
sucede desde 2018 (Itália e Bélgica juntaram-se-lhes). Agora, vários países
estão a ponderar o mesmo (assim aconteceu no Chile, Argentina, México, Perú)
(p.178). Dado que “estamos na verdade a meio da mais significativa
reorganização do trabalho desde a Revolução industrial” (p.190), com a eclosão
de uma mais significativa aposta na robotização por uma parte do mundo
empresarial em diversos países - nos EUA, há 3,5 milhões de pessoas que são caixas de supermercados e sabemos como
temos, já hoje, alternativa automática, nesses mesmos supermercados, a esses
profissionais; o ‘Breadboat’, o robô padeiro, lançado recentemente, consegue
amassar, moldar, provar e cozer 235 pães grandes por dia. (p.210) colocando, do
mesmo modo, os profissionais desta área em cheque; um novo braço robótico
prepara 20 cocktails em simultâneo; temos,
em um outro exemplo, o robô porteiro; a televisão estatal chinesa, a Xinhua,
têm pivots de noticiários vindos da IA, o primeiro – Zhang Zhao, fez a 1ª
emissão em Novembro de 2018 e a pivot Xin Xaomeng, surgiria, via IA, em
fevereiro 2019; em suma, um mundo cheio de robôs irá intensificar a nossa
solidão – poderia propor-se deduções fiscais a empresas que concedam o emprego
a humanos; taxação, com imposto sobre os salários, de robôs; por causa da
competitividade, a taxação de robôs, sem embargo, teria que ser realizada a
nível global; a Coreia do Sul, o país mais robotizado do mundo, cortou nas
deduções fiscais e empresas com automação (p.215). Acrescente-se que Trump teve
melhores resultados onde os robôs mais tinham sido mais adoptados (p.209). O
mundo passa por uma crise que acontece uma vez em cada geração.
Quanto ao MODELO ECONÓMICO-SOCIAL, “o
cuidado e o capitalismo têm que ser reconciliados”, adverte Noreena Hertz.
Precisamos de um “capitalismo mais atencioso e gentil”; no trabalho, a máxima
já não pode ser apenas satisfazer os accionistas, mas devemos (e as novas
gerações demandarão) encontrar companheirismo, propósito, um espírito de
comunidade; em um modelo de desenvolvimento sustentável, acederemos a postos
para veículos eléctricos; plantaremos árvores; faremos a reabilitação
energética dos edifícios municipais; criaremos bibliotecas, clubes de
juventude; empenhar-nos-emos em energias renováveis, centros comunitários e
haverá substantiva encomenda de obras aqueles que alimentam o espírito a
sociedade: artistas plásticos, escritores, músicos (isto que também aconteceu
no New Deal, com Roosevelt) (p.284).
Alterar métricas/padrões de medição ou aferição de como vai uma sociedade, que
não passem apenas pelo crescimento e a produtividade: por exemplo, elaboração
de métrica relacionada com a solidão, confiança nos concidadãos e governo,
sentimento de pertença (dos cidadãos à comunidade). Em síntese, precisamos de
passar “de consumidores a cidadãos, do receber para o dar, de observadores
casuais a participantes activos” (p.303).
Finalmente, e face à DEPENDÊNCIA DE SMARTPHONES OU DAS REDES SOCIAIS, o exemplo de Noreena Hertz passa pela indicação de que temos, actualmente, uma série de pessoas a desligarem-se por completo dessas plataformas. Comprometer-nos com uns dias fora do digital e a Administração obrigar à existência de mensagens a berrar a dizer que as redes sociais fazem mal (tal como sucede, desde há alguns anos, face aos maços de tabaco) são sugestões. Diferentemente, micro-interacções com outras pessoas fazem bem: mesmo a breve conversa com o empregado do balcão, parecendo que não, tem um efeito regenerador.
Pedro Miranda
(publicado no jornal I)
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