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A mostrar mensagens de julho, 2022

PEREGRINAÇÃO (ANTÓNIO MARUJO E RUI PAULO CRUZ)

  Peregrinação (agora cerceada) O mês de Maio português costuma confinar, marcadamente, com Fátima. Dada a sua importância, desde logo sociológica, mal se compreendia a não inserção de investigadores, de diferentes áreas do conhecimento e vinculações/filiações filosóficas e/ou mundividências diversas – como alguns reclamavam que não sucedia cabalmente, porventura, alvitravam, em virtude de um preconceito para com o religioso, e pese, em todo o caso, a já extensa publicação, entre muitas outras, da “Documentação Crítica de Fátima” e da Edição Crítica das “Memórias” de Lúcia de Jesus , com contributos de pesquisadores oriundos de universos disciplinares múltiplos –, na procura da interpretação de um dos mais marcantes fenómenos do nosso século XX: as chamadas “aparições de Fátima” (e todo o conjunto de consequências - sociais, políticas, religiosas, económicas - que destas advieram). O centenário das “aparições” (ou “visões interiores” dos pastorinhos) foi ocasião, assim, para um renov

EPISTOCRACIA (JASON BRENNAN)

  EPISTOCRACIA Um conjunto de politólogos viu surgir, nos últimos anos, a Epistocracia como o regime que, de algum modo, foi rivalizando, ou pode vir a rivalizar com a Democracia , em termos de atractividade para o eleitorado (note-se que 67% dos portugueses aprovam, nos mais recentes inquéritos, divulgados por Conceição Pequito, em A qualidade da democracia em Portugal , FFMS, 2018, um governo de especialistas/técnicos). Termo cunhado por  Estlund ,  espistocracia  significa  o governo dos sábio s. Ou, mais propriamente, " um regime político é epistocrático na medida em que o poder político é formalmente distribuído de acordo com a competência, a capacidade e a boa-fé para agir com base nessa capacidade " (na definição do filósofo político Jason Brennan , em Contra a democracia , publicado pela Gradiva, em 2017). Se os estudiosos discutem se, na República ,  Platão  estava a falar a sério quanto à ideia de um rei-filósofo  para governar a cidade,   Jason Brennan , por seu t

COMO O FUTEBOL EXPLICA O HOMEM (DESMOND MORRIS)

  Como o futebol explica o Homem   Fomos  caçadores-recolectores  e desenvolvemos estratégias, tácticas, conspirações para apanhar as presas. Era, literalmente, matar ou morrer. Também do ponto de vista genético, biológico tivemos que ganhar capacidades de corrida, força, resistência, cálculo e tanto mais. Um dia aprendemos a domesticar animais. Com a  sociedade agrícola  ficámos mais sedentários. A conversa e o treino mole não iam connosco, humanos preparados para o assalto final, adrenalina que havia que fazer jorrar, ansiedade e stress para colocar em campo, a aventura que havia que manter intacta: continuámos a caçar (mesmo com a emergência da  Agricultura ). Fomos progressiva, mas sucessiva e maciçamente para as cidades. A cultura urbana não se dá bem com as caçadas - que permaneceram em retiradas ao campo. Sobretudo, e com os romanos, as caçadas chegaram à cidade: o Coliseu, com 45 a 50 mil lugares, encheu no primeiro dia para ver 5 mil animais serem mortos. A tourada poderá

O RAP...DE DAVID RAMOS

  O rap…de David Ramos 1.Foi no final dos anos 90 que chegou até nós o rap , sob uma vaga de hip hop que notámos nos liceus. Principiara nos anos 70, no Bronx , descendendo dos «dozens» ou «snaps», isto é, de um jogo afro-americano que envolvia uma escalada verbal (de insultos) até um dos jogadores desistir, com a assistência a acicatar os contendores para que continuassem – um jogo, aliás, que ainda podemos encontrar nas nossas cidades e em transmissões nas redes sociais . Ao estranhamento inicial, às dúvidas sobre a transposição cultural em ambientes muito diversos do original – e recordo como falhou, à época, a nível local, um parque radical, em Codessais, e que continha uma espécie de cenarização que subjazia a uma certa ecologia (na qual aquela música cabia também), com os seus skates e grafiti , os bonés virados do avesso, que transpareciam nos videoclips -, sucedeu a constatação de uma forma cuja apropriação encontra, no tempo horizontal e despojado em que nos movemos, um e

EM CHAMA

  GRÃO-DE-LOBO Põe o ferrolho à porta: há rosas na casa. Há sete rosas na casa. Há o candelabro de sete braços na casa. O nosso filho sabe isso e dorme. (Lá longe, em Michailowka, na Ucrânia, onde eles me mataram pai e mãe: que floria aí, que floresce aí? Que flor, mãe, com o seu nome, mãe, a ti, que dizias  grão-de-lobo , e não lupino? Ontem veio um deles e matou-te outra vez no meu poema. Mãe, mãe, que mão apertei eu quando as tuas palavras fui para a Alemanha? Em Aussig, dizias tu sempre, em Aussig junto ao Elba, durante a fuga. Mãe, aí moravam assassinos. Mãe, eu escrevi cartas. Mãe, não veio resposta. Mãe, veio uma resposta. Mãe, eu escrevi cartas a - Mãe, eles escrevem poemas. Mãe, eles não os escreveriam se não fosse o poema que eu escrevi, por ti, pelo amor do teu Deus. Bendito, dizias tu, seja o Eterno, e louvado, três vezes Amen. Mãe, eles ficam calados. Mãe, eles consentem que a ignomínia me difame. Mãe, ninguém cala a boca aos assassinos. Mãe, eles escrevem poemas. Oh, mãe,

VALORES EUROPEUS E PORTUGUESES (ALICE RAMOS E PEDRO MAGALHÃES)

  Valores europeus e portugueses 1 .Foi, muito recentemente, divulgado – e pode consultar-se na página da Fundação Calouste Gulbenkian – o European Value Study (resultado de um amplo conjunto de inquéritos, junto de nacionais de 34 países europeus, visando observar a pauta axiológica que vai marcando o Velho Continente), merecendo leitura especialmente atenta, da nossa parte, o trabalho de Alice Ramos e Pedro Magalhães , neste contexto, sobre os “valores portugueses”. 2 . A esfera da vida mais importante para europeus e portugueses é a família : 88% dos nossos concidadãos respondem que se trata de uma dimensão “ muito importante ”, (percentagem que não se divisa em mais nenhuma das demais “esferas” colocadas em ponderação). A uma distância considerável, mas em segundo lugar no conjunto de respostas, o trabalho ( 59% dos portugueses colocam o foco nesta dimensão, encontrando-se, rigorosamente, quanto à importância atribuída, a meio da tabela dos 34 países europeus sondados). Segue-

CIDADES DO SOL (PAULO MOURA)

  Cidades do Sol. Paulo Moura Notando um Ocidente sem optimismo e ideias novas, Paulo Moura, multipremiado jornalista, escritor, freelancer rumou à Ásia em busca de sonhos e vida que ali estivessem em gestação. No seu roteiro: Bangalore, Jacarta, Saigão, Manila, Seul, Shenzen, Pequim, Xangai, Chongqing e Hong Kong - e, em cada uma destas cidades, cidadãos comprometidos com o futuro ( rappers , escritores, cineastas, fotógrafos, influencer’s , activistas, professores universitários que entrevistou). Do seu bloco de notas, um interessantíssimo relato que inclui sons, cheiros e imagens exóticas; a problematização de conceitos como “classe média asiática”; a colocação em crise (da existência) de “utopias colectivas” a Oriente; a proposta de leitura da relação entre as viagens marítimas portuguesas e algumas doutrinas políticas; sugestões práticas aos que se aventurarem em caminhos como os percorridos pelo autor, concluindo, porventura, em Manila, o fundamental da expedição, com um acadé