VALORES EUROPEUS E PORTUGUESES (ALICE RAMOS E PEDRO MAGALHÃES)

 

Valores europeus e portugueses

1.Foi, muito recentemente, divulgado – e pode consultar-se na página da Fundação Calouste Gulbenkian – o European Value Study (resultado de um amplo conjunto de inquéritos, junto de nacionais de 34 países europeus, visando observar a pauta axiológica que vai marcando o Velho Continente), merecendo leitura especialmente atenta, da nossa parte, o trabalho de Alice Ramos e Pedro Magalhães, neste contexto, sobre os “valores portugueses”.

2.A esfera da vida mais importante para europeus e portugueses é a família: 88% dos nossos concidadãos respondem que se trata de uma dimensão “muito importante”, (percentagem que não se divisa em mais nenhuma das demais “esferas” colocadas em ponderação). A uma distância considerável, mas em segundo lugar no conjunto de respostas, o trabalho (59% dos portugueses colocam o foco nesta dimensão, encontrando-se, rigorosamente, quanto à importância atribuída, a meio da tabela dos 34 países europeus sondados). Segue-se o lazer (49% referem-no como “muito importante”), os amigos (salientados por 48% dos inquiridos), a religião (“muito importante” para 20% dos portugueses) e a política (sublinhada por apenas 8% dos portugueses). Desde que existem estudos de medição dos valores europeus, em 1990 (65%), nunca como hoje os portugueses consideraram tanto a família (como actualmente dizem fazê-lo).

3.Se somarmos as respostas “muito importante” e “importante” dadas sobre a importância da política, abarcamos 75% dos suecos, 69% dos noruegueses, 68% dos alemães, 54% dos britânicos, 54% dos holandeses, 52% dos suíços, 51% dos islandeses, 50% dos austríacos, 47% dos dinamarqueses, 47% dos italianos, 45% dos finlandeses…e 36% dos portugueses. Se a política é o lugar do “comum” por excelência, o campo em que discutimos em conjunto os principais problemas da comunidade, o nível em que podemos articular soluções para os constrangimentos que nos afligem, em especial dos cidadãos que se encontram em piores circunstâncias é, de facto, desolador o panorama português a este respeito, situando-nos entre os menos interessados pela polis (nesta Europa a 34 interrogada para o estudo a que vimos aludindo).

4.Entre os aspectos menos positivos a atendermos/corrigirmos no retrato que de nós resulta deste acervo de inquéritos, destaca-se o extremamente frágil nível de confiança interpessoal (existente em Portugal) – ou seja, a crer nas respostas dadas no âmbito do European Value Study, confiamos muito pouco uns nos outros: apenas 17% dos portugueses respondem (afirmativamente) “pode confiar-se na maioria das pessoas” (no que significa, ainda, uma descida de 4% face ao manifestado em 1990). Nos países nórdicos, à mesma pergunta, as respostas (positivas) variam entre os 60 e os 70%. Em 34 países, os portugueses situam-se no 26º lugar dos que mais confiam ou, melhor, e dito pela inversa, encontra-se em 8º lugar entre os que menos confiam nos outros (seus concidadãos).
À pergunta “fez voluntariado nos últimos 6 meses?”, respondem positivamente 8% dos portugueses, a terceira taxa mais baixa a nível europeu. Mais de 40% dos noruegueses, bem como mais de 30% dos suíços e holandeses disseram “sim” quando indagados com idêntico questionamento.
O individualismo e deslaçamento social, atravessando todas as fronteiras, justificará, pois, às mais diversas instituições portuguesas, da família à escola, passando pela(s) Igreja(s), a política ou o mundo das empresas, um sério e ponderado olhar, porventura suportado/concretizado, nomeadamente, neste conjunto de realidades (desimplicações/consequências), sendo, também, que, por exemplo, no elencar de causas para a constatação de uma baixa confiança interpessoal não raro as desigualdades socioeconómicas – que implicam, igualmente, uma grande diversidade de actores da nossa sociedade civil; e não se ignore, outrossim, a crescente brecha, em termos de votantes em eleições no nosso país, componente não única, evidentemente, mas relevante, do interesse pela política, entre os que possuem melhores contextos económicos e aqueles em que as dificuldades ao nível dos rendimentos são consideráveis, com estes últimos a registarem, nos anos mais recentes, um crescente afastamento das urnas – são, não raramente, apontadas.
 
5.Diversamente, merece especial saudação o abandono da complacência das respostas dos portugueses para com a fuga aos impostos (uma evolução muito positiva das respostas desde 1990 até aos nossos dias), bem como para com a reivindicação de benefícios estatais a que não haja direito ou, ainda, a recusa de um laxismo quanto ao não pagamento de tarifa em transportes públicos. Portugal surge, desta sorte, como o 4º país em 34 que menos tolera o não pagamento do bilhete em transporte público e o 11º que mais condena a fuga aos impostos.

6.Em casa, os portugueses dizem privilegiar o ensino de boas maneiras e o sentido de responsabilidade dos descendentes. No fim das preocupações, parece estar a imaginação e a transmissão da fé religiosa. Apenas 25% dos portugueses declaram o casamento “uma instituição ultrapassada” e 85% fundam na fidelidade a ideia de casamento ou união de facto bem-sucedidos. Na esfera familiar, os portugueses veem com bons olhos o facto de as mulheres trabalharem, existindo em cerca de 25% a perspectiva de que o homem deve providenciar o rendimento (familiar) e à mulher compete ficar a tomar conta do lar e da família, embora, note-se, horizonte (sufragado) sem discrepâncias significativas nas respostas de homens e mulheres (26% dos homens e 22% das mulheres portuguesas assim responderam neste inquérito, face aos 5% de dinamarqueses e 68% de arménios que afirmaram o mesmo; neste domínio, em 34 países, Portugal ocupa a 13ª posição). Os portugueses destacam-se no seu posicionamento igualitário no que se refere ao encarar da participação de homens e mulheres na vida pública, se virmos as respostas globais dos europeus: “os homens dão melhores líderes políticos do que as mulheres” é asserção subscrita por 17% dos portugueses inquiridos face a 30% da média europeia (dos 34 países ‘escutados’).
A abertura à homossexualidade, nas respostas dos portugueses, mais do que duplicou face a 1990; a tolerância para com a eutanásia também teve um significativo acréscimo (ainda que não tão elevado como o verificado no item anterior); já o suicídio é considerado, basicamente, tão injustificado hoje como há 30 anos. As taxas de aprovação e desaprovação do aborto em 2020 conhecem umas três décimas de diferença, quando olhamos para 1990 e 2020. Em 34 países, Portugal é o 13º país menos permissivo neste âmbito.

7.Concluo com um dado que considero amplamente positivo – até por as respostas dos portugueses corresponderem aos estudos que têm medido o aporte em termos económicos e de desenvolvimento português: bem mais de 40% dos nossos concidadãos entendem que o impacto da imigração no desenvolvimento do nosso país foi “bom” ou “muito bom”, o que significa o 4º lugar em 34 países numa percepção favorável dos nacionais, face a não nacionais, quanto ao impacto destes no desenvolvimento nacional. E se estamos na média europeia quanto à percepção do impacto da imigração na criminalidade no nosso país, ou na segurança social e, ainda, na relação com os empregos disponíveis, sempre nos desafiando a um trabalho em progresso e um esforço de pedagogia a manter ou intensificar, é claramente positivo e distinto, no contexto europeu, o posicionamento português face à imigração, muito equitativo, quanto à distribuição de empregos, em potencial quadro de rarefacção de trabalho, (hipótese) com que foram confrontados os inquiridos.

Boa semana.

Pedro Miranda

(no 'reparo do dia', na rádio universidadefm)

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