A BELEZA DE PREFERIR FICAR

 

No reparo do dia de hoje, na universidadefm, o João Gonçalves e o Carnaval em Paradela do Monte

À beira de completar o mestrado em Engenharia Informática na Universidade do Minho depois de concluir a licenciatura na UTAD, João Gonçalves dirige, com um brilhozinho nos olhos, a Associação Desportiva e Cultural de Paradela do Monte, lugar situado na freguesia de Louredo, no concelho de Santa Marta de Penaguião.
Três anos depois de, após o imediato emergir, no nosso país, da pandemia da covid19, se ter voluntariado e recebido acções de formação para participar em iniciativas que visavam salvar vidas, desde logo aos mais velhos do nosso concelho; após ser vice-presidente do núcleo de estudantes do seu curso; tendo tido todo um percurso escolar/académico sem falhas e repleto de boas notas e brilhantismo; sendo um dos mais talentosos e dedicados estudantes que conheci – foi sempre de querer, paciente e disciplinadamente, compreender os manuais ou as sebentas, consigo nunca o despejar, de modo banal ou burocrático, em qualquer reflexão, exercício ou teste; quis, sem excepções, conhecer os segredos metafísicos de cada disciplina –, junta a  isso uma pureza (creio que foi Sophia que um dia escreveu que o “puro” é o que “acredita numa coisa só” e o João é, de facto, a antítese do “relativista”; dele poderia, aliás, recordar-se também a frase antiga de Aristóteles, em “Ética a Nicómaco”: “um homem verdaeiramente bom é reto como um quadrado”), uma boa-fé no diálogo que só engrandece a firmeza das convicções que o (en)formam e a empatia e inteligência (emocional) que o cumulam de amigos em toda a parte por onde passa. O João, na consistência da sua formação académica, técnica, humana, na sua proficiência linguística (susceptível de lhe franquear portas potencialmente universais), na invulgar capacidade de comunicar, na curiosidade pela vida e pelos outros é daqueles casos que, por excelência, integra o grupo dos nossos concidadãos que está mais do que preparado para participar nos mais variados fóruns profissionais e de cidadania pelo mundo; alguém que se sentirá, por certo, à vontade, com aptidões e qualificações bastantes, para integrar, com proveitos, o mundo globalizado em que nos inserimos.
Ora, em um instante do nosso devir coletivo em que, justamente, a saída para os principais centros urbanos europeus ou, mesmo, mundiais parece surgir como (impreterível) “prova de vida” que qualquer jovem academicamente “bem-sucedido” e “respeitável” tem que fazer para se afirmar no concerto dos salões de chá das nossas urbes, o sonho do João Gonçalves de procurar fixar-se e fixar Paradela do Monte; de manter um espírito comunitário; de assentar em concretas raízes e, a partir delas, fazer crescer horizontes; de valorizar uma geografia física e humana que o acolheram na sua vinda ao mundo, pareceu-me, de cada vez que o escutei - marcadamente genuíno e empreendedor - um signo de um sim, preclaro e alegre, à experiência do mundo. Quando a dimensão comunitária/gregária, em tantas povoações do nosso concelho e distrito, se esvai, quando tantas aldeias se desertificam e os mais velhos, e os menos velhos, condenados à solidão e ao isolamento, há quem queira que a brasa, a chama que alenta vidas e lugares, se mantenha - e faça dessa uma opção vital.
Sendo cada partida, cada escolha (assentando aqui no pressuposto da existência de escolha, de liberdade nessa partida, o que nem sempre sucede mas que para aqui importa) de um lugar para habitar, de condições de vida e de cosmovisão, diversos do lugar onde se nasceu, do país de que se é natural, perfeitamente naturais e mais do que legítimos, seguramente enriquecedores em múltiplos aspectos (para quem sai) e, não raramente, aportadores, em diversos planos, aos próprios lugares e países de origem (e suas gentes: mentalidades, cultura, economia…), o que me importa, neste instante da nossa troca de ideias cidadã, é não diminuir – como se houvesse uma espécie de inferioridade moral e/ou intelectual em quem fica; em quem, tendo no plano dos conhecimentos e no âmbito das competências, toda a preparação para embarcar se quiser ou se quisesse; e, outrossim, uma superioridade moral e/ou intelectual de quem parte, pelo facto de sair – os que teimam na originalidade de não recusarem – podendo, é certo, não o recusar, o que também nem sempre sucede -, o elemento mais frágil, no qual a haurir há “apenas” afectos, memórias e paisagens fortes; de querer mais dar do que receber. O “espírito do tempo” sopra, intensamente em ocasiões bastantes entre nós, muito no sentido de ao “jovem qualificadíssimo” se exigir mostrar a força, reitera-se, de ir para os maiores centros urbanos mundiais “provar” que aí consegue “triunfar” – no que raramente se questiona, ou negligencia pelo menos, o quão difícil é o êxito “interno” (no que se mingua, já se vê, esse “interno”), ou, mesmo, o que significa, humanamente, “sucesso”. O contrário ou oposto do espírito comunitário poderá ser uma anomia, uma atomização, um desenraizamento que abandone a pessoa aos cinco, seis ou sete mil euros de recompensa mensal – e é duvidoso que não necessitemos de amigos, companheiros, familiares, referências antigas e memórias partilhadas (ou que, pelo menos, para muitos, “triunfar” passe bem mais por aí, em não sendo exatamente possível tudo, todas as dimensões conjugar, do que por outros números e estatísticas). De resto, neste contexto, sempre permanecerá a interrogação sobre se o que caracteriza, o que se espera, o que se deseja do humano é, preeminentemente, que seja “forte”, que assuma essa “fortaleza” e “armadura”, ou que prevaleça a perspectiva/vivência/assunção de um ser “ferido”, “incompleto”, necessitado de muitos outros, e outros com quem, ao longo de anos, cria/criou raízes – ou qual a melhor forma de combinar, de concretizar, “aqui” ou “além”, essa “fortaleza” e/ou essa “debilidade” (o que tem sempre uma, pelo menos implícita, dada “interpretação”, “representação” de “vida ideal”, portanto, uma “imagem” do que prevalece e é mais importante em qualquer caso, e do humano nela).
Porque há-de ter mais “sex appeal” Londres ou Nova Iorque – por vezes, reconheça-se, “eu” contra o mundo, ‘vou provar-vos como sou forte’; mesmo que em inúmeras circunstâncias da vida, o paulino “quando eu sou fraco, então é que sou forte” se revele de enorme lucidez – do que Paradela do Monte (isto é, de permanecer, procurar contribuir para não deixar morrer, devotar-se aos que precisam agora mais de receber do que têm para dar)? Porque hão-de dar, sempre e necessariamente, como parece suceder, mais “prestígio” – mesmo que à custa do descaso, do desaparecimento de comunidades humanas que, antes, ajudaram tantos a erguerem-se – e, para mais, se à custa da perda e/ou ausência de amizades, ternuras e carinhos (o impressionante “Rent a friend” existente em Nova Iorque, mas ainda não em Paradela do Monte, porque não se consegue fazer um único amigo, antes se andando de trabalho em trabalho e, nessa dimensão laboral e estatuto socioeconómico, tudo se jogando; e olhando à questão política e de casos e corrupções, Londres, olhada dos últimos anos, das últimas semanas, não parece eivada de qualquer “superioridade moral”, Londres, aliás, em parte, como se sabe, vendida aos homens protegidos do Kremlin). E, em última instância, importará um tanto esse alegado “prestígio” (a quem a ausência seja mais forte do que as presenças que agrega)?
Ao longo dos anos, o João publicitou, entre colegas e amigos, a terra onde viveu e pela qual se apaixonou, como tendo um Carnaval repleto de alegria. Por estes dias, estou certo, viverá intensamente as arruadas de bombos, os jogos tradicionais “de farinha e forretes”, o momento de “crítica das comadres”, o jantar-convívio com arroz de salpicão e o baile de máscaras. Continuará, com a humildade e o bom humor que lhe são característicos, a equipar tecnologicamente a associação a que agora preside, para a qual quer novas valências ao nível do teatro e outras artes.
Não, não digam ao João que ficou por qualquer insuficiência de preparação ou formação – ele encontra-se devotado a Paradela do Monte precisamente porque é um dos melhores de nós. E, além de engenheiro, capaz, pois, de poesia.
 
Boa semana.

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