'DA RESSURREIÇÃO. UMA BREVE CARTOGRAFIA"
Da ressurreição – uma breve cartografia
Martin Buber
Se, acaso, entendêssemos por bem iniciar a nossa indagação pelo acontecimento ressurreição de acordo com o (redutor, segundo cremos) zeitgeist – pelo menos, a Ocidente – creio que reuniria um consenso bastante principiar por uma abordagem que recorresse aos métodos histórico-críticos, prevalecendo, pois, o positivo.
3.Assim,
diz-nos J.P. Meier, há dois tipos de eventos que partilham, nos Evangelhos, o
vocabulário grego para ressurreição: tal ocorre
a) quando as pessoas são devolvidas à vida durante o ministério público
de Jesus (e, portanto, por sua acção; pessoas, estas, falecidas, mais ou menos,
recentemente - de que são exemplos a filha de Jairo [Mc 5, 42-43], o filho da
viúva de Naim [Lc 7, 15] ou Lázaro [Jo, 11, 44]) e b) por acção de Deus Pai, na
ressurreição do próprio Jesus.
Em
todo o caso, Meier não deixa de anotar um conjunto de nuances não despiciendas
em estes eventos: enquanto que em Lázaro vemos que a (sua) cara está coberta
por um sudário e (este) se encontra envolto em vendas, já Jesus deixa as vendas e o sudário no sepulcro; existem, também,
diferenças literárias para descrever as diferentes ressurreições: a ressurreição de Jesus nunca é narrada
– ao contrário daquelas, já identificadas, que significam um regresso à vida
terrena tal qual - nos Evangelhos (canónicos); esta é profetizada e proclamada
(mas não narrada).
4. Um outro autor que no seio do acesso histórico-crítico a Jesus Cristo se destacou na contemporaneidade foi E.P.Sanders (iniciador da chamada Third Quest, escola de investigação acerca do Jesus histórico caracterizada por uma firme localização de Jesus no contexto judeu; pelo aturado estudo das motivações da crucificação de Jesus; pela integração – sem separação – da dimensão política e teológica da actividade de Jesus e por um posicionamento holístico, capaz de convocar estudiosos de diferentes áreas do conhecimento, para melhor chegar a Jesus[5]). Sanders, afirmando que “a ressurreição não faz parte da história do Jesus histórico, mas pertence ao resultado da sua vida”[6], ater-se-á, como Meier não faz, à problemática da aparição do ressuscitado a um conjunto de pessoas (escolhidas). E, em realidade, julgamos que a questão das aparições – susceptíveis de serem apreendidas, não só mas também, no fenomenológico – não é coisa menor; as aparições podem, mesmo, ser lidas como mediação para a ressurreição se dar na história: “As aparições são o lugar concreto donde o ressuscitado se enxerta na história”[7].
5. Se, não raramente, atribuímos categorias de pensamento e de leitura a pessoas de um mundo em que tais categorias são (ainda) inexistentes – incorre-se, com efeito, em anacronismos, com frequência -, em simultâneo acontece julgarmos um obscurantismo sem fundamento naqueles que nos precederam (e tanto maior quanto mais andarmos para trás no tempo). Ora, a propósito das aparições do Cristo ressuscitado a um grupo de eleitos, Sanders escreve: “as pessoas esclarecidas da Antiguidade, tal como os seus contrapartes modernos, rejeitam os espíritos como criaturas de sonhos, invenções da imaginação. Os menos esclarecidos acreditavam, naturalmente”[8]. O que, sem dúvida, tais aparições constituem é uma experiência inaudita, que, aliás, desconcerta o historiador: esta é “uma experiência que não se encaixa numa categoria conhecida. Aquilo que eles [aos quais a aparição se lhes deu] negam é muito mais claro do que aquilo que afirmam (…) ao longo do livro [A verdadeira história de Jesus], apresentei sugestões sobre o que está subjacente a determinadas passagens dos Evangelhos. Neste caso, porém, não vejo como obter provas ou como chegar aos acontecimentos que estiveram por detrás delas (…) eu não pretendo que sei o “que” os discípulos viram ou mesmo quem viu”[9]. Do que aquele que se abeira da realidade com os instrumentos da ciência positiva não tem dúvidas é de que não estamos perante um logro: “não considero a fraude deliberada uma explicação útil. Muitas das pessoas que se encontram nestas listas passariam o resto das suas vidas proclamando que tinham visto o Senhor ressuscitado e várias delas iriam morrer pela sua causa. Além disso, uma ilusão calculada deveria ter produzido maior unanimidade [nos relatos, no Novo Testamento, acerca de tais aparições]”[10]. ousará, talvez, ser ainda mais incisivo na formulação: “na minha opinião, as provas da ressurreição corporal de Jesus são sólidas”. O registo mais impressivo de E.P.Sanders, todavia, assenta no assumir de que, em seu entender, as experiências de ressurreição são, atente-se bem, um facto: “Na minha opinião, é um facto que os seguidores de Jesus (e, mais tarde, Paulo) tiveram experiências da ressurreição. Mas não sei que realidade suscitou estas experiências”[11]. Um outro (grande) exegeta católico, de quem, aliás, J.P.Meier é discípulo, Raymond E. Brown, ousará, talvez, ser ainda mais incisivo na formulação: “na minha opinião, as provas da ressurreição corporal de Jesus são sólidas”[12].
6. Por sua vez, e ainda remetidos para esta
dimensão histórico-crítica de perspectivas acerca de Jesus, notaremos como com
Schillebeckx, Joachim Gnilka, em Jesus de
Nazaré[13],
nos desinstala da simples/redutora (?) afirmação de que a ressurreição não é um
facto histórico. Ao relembrar que aquele teólogo utilizou a expressão «história
de um vivente» para designar os Evangelhos[14],
coloca-nos perante a contemporaneidade da ressurreição, não deixa de nos
remeter, de algum modo, para a presença de Deus no mundo através das causas segundas e, de, sendo “vivente”
Jesus Cristo, e da ressurreição poder hoje ser um acontecimento com o qual nos
encontramos, persistir numa história, isto é, num espaço-tempo. Pelo menos, e
sem delongas, a ressurreição, se “é um
acontecimento escatológico, que transcende o tempo [e] pertence ao mundo que
vem e não pode ser situado dentro das coordenadas do nosso tempo e lugar, como
situámos as demais coisas deste mundo”[15],
apresenta-se, deste modo, como um acontecimento com indiscutíveis repercussões
históricas actuais e actuantes[16].
Por outro prisma, Gnilka tratará de trazer à luz a questão do túmulo vazio e de assentar a sua posição em âmbito (tão) controvertido: “o túmulo não é o facto desencadeador da fé pascal. O túmulo vazio foi interpretado erroneamente. Ele é o sinal do triunfo, que a comunidade de Jerusalém podia invocar e ao qual não queria renunciar”[17].
7.Escrevendo já a partir de um ângulo propriamente teológico/pastoral – e chegando, aliás, a inscrever no início do segundo volume de Jesus de Nazaré que todos os frutos que poderíamos haurir do recurso ao método histórico-crítico, para compreendermos Jesus Cristo, haviam já sido (todos) colhidos -, Ratzinger/Bento XVI não deixará, porém, de tomar partido, compreendendo, perfeitamente, o que se joga nas actuais coordenadas do (nosso) tempo, relativamente à verdade da ressurreição, arvorando-se ao terreno do positivo da seguinte forma:
“Naturalmente que não pode haver contradição com aquilo que constitui um claro dado científico. É certo que, nos testemunhos sobre a ressurreição, se fala de algo que não ocorre no mundo da nossa experiência. Fala-se de algo novo, algo que, até então, era único: fala-se de uma nova dimensão da realidade que se manifesta. A fé na ressurreição não contesta a realidade existente, mas diz-nos que há uma dimensão ulterior, para além das que conhecemos até agora. Porventura estará isto em contraste com a ciência? Só poderá verdadeiramente existir aquilo que desde sempre existiu? Não poderá haver uma realidade inesperada, inimaginável, uma realidade nova? Se Deus existe, não poderá Ele criar uma dimensão nova da realidade humana? Da realidade em geral? No fundo, não viverá a criação na expectativa dessa última e mais elevada «mutação», desse salto qualitativo definitivo? Não aguardará porventura a unificação do finito com o infinito, a unificação entre o homem e Deus, a superação da morte?”[18].
Após esta ida, poderemos dizê-lo, ao pátio dos gentios, Bento XVI reforça,
digamos, em contexto (mais) endógeno, na Igreja, que a ressurreição, para os
discípulos, foi tão real como a cruz: ela “pressupõe
que eles tenham sido simplesmente conquistados pela realidade, que, depois de
toda a hesitação e a maravilha inicial, já não tenham podido opor-se à
realidade: é verdadeiramente Ele. Ele vive e falou-nos, concedeu-nos tocá-l’O,
embora já não pertença ao mundo das coisas que normalmente se podem tocar. O
paradoxo era indescritível: que Ele fosse totalmente diverso – não um cadáver
reanimado, mas alguém que, por virtude de Deus, vivia de modo novo e para
sempre – e que ao mesmo tempo, enquanto tal, ou seja, já não pertencendo ao
nosso mundo, estivesse presente de modo real, Ele mesmo, com a sua plena
identidade. Tratava-se de uma experiência absolutamente única, que ultrapassava
os horizontes habituais da experiência e, no entanto, para os discípulos, era
totalmente incontestável”[19].
Parece-nos especialmente oportuna a abordagem de
Olegário Gonzalez Cardedal, na sua Cristologia,
à apropriação histórica de Jesus Cristo, na medida em que, mesmo em face das
notas dos historiadores, em nosso entender alarga e complexifica o discurso a
este propósito. Começando por notar o hiato (temporal) existente entre o fim da
vida de Jesus e o começo da fé no Ressuscitado; registando a esperança de
Israel, como recaindo sobre a ressurreição universal (e não a ressurreição de
um indivíduo); constatando que Paulo recolheu – 3 ou 6 anos depois da morte de
Cristo – uma confissão que é a mais antiga que possuímos (1, Cor, 15, 3-8),
articula os três factos que fundam a fé: Cristo morreu, ressuscitou e apareceu.
Ora, e isto é primordial apreender, aos factos junta-se o sentido: “os factos
por si só são insignificantes”.
Debruçado, de imediato, sobre os textos neotestamentários
que se referem às aparições do ressuscitado/cristofanias, e às discrepâncias
que neles podemos encontrar, sublinha que “no essencial, nelas tudo é comum e
concorde (Jesus vivo, manifestação como encontro, identidade e diferença com a
sua anterior forma de existência”[20]: no
acidental é que há claras diferenças (lugares, horas, palavras). Ora, tal
variedade/variação, dentro da unidade, é a melhor garantia da veracidade (dos
relatos das aparições). Em conclusão
e regressando, assim, à nossa asserção inicial – ponto de partida do presente
trabalho – “esta constelação de relatos, difíceis de harmonizar entre si,
apresentam de forma caleidoscópica a realidade do ressuscitado”[21].
O modo como reagiram os apóstolos às
revelações é, igualmente, captado de forma subtil por Cardedal, na medida em
que não se reduz a um paradigma cientifiscista na encruzilhada do testemunho
por estes oferecido: “quem recebeu as
aparições-autorrevelações de Jesus não procurou demonstrá-las, nem tratou de as
reviver, mas apenas testemunha-las (…) há
um sair de si próprios para a realidade percepcionada e [para] a missão
recebida com tal realismo e verdade que lhes teria parecido insensata a
pergunta sobre se o que estava por detrás [dos seus testemunhos] não eram
alucinações, visões ou simples sonhos”[22].
Um dos pontos que vale a pena assinalar, a nosso ver, como distintivos de problematizações (diversas), em âmbito teológico, do acontecimento ressurreição prende-se com um ponto enfatizado por Cardedal: “os textos [dos apóstolos] distinguem claramente a situação dos primeiros destinatários das aparições, e de todos os crentes posteriores. O testemunho daqueles aos quais o Senhor se manifestou abre-nos o acesso ao ressuscitado”[23]. Se Ratzinger/Bento XVI, sempre atento ao murmúrio da pessoa concreta, em nossa época, daí retira as devidas consequências em uma pergunta que não cala –
“Porque
é que Te mostraste apenas a um pequeno grupo de discípulos, em cujo testemunho
temos agora de nos fiar? A pergunta, porém, diz respeito não só à ressurreição,
mas também a todo o modo como Deus Se revela ao mundo. Porquê só a Abraão e
porque não aos poderosos do mundo? Porquê só a Israel e não, de modo
indiscutível, a todos os povos da Terra? É próprio do mistério de Deus agir
deste modo suave. Só pouco a pouco é que Ele constrói na grande história da
humanidade a sua história. Padece e morre e, como Ressuscitado, quer chegar à
humanidade apenas através da fé dos seus, aos quais Se manifesta. Sem cessar,
Ele bate suavemente às portas dos nossos corações e, se lhas abrirmos,
lentamente vai-nos tornando capazes de «ver» -, já Franco Brambilla, em El crucificado resucitado[24],
coloca-nos, par a par, com os discípulos com quem Jesus se encontrou
ressuscitado, sugere que façamos o mesmo itinerário (mental/afectivo) dos
apóstolos, diz-nos mesmo que estamos em melhor posição para um encontro (completo) com o Cristo Ressuscitado,
face aos discípulos, pois conhecemos toda
a história (que aqueles desconhecem até descobrirem quem é O que se lhes dá a
ver). Tal como os discípulos de Emaús, também nós nos devemos “pôr a caminho”;
podemos ir pela “tarde” – talvez significando “tarde”, aqui, um momento de
maturidade do dia para recebermos, devidamente, Jesus Cristo -, enfim, somos
confrontados com uma tal profusão de formas e fórmulas de tipo
metafórico-poético, na elaboração de Brambilla, na qual as aparições ficam, não
raramente, na sombra – como que não suficientemente valorizadas -, que todo o encontro inicial – dos discípulos, com
Cristo, a partir do qual também nós cremos na ressurreição – não pode deixar de
ser radicalmente repensado. Dito de outro modo, a partir da leitura dos escritos de Brambilla não deixamos de (nos) questionar(mos) se aquilo que se sugere (não) é
uma operação de inteligir a
realidade, por parte dos discípulos, que perante a morte de Jesus, relendo as
suas palavras e a Escritura (A.T.), e olhando a tumba vazia, perceberam que
Jesus era o Cristo e havia ressuscitado – e se, para nos darem conta de tal
realidade/intuição, (não) usaram um conjunto de narrativas, mais ou menos
poéticas.
Vale, sobretudo, confrontar as páginas de Brambilla com as de Ratzinger. Para este último,
“a ressurreição é um acontecimento dentro da história, que, todavia, rompe o âmbito da história e o ultrapassa (…) A ressurreição descerra o espaço novo que abre a história para além de si mesma e cria o definitivo (…) Ao mesmo tempo, porém, é preciso não esquecer que ela não está simplesmente fora ou acima da história. Como erupção para fora da história e para além dela, a ressurreição tem contudo o seu início na própria história e até certo ponto pertence-lhe. Talvez se pudesse exprimir tudo isto assim: a ressurreição de Jesus ultrapassa a história, mas deixou o seu rasto na história. Por isso pode ser atestada por testemunhas como um acontecimento de uma qualidade completamente nova”[25].
Mais, como sabemos, relativamente a um dos encontros pós-pascais com os discípulos, Jesus é descrito a cear com estes. Ratzinger não descura os pormenores de tais reuniões:
“a palavra escolhida por Lucas é synalizómenos. Traduzida literalmente, significa “comendo sal com eles”. Seguramente que Lucas escolheu esta palavra depois de considerar os factos. Que conteúdo exprime? No A.T., comer em comum pão e sal, ou mesmo só sal, serve para selar alianças sólidas (…) O sal é considerado um garante de durabilidade. É remédio contra a putrefacção, contra a corrupção, que faz parte da natureza da morte. Qualquer ingestão de alimento é um combate contra a morte, um modo de conservar a vida. O “comer sal” por parte de Jesus depois da ressurreição, que deste modo vemos como sinal da vida nova e permanente, remete para a nova refeição do Ressuscitado com os seus. É um acontecimento de aliança e por isso em íntima conexão com a Última Ceia, na qual o Senhor instituiu a Nova Aliança”[26].
Temos, desta forma, uma clara diferença, ou
nuance, de perspectiva entre o (autor) que procura tornar acessível, agora, o
itinerário mental/afectivo dos discípulos até ao Ressuscitado, para que façamos
igual caminho (e em esse mister se centra), não possuindo, em tal contexto, um
excesso de importância as aparições no
que estas possuam de um núcleo que supere o subjectivo – e seu conteúdo minucioso –, e aquele (outro
autor) que se posiciona, rumo a esse sempre renovado encontro, como devendo
estar claramente ancorado em um momento original
mediador da ressurreição, em que as aparições contam de sobremaneira em todo o
seu detalhe (que contempla, por exemplo, um elemento como a luz), pelo que o
escrutínio do que nelas é narrado se torna essencial.
As perguntas de Adolph Gesché, em JesuCristo, adquirem, a nosso ver, balizados posicionamentos não rigorosamente idênticos, uma extraordinária pertinência. A que é que nos referimos, afinal, com ressurreição?
“O que é que ocorreu? Os apóstolos (…) aplicando-se a um trabalho de ‘reflexão’, de releitura dos anos passados com Jesus, chegaram à convicção de que por cima do fracasso da morte de Jesus, a experiência que haviam levado a cabo (…) a intenção, as palavras e a obra de Jesus deviam ser continuadas. Definitivamente, tratou-se de um processo intelectual. Ou antes – seja qual for a forma como se apresente – foram eles sujeitos de uma ‘revelação interior’, como Abraão ou Moisés o foram no seu tempo, que se lhes impôs para os esclarecer do verdadeiro sentido de tudo o que se tinha passado na morte de Jesus, isto é, a inauguração de uma nova promessa de salvação? Em última instância, tratar-se-ia de um processo espiritual? Ou tratou-se, definitivamente, de um ‘acontecimento’, seja ele qual for, que lhes desvelou o novo destino de Jesus e que a partir desse momento eles deviam anunciar? Um facto histórico e, em certo sentido, exteriormente perceptível. Foi um trabalho de reflexão? Uma obra de revelação? Desprendida de um acontecimento? (…). Com ela [ressurreição] do que é que se deu testemunho? De uma convicção interior (p.ex., de que a causa de Jesus não pode morrer, que continua, que não morreu com ele), convicção para a qual se teria construído um relato simbólico (…) destinado a expressar a fé da ressurreição em Jesus? Ou quis designar-se com a palavra ressurreição o sentido que se dava e se descobria na vida e morte de Cristo (a de uma vitória do amor sobre o poder da morte e do mal, abrindo-se, desde então, a uma compreensão completamente nova, a uma ressurreição do sentido da vida de Jesus)? Deu-se testemunho de um acontecimento autónomo e distinto, de contornos próprios e a que imediatamente se chamaria ressurreição?”[27]
8-Regressemos, agora, à questão da tumba vazia que, recordemo-lo, Gnilka diz ter sido interpretada erroneamente – como prova de ressurreição. Do mesmo modo, R. Brown afirma que “a tumba vazia jogou um papel pequeno na apologética do N.T (…) o mais provável é que desde o início se tenha aceitado a tese da tumba vazia e nem os judeus a rebateram”[28]. Em todo o caso, como sabemos, desde logo, por Mateus, acusações como a de que o corpo de Jesus Cristo dali havia sido retirado pelos cristãos, ou ainda, como também Brown refere, a ideia de que os cristãos incorporaram perspectivas pagãs e cultos mistéricos de deuses que morrem e ressuscitam (Atis, Adonis, Osiris, Dionisio), na contemplação do túmulo vazio, entre um variegado conjunto de teses, mais ou menos, extravagantes, estiveram presentes, desde bem cedo, na crítica ao cristianismo. Ora, também sobre este particular problema, o da tumba vazia, poderemos considerar diferentes registos, no panorama teológico. Cardedal, reconhecendo que a tumba vazia não é uma prova da ressurreição de Cristo, destaca como estamos perante um sinal (Gnilka basta-se em dizer que não é uma prova; há em Cardedal, portanto, face a Gnilka, neste âmbito, um plus). E o que significa um sinal? Este “nunca é uma prova automática da realidade para a qual orienta ou abre”[29] (mas, portanto, há, aqui, um signo que “orienta ou abre” para uma outra “realidade”); “os signos não se nos impõem com a violência da matéria e a lei da gravidade, senão como apelo à liberdade e como oferta de graça”: são revelação que convida e suscita a fé – só em forma de vida são percebidos os conteúdos e exigências da fé[30]. Só conheço a verdade quando ela devém em mim[31] – diz Kierkegaard. Walter Kasper questiona: “trata-se de relatos históricos, pelo menos com fundo histórico, ou são lendas que expressam a fé pascal em forma de narrações? Quer dizer, são os relatos pascais, sobretudo os referentes ao sepulcro, um produto da fé pascal ou a sua origem histórica? (…) Do ponto de vista histórico, ninguém pode dizer como ficou vazio o túmulo de Jesus [mas apenas que estava vazio]”[32]. Por sua vez, Ratzinger inverte a interrogação, que é retórica, para responder com contundência: se a tumba vazia não prova a ressurreição, sem que aquela – tumba – assim estivesse, a ressurreição não seria possível:
“É verdade que o sepulcro vazio, como tal, não pode demonstrar a ressurreição; mas temos a pergunta inversa: a ressurreição é conciliável com a permanência do corpo no sepulcro? Se Jesus jazia no sepulcro, poderia ter ressuscitado? Que tipo de ressurreição seria esta? Hoje desenvolveram-se concepções de ressurreição para as quais é irrelevante o destino do cadáver. Mas, em tal hipótese, também o sentido da ressurreição se torna tão vago que leva a interrogar-nos sobre que género de realidade teremos num tal cristianismo (…) o sepulcro vazio (…) permanece porém um pressuposto necessário para a fé na ressurreição, uma vez que esta se refere precisamente ao corpo e, por seu intermédio, à pessoa na sua totalidade”[33].
Mais do que um posicionamento restrito à
questão do túmulo vazio, Ratzinger como que repropõe a necessidade de uma
correcta hermenêutica do corpo (ressuscitado), o mesmo é dizer, de uma adequada
antropologia. Não estaremos, em verdade,
carentes de uma ulterior reflexão acerca da identidade que permanece –
simultaneamente idêntica e diversa – após a ressurreição? Não estará muito
apegada, a comunidade crente, a uma ideia de permanência de uma alma
(desencarnada)? Como situar a ideia de perenidade do corpo requerendo, neste, a
preservação do cadáver? Quer dizer, Ratzinger, no passo vindo de citar,
refere-se, exclusivamente, à permanência do corpo – já não presente no túmulo –
de Jesus, ou de todos os corpos a participar na ressurreição? Num registo de
divulgação, Ratzinger, em entrevista, a Peter Seewald, em Deus e o mundo[34],
dizia de si mesmo, em jeito de graça, que ainda era antiquado e recusava a
(sua) cremação (ainda proibida na Igreja até há algumas décadas). Este enfoque,
hodierno, na premência da permanência do cadáver não levantará muitas questões
quanto à perenidade da identidade pessoal na ressurreição? Não faltará fazer
aqui um trabalho mais aturado de esclarecimento do que se pretende dizer quando se afirma que no cristianismo não se dá a
cisão de corpo e alma, antes a sua perspectiva antropológica contempla um ser
uni-dual – que supera o dualismo grego -, compatibilizando, esta mundividência,
o desaparecimento do cadáver pessoal (de tantos, em todo o mundo) com a
perenidade de cada um?
Ao falar em “corporeidades sucessivas”
Olegário Cardedal parece capaz de conjugar o essencial presente em Ratzinger –
a não cindibilidade corpo/alma e a perenidade da identidade pessoal – e dar-nos,
porventura, um pouco de luz relativamente a tal ‘futuro’.
De resto, este teólogo não deixa de convocar,
aqui, Karl Rahner, citando-o, para nos fazer, de novo, interrogar a
perplexidade do que neste âmbito se vislumbra: “Teórica e historicamente é um facto singular (…) que apenas de Jesus se tenha afirmado em
sentido real somático, e não figurado ou espiritual, que ressuscitou”[35].
Sintetizando, diremos, com Cardedal, que da ressurreição podemos ter
uma visão biologicista (a
ressurreição de Cristo seria como a da filha de Jairo); uma visão desmistificadora (Jesus ressuscitaria só
como alma) e uma compreensão teológica
(a ressurreição foi acção de Deus sobre a pessoa inteira de Jesus).
Na tal abordagem complexa a que nos havíamos referido, e por isso especialmente útil, deste autor, (mesmo) no campo puramente antropológico indicar-nos-á como portas de acesso à ressurreição a esperança (que vai alimentando a vida de todos), o amor (amar o outro significa dizer-lhe “Tu não morrerás” (G.Marcel) e, portanto, é uma antecipação do destino último do Homem (ressurreição), a justiça – pois que todos intuímos que a justiça plena não habita neste mundo, e daí a pergunta se esta é a última palavra sobre a história (“vão prevalecer os criminosos sobre os inocentes e os carrascos sobre as vítimas? Todas as utopias (…) estão ameaçadas na sua raíz por isto: a hipotética sociedade sem classes do futuro não dá razão nem redime as vítimas anteriores (…) A justiça há-de abarcar também os mortos, a todos, os conhecidos e desconhecidos”[36]). De resto, “[J.B.] Metz sublinhou o significado antropológico da memoria passionis et ressurrectionis Christi. Esta memória tem uma imensa força crítica frente a todo o poder cego e totalitário”[37]. Se estas intuições orientam a razão para a fé, adverte o teólogo, obviamente, no entanto, não a podem produzir.
9. Outro ponto crucial, em nosso entender, face
às leituras feitas a propósito deste trabalho prende-se com a apropriação
linguística da ressurreição. Na obra de Olegário Gonzalez de Cardedal, Cristologia, começa por ser feita a
pedagogia da boa hermenêutica dos Evangelhos (e sua natureza): “os textos foram lidos como história
positiva, quando se trata de textos confessantes nos quais o que é dito e o
dizer, a realidade enunciada e a pessoa enunciante, não são cindíveis”[38]. Quer
isto dizer, que não há ressurreição sem
testemunhos e que só podemos aceder ao ressuscitado através do testemunho, importando, pois, proceder à interpretação
do testemunho. Isto implica, da mesma maneira, compreender que “a fé não é produto, coisa ou fármaco que se
toma de fora, exterior à pessoa, mas tem de nascer do livre exercitamento da
vida”[39].
Significa, pois, tal afirmação, que Cristo
ressuscitado “não é cognoscível pela
inteligência humana [actuando] só; a
novidade da sua realidade glorificada excede a nossa capacidade perceptiva,
porque pertence à ordem escatológica. A fé conaturaliza-nos para podermos
pensar e sentir na mesma ordem em que Jesus existe. Deus deu a outros [a
possibilidade de] ver a Jesus e continua a dar-nos a acreditar (…) Crer em Cristo é sempre fruto da revelação
e da graça”[40]. A fé
que, diga-se, dará lugar a uma linguagem muito própria, não transponível para
outros campos do saber, afirmará Cardedal. Um postulado que, como veremos, é
susceptível de discussão.
A linguagem da ressurreição – glória ou glorificação, exaltação, vivificação, Jesus Kyrios, constituição em
Filho de Deus, justificação – é
performativa. Ora, e esta será uma perspectiva a reter como contraponto ao que
a seguir aduziremos, “só no ‘jogo de linguagem’ que é a vida total da Igreja,
têm pleno sentido tais expressões (…) Em outro ‘jogo de linguagem’ (científico,
técnico, inclusivamente filosófico, pragmático) todas estas expressões teriam
outro sentido. Não é que não fossem
reais, mas careciam do âmbito de ressonância e acreditação [credibilidade]
necessário para que elas mostrem a sua verdade e nós a descubramos”[41].
Sem, necessariamente, aderir, nos seus exactos termos, a tal entendimento, verificamos que, hoje por hoje, a ideia de urgência de re-substancialização da linguagem, da sua tradução de modo que diga e toque o quotidiano do humano, no séc.XXI, está bem patente no seio da Igreja[42].
10- Adolph Gesché lega-nos um extraordinário labor no que ao acontecimento linguístico que a ressurreição também é diz respeito. Urge, nesta exegese, colocar a palavra no seu sitz im sprache: as palavras expressam o facto e definem o seu significado; a ressurreição é, pois, também, um “acontecimento de palavra”[43]. Bultmann – que na história da investigação sobre Jesus Cristo corresponde aos antípodas de Reimarus, fixando-se no significado de Jesus Cristo e nas consequências que esse significado teve/tem, para lá/independentemente/autonomamente do que o registo histórico-crítico dite sobre ele (pois não conseguimos fechar o hiato entre os primeiros anúncios e a vida de Jesus; o que queremos perceber é o “que” e o “como” Cristo nos “afectou”[44]) – é trazido à liça:
“Conhecemos a maneira como se resumiu o
pensamento de Bultmann: “Jesus
ressuscitou no Kerigma”, na mensagem. A fórmula é excessiva se com ela a
ressurreição é subtraída a qualquer outro lugar da realidade e de verdade que
não seja o da proclamação e o da adesão existencial. Mas a fórmula é exacta ao
dizer que a ressurreição de Jesus não é completamente ela própria e só entra
verdadeiramente na história quando é comunicada no testemunho e
responsabilidade da palavra. Como escreve C. Geffré, ‘um acontecimento que não
está recolhido numa tradição de linguagem e, portanto, numa sucessão de
testemunhos, converte-se rapidamente num acontecimento insignificante e
inclusivamente deixa de ser um evento histórico”[45].
Sobre este ponto concreto, W. Kasper
acrescenta: “Karl Barth formulou a ideia
de Bultmann dizendo que Jesus ressuscitou no Kerigma. Ao que Bultmann responde:
‘Aceito a frase. É totalmente correcta, desde que seja bem entendida. Pressupõe
que o próprio Kerigma é acontecimento escatológico; diz que Jesus está
verdadeiramente presente no Kerigma, que é sua a palavra que chega ao ouvinte
no Kerigma, O sentido da fé pascal é acreditar no Cristo presente no kerigma’
(…) Parece que para Bultmann, na Páscoa,
não ocorre praticamente nada com Jesus Cristo, mas antes com os discípulos”[46].
Entrámos, pois, no interior da linguagem. O
que significa, então, ressurreição? Para buscar resposta a tal questão, com
vista a perscrutarmos a realidade que está subjacente a este signo linguístico,
faz sentido observar outros vocábulos utilizados pela primeira geração cristã
(para designar tal realidade): anastasis,
anistanai, egeiro. Um dos primeiros vocábulos para se referir a esta
realidade, pela dita geração, foi “doxa” (e o verbo “doxazein”). Encontramo-lo
em S.João. Doxa traduz kabod do A.T., que quer dizer glória da
essência divina – significa que Jesus está associado ao Pai que o faz
participante da sua glória eterna e divina. Outros termos são hispo-o, hypsosthai e hyperhypsoo
– significa Deus exaltou-o. Jesus encontra-se elevado após a humilhação e a
morte de cruz. Há, até, exegetas que entendem que o termo exaltação concorre com ressurreição,
precede-o (cronologicamente) nas Escrituras e poderia ser hoje aquele que
utilizaríamos (em vez de ressurreição). Outras expressões: ho zoon: o vivente; apethanen
kai ergesen: ele morreu e agora está vivo; zoe: vida. Nos textos originais gregos ressurreição e ressuscitar
aparecem-nos através do substantivo anastasis
e o verbo anistanai; e pelo verbo egeiro; o termo mais frequente e
provavelmente mais antigo é egeiro
(aparece 35 vezes) e traduz-se, no latim, por resurgere, de onde provem a palavra ressurreição.
Feito, por A. Gesché, este trabalho etimológico e filológico, sentencia o autor: todo este vocabulário mostra a flexibilidade e a liberdade a ele inerente. Ao que acrescenta: sendo esta uma realidade praticamente irrepresentável e inexplicável em termos próprios e conceptuais, é transportada (meta-pherein, trans-fere) a outro registo, metafórico, para expressar ressurreição (como, p.ex., despertar). E aqui nos adentramos ao sabor e ao saber da metáfora, tantas vezes mal compreendida:
“A metáfora não é um abandono da realidade percebida, mas uma tentativa de sublinhar o sentido e de orientar o nosso olhar (…) a metáfora é verdadeiro meio de conhecimento (…) «desvio criador», como diz Ricoeur de maneira magnífica, a metáfora não ignora a «dimensão referencial» que implica (aponta, claramente, para uma realidade fora de si mesma), não é «figura de adorno retórico ou de curiosidade linguística», é «a ilustração mais explosiva do poder que tem a linguagem de criar sentido mediante aproximações inéditas, a favor das quais surge de repente uma adequação semântica das ruínas de uma pertinência prévia». Por isso se fala de «metáfora viva». Há na metafísica algo como uma «insolência semântica», resultante da necessidade imperiosa, ante uma coisa nova e insólita, de encontrar «a palavra para a dizer» e o qual, ao mesmo tempo, indica esta novidade e serve-se de um fundo de imagens disponível”[47].
Outra palavra pela qual se traduz ressurreição e ressuscitar é anastasis e
anistanai, “levantar-se”, “pôr-se de
pé”, pôr-se direito”. Com a observação destes vocábulos facilmente se percebe,
diz-nos o teólogo, que a realidade ressurreição – que poderemos, portanto, ter
por “acto de Deus, transcendente, passo
de Jesus ao Pai” – seria imperceptível com uma leitura demasiado rápida e
exclusivamente material. Independentemente
do que se tenha passado com os apóstolos temos, pois, a certeza de que não se
trata de um facto simplesmente empírico; Gesché precisa que a ressurreição não é um facto histórico no sentido
de ser perceptível por todos (universalmente). Inversamente, diríamos, Raymond
Brown prefere destacar que nos relatos dos apóstolos “não estamos perante um
enfoque puramente simbólico da Ressurreição”[48].
Dois lados de uma mesma moeda que nos desafiam enquanto leitores no/do século
em que nos movemos: será, nos nossos
dias, mais necessário enfatizar que nos relatos sobre a ressurreição, feitos
pelos apóstolos, não estamos perante aquilo a que chamaríamos facto empírico,
embora real – que uma leitura literalista e ingénua tenderá a promover: desde
logo, como compatibilizar uma leitura de tipo biologicista com as narrações das
aparições do ressuscitado que nos indicam que Ele não foi imediatamente
reconhecido pelos seus?; reconhecimento que se produziu lentamente e exigiu dos
apóstolos todo um trabalho de interpretação do alcance do que estavam a viver
-, ou sublinhar, face a uma (pobre) razão cínica que não se trata de um puro
jogo, de fantasia e imaginação, apologético e exclusivamente simbólico no que
com este vocábulo se pretende transmitir enquanto irreal – como poderá ser lido
por uma mentalidade imanentemente e iminentemente racionalista?
Walter Kasper rejeita, por seu turno, qualquer
referência outra para falar da absoluta novidade: a ressurreição “não se pode explicar nem por relação nem
por analogia com o resto da realidade”[49].
Raymond Brown convoca Pannenberg, em Did Jesus really rise from dead?, para dizer que simbólica não é a ressurreição mas apenas o vocábulo – ressurreição – a que se recorre para a exprimir:
“Alguma coisa se passou para que os discípulos nestas aparições se deparassem com uma realidade que na nossa língua tão pouco se pode explicar para lá de um registo simbólico e metafórico da esperança para além da morte; a ressurreição de entre os mortos. Entenda-se correctamente, por favor: apenas o nome que damos a este acontecimento é simbólico, metafórico, não a realidade do acontecimento em si. O acontecimento em si é tão absolutamente único que não temos outra forma de o nomear para lá de uma expressão metafórica da espera apocalíptica. Neste sentido, a ressurreição é um acontecimento histórico, um acontecimento que realmente teve lugar naquele tempo”[50].
Em suma, podemos dizer que se nos afigura de grande sobriedade e razoabilidade a conclusão de Brown: “há que deixar aos teólogos a tarefa de avaliar o que é analógico e o que é literal nos conceitos gerais de “vida depois da morte” e da ressurreição de um corpo”[51].
Por outro lado, assinala o autor de Jesucristo, falamos de aparições, mas nos relatos que dispomos
dos discípulos não aparece nenhum
substantivo desse tipo ou de outro. Os verbos utilizados são phainesthai, phanerothenai, e phanero
que podem traduzir-se por aparecer, aparecer-se, ou melhor «ser manifestado, manifestar-se[52]. No caso
da ressurreição, algo que importa sublinhar a traço grosso, o vocábulo ephanerothe (aparece) é substituído frequentemente por ophthe (Deus o manifestou).
A presença do vocábulo phobos, que aparece em várias passagens do A.T. e N.T. serve, em toda a Escritura, para constituir um sinal avisando-nos da presença de uma revelação divina[53].
“Platão fazia do estremecimento (phobos, deima) o primeiro presente da beleza, quer dizer, desta aparição repentina e improvisada, que uma pessoa não espera e que constitui uma revelação (…) em toda a revelação o acesso ao conhecimento dá-se, à vez, à acção de velar e desvelar, apo-kalypsis, a-letheia. Para os gregos, phobos designava um movimento de retrocesso que provoca primeiro ganas de fugir (…) mas de seguida convida a pessoa a recuperar-se e a fazer perguntas”[54].
Gesché prossegue na dilucidação deste vocábulo considerado essencial para compreendermos esse encontro cujas pegadas vimos procurando seguir:
“Phobos expressa também este pudor (aidos), esta espécie de imobilidade de
quem permanece à espera ou foi surpreendido por alguma coisa (…) Com a beleza «que nos cai em cima», o
estupor primeiro converte-se em chamada. Esta chamada faz-nos descobrir, «como
que despertando-nos de um sonho», que um «excesso» com relação aos nossos
costumes se nos faz presente e nos desequilibra (…) Em nenhum sítio se diz que a ressurreição aparece de repente como uma
revelação de evidência. Para acolher o que aí se contém faz falta dispor do
tempo «do escrúpulo e da perplexidade», como diz Schleiermacher a propósito do
fenómeno religioso. Gostaríamos aqui
de falar, como Derrida, de pudor, de paragem, de suspensão, de tacto, desta epokhe que sabe esperar e por entre
parêntesis os preconceitos que impedem o advento da novidade, de uma revelação.
Gostaríamos de falar, com Levinas, de
intervalo da descrição (…). Com M.Marleau-Ponty, dessa chamada que se
encontra «nesse logos que se pronuncia silenciosamente em cada coisa sensível».
Com Thomas Mann, sobre esse «respeito interrogador», esse estremecimento, esse
‘voltar’ para trás, que dá tempo à interrogação e à interpretação. Com a
tradição judia, na qual o termo ‘mahouf’ designa a essência do homem como
«essência de questionamento”. O estremecimento é o signo precursor, o anúncio,
o pressentimento de um acontecimento que nos vem de fora de nós mesmos (…) Como
diz da pintura, no séc.XVII, Roger de Piles no seu Cours de peinture par príncipes “a verdadeira pintura é a que nos
chama surpreendendo-nos; não podemos deixar de nos aproximar, como se tivesse
algo a dizer-nos”[55].
Será, todavia, em um outro passo que Gesché, como que em declinação confiante e optimista, nos confronta com a plausibilidade/importância/uso da linguagem utilizada na Igreja e, na qual, pelos vistos, (erradamente) descremos (como susceptível de criar pontes e laços com os que não pertencem à mesma comunidade crente em que nos filiamos). É como que se Gesché, assim, confrontasse (objectivamente) o postulado assumido por Cardedal quanto aos jogos de linguagem, incomensuráveis (?) entre si:
“A palavra ‘revelação’ não foi desterrada do vocabulário actual. Num estudo intitulado precisamente ‘Acontecimento e revelação’ (…) a psicanalista Julia Kristeva tem expressões muito fortes. A partir do exemplo do menino, cuja vinda ao mundo (aparição) se apresenta à vez como uma revelação, posto que ele se abre a uma novidade imprevisível e como um acontecimento, «um feliz acontecimento», Julia Kristeva observa que aí nos encontramos em uma encruzilhada. Essa encruzilhada é o menino, no qual se encontra roto o enclausuramento [deste] dentro de si próprio, e [este] se transforma em abertura, em um “de dentro para fora”. Que o menino seja uma revelação «há que entendê-lo no sentido que a metafísica selou na etimologia das palavras. Revelatio traduz apokalipsis, descobrimento, colocação a nu de uma verdade, anúncio explosivo». A palavra «revelação» assinala uma realidade completamente específica: não se trata nem de «desvelamento filosófico» [aletheia], nem de sabedoria, sophia, duas aproximações no fundo imanentes e que vêm de nós próprios, mas antes uma «irupção íntima de uma representação que me coloca em perigo, mas que eu faria melhor em afrontar pensando no futuro. Revelação e descobrimento. Temos “criação”, “salto a um nível de complexidade superior”, que se produz graças a um «trauma» (em grego: ferida, golpe), dom de uma nova lógica. Neste sentido, um acontecimento de revelação é uma situação em que «o sujeito deixa de repetir» e isto «graças à assistência de um terceiro» (…) «Teremos alteridade e identidade, longe de todo o extrinsesismo e de todo o intrinsecismo (…) O trauma (…) converte-se assim [diz Kristeva] em ‘dom de uma nova lógica’ e faz com que o ‘encerramento narcísico’ [se] solte, pela pressão, desta perturbação (…) [dando-se, pois] uma ‘hemorragia narcísica’ que nos afasta do nosso ‘a solo’ (o monos pros monom de Plotino)”[56].
Além de Kristeva, também J.Ladriére, M.Henry, P.Ricoeur, Levinas, H. Arendt ou W. Benjamin “encaminham-nos hoje para uma tomada de consideração dessa velha palavra ‘revelação’, de tanta carga teológica, que parece ter perdido toda a credibilidade. É como se se tivesse recuperado a ideia de um princípio de irupção. Aportações estas de um extraordinário interesse, pois descobrem na revelação não uma simples inspiração interior, mas um acontecimento, uma «exterioridade». Longe de toda a totalidade fechada, uma brecha, uma visitação do in-finito (Levinas) (…) Uma revelação é um acontecimento. Eu des-cubro isso que, ao mesmo tempo, ‘se me oferece’”[57].
Considerações, estas, produzidas sobre um forte lastro antropológico:
“O homem não é unicamente zoon logikon, que encontra em si mesmo todos os seus recursos, ou zoon politikon, que encontra o seu caminho na sociedade; ou zoon poetikon, que encontra o seu sentido na acção; é também zoon pathetikon, um ser que recebe, e que recebe desde fora, requerido por uma transcendência (a dos outros e a do outro, a dos eventos que acontecem). Há uma «receptividade», uma «passividade», que definem o homem tão acertadamente como a actividade e o pensamento (…) Julia Kristeva ousa utilizar a expressão “passividade subjugada”. Ricoeur fala magnificamente de “emoção significante” na origem de qualquer acção. Pascal manifesta que toda a organização abstracta de ideias não é mais do que ‘segundo movimento’, não é mais que uma toma tardia, que sempre supõe uma toma mais original, a qual nasce e renasce de uma «emoção significante». Claude Levi Strauss expressa-se quase da mesma forma quando fala de «emoção punzante». Françoise Proust na sua releitura de Kant estima que o filósofo das Luzes encontra o fundamento de uma ‘patética transcendental’”[58].
A este acervo de referências, Gesché
adicionará a leitura da revelação não como o que fala do ‘escondido’, mas o que
diz do ‘escondido no visível’, sendo que ‘revelação’ não faz referência a uma
linguagem mítica, mas fenomenológica; cada acontecimento oculta em si algo
revelável que aspira a ser revelado[59].
Para concluir a apresentação dos traços que
cremos essenciais na elaboração de A. Gesché, afirmemos, com o autor, que “a
vitória de Jesus sobre a morte não é uma simples vitória sobre a morte
biológica; antes – se nos é permitida a expressão – sobre a morte zoe-lógica,
sobre a morte que faz perder a vida”; a vitória de Jesus é contra a morte e não contra uma morte[60].
11-A
ressurreição é a prolepse do fim e com ele a chave da intelecção da história
universal (Pannenberg); realidade
complexa, no limite da possibilidade de descrição, o absolutamente novo, o
inaudito no mundo que deixou rasto e lastro (sendo actual e actuante, dada
a presença do Jesus Cristo “vivente”, em nós): fundou fé e comunidades que assentaram no rochoso testemunho dos que
dela deram “prova de credibilidade existencial” (W. Kasper); nos que aceitaram perecer para narrar que a
morte havia sido destruída – o que intuíramos na certeza da sobrevivência do
amado/da amada, na clarividência de que a verdadeira justiça não é deste mundo,
mas de uma outra forma de existência, lá onde os justos não se sentarão à mesma
mesa que os verdugos – a garantia, para a qual o histórico-crítico nos basta,
de que fraude ou logro não houve: “as aparições foram um facto” (Sanders), “as provas da ressurreição corporal de
Jesus são sólidas” (R. Brown); ela é
actuação de Deus em Jesus no seu passo para o Pai, glória, “forma suprema de
aproximação de Deus ao mundo, porque é a forma suprema de integração de um troço de mundo á sua própria vida. O Jesus
ressuscitado é a assunção de uma humanidade por [pate de] Deus, resgatando-a
definitivamente do poder da morte. É a irupção definitiva de Deus no mundo,
levando à sua máxima realização a criação e a encarnação” (Cardedal); só a fé,
contudo, no que esta tem de assentimento intelectivo-afectivo, evidência
simbólica (Sequeri) nos co-naturaliza com a ressurreição, dando, de resto,
origem a uma multiplicidade de expressões vocabulares que julgamos, em muitos
casos, não audíveis foram dos nossos adros, absolutamente incomunicáveis na sua
máxima extensão (Cardedal); e, no entanto, trabalhos como os de Julia Kristeva
provam a verdade, a radicalidade, a densidade de sentido que palavras
cultivadas, cultuadas, buriladas a partir do religioso e que ecoam, com
ressonância magnética, no humano que não sucumbe ao preconceito (A. Gesché);
nem assim, todavia, poderemos abalar-nos a um registo triunfalista: a tradução,
para o tempo presente, do acontecimento ressurreição não se afigura, na
verdade, demasiado fácil, pelo que a tensão entre a metáfora, o tom subjectivo
ou o acentuar da dimensão supra-subjectiva de um encontro abrasivo se encontra,
nas diferentes correntes que a teologia pode percorrer, com nuances que
sublinham a flexibilidade, a tensão, a liberdade que o cristianismo é (e que
implica, também, compreender, verdadeiramente, tudo o que se pretende dizer
quando se diz metáfora ou símbolo). Em realidade, não se trata,
simplesmente, de diversas leituras teológicas, mas de recepções diversas do
mundo circundante e das mais adequadas formas de com ele conversar. Sem que, em
nenhum caso, se prejudique o essencial, a saber, prosseguir na senda do
testemunhado pelos apóstolos, reconhecendo na história – em cada visível – o
que os sinais permitem ler (ainda que se encontre escondido, em busca de uma
liberdade que aceite a graça), para nos encontrarmos num sentido que nela –
História –, desde sempre, e nas nossas concretas vidas, numa amizade (Tolentino
de Mendonça) que sabemos precisar dos seus tempos e do seu cultivo, com
felicidade, poderemos perscrutar.
Pedro Miranda
(publicado originalmente na “Cenáculo”, 2013)
[1]
M. BUBER, in Das problema des menschen, 5ª edição
corrigida. Heidelberg: Verlag Lambert Schneider, 1982, p.132, citado por Lothar
Stiehm no posfácio a M. BUBER, O eclipse
de Deus. Considerações sobre a relação entre religião e filosofia, Verus,
Campinas, 2003, p. 140.
[2]
Esta é uma realidade tão
premente hoje, como há dois mil anos, de tal sorte que após as encíclicas
acerca da Esperança (Spe Salvi) e da
Caridade (Deus caritas est), Bento
XVI publicará, em 2013, uma encíclica sobre a (Fé na) ressurreição, concluindo,
assim, o ciclo dedicado às virtudes teologais. Vide http://www.snpcultura.org/nova_enciclica_bento_xvi_sai_quaresma_morte_ressurreicao.html, consultado a 13/11/12.
[3]
Cf. J.P.MEIER, Un judío marginal – nueva visión del Jesus histórico, Tomo II/2, Los milagros, Navarra, 2010, p.188 e ss.
[4]
Cf. S.PIÉ-NINOT, La teología fundamental – ‘dar razón de la
esperança’, Secretariado trinitário, Salamanca, 1996, p. 340 e ss.
[5]
Ibidem, p.347.
[6]
E.P. SANDERS, A verdadeira história de Jesus, Notícias
Editorial, Cruz Quebrada, 2004, p. 344.
[7]
O. G. CARDEDAL, Cristologia, Biblioteca de autores
cristãos, Madrid, 2001, p.128. No mesmo sentido, J. RATZINGER/BENTO XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém
até à ressurreição, Principia, Cascais, 2011,p. 202: “Deste modo, a
ressurreição entrou no mundo somente através de algumas aparições misteriosas
aos escolhidos (…) E para as poucas
testemunhas (…) foi um acontecimento tão revolucionário e real, tão poderoso ao
manifestar-se-lhes, que toda a dúvida se desvaneceu, e elas, com uma coragem
absolutamente nova, apresentaram-se diante do mundo para testemunhar que Cristo
verdadeiramente ressuscitou”.
[8]
Ibidem, 345. Sobre o tema,
CARDEDAL é, igualmente, bem claro: “Sobre
esse fundo, em descontinuidade e em continuidade, à vez, com Jesus os relatos
da ressurreição têm todo o seu peso e credibilidade. Não se trata de textos
ingénuos e de afirmações sobre factos de outro mundo. Os sujeitos das aparições
não são alheios à realidade do dia-a-dia, presos por uma ilusão infantil ou
indignos de fé. A convergência de todos eles na sua diversidade, as constantes
no fundamental, o facto de ter transformado em personalidades decisivas no
futuro pessoas que careciam de pressupostos para semelhante destino, o
resultado final e persistente dessas suas afirmações, que permitiram a gerações
longínquas dos acontecimentos descobrir o Ressuscitado e aderir a Ele: tudo
isto obriga a reconhecer o valor dos testemunhos primeiros das aparições, que
dão origem à confissão de fé do Ressuscitado. A sua sobriedade, ingenuidade e
ausência de pretensões, não propondo [seus] argumentos como evidências
[histórico críticas, científicas, positivas] ou filosoficamente validáveis, e a
sua redução à ordem do testemunho convertem a sua fragilidade primeira em sinal
de maior força que, para lá dos próprios, nos remete para a realidade que
atestam”, o.c., p.135.
[9]
Ibidem, 346.
[10]
Ibidem, p.348. O. CARDEDAL
dirá que nos discípulos “não houve só meditação, mas convencimento; daí não
colher a explicação de D.F. Strauss com a sua explicação psicológica das
aparições, nem as que consideram fundamento suficiente para explicar a
ressurreição a influência e a recordação que os discípulos mantinham do Jesus
pré-pascal”, o.c., p.133.
[11]
Ibidem, p.349.
[12]
R.E.BROWN, Introducción a la cristologia del nuevo
testamento, Sígueme, Salamanca, 2001, p.182.
[13]
Cf. J. GNILKA, Jesus de Nazaré, Presença, Lisboa, 1999.
[14]
Ibidem, p. 303, nota 4 de
rodapé.
[15] O.G. CARDEDAL, o.c., p.131.
[16]
Ibidem, p. 149: “A
ressurreição deixa de ser um escândalo para os apóstolos e um facto exterior da
história passada, para se converter em princípio divino de sentido,
transformador também da vida dos apóstolos”. Por sua vez, J. RATZINGER/BENTO
XVI, em Jesus de Nazaré – da entrada em
Jerusalém até à ressurreição, Principia, Cascais, 2011, p.198, afirma: “Que
Jesus tenha existido só no passado
ou, pelo contrário, exista também no
presente depende da ressurreição”. Mais, até: “uma ressurreição para uma
condição definitiva e diferente no meio do mundo velho que continua a existir,
isso não estava previsto e, portanto, não era sequer compreensível”, p. 200.
[17] J. GNILKA, o.c., p. 303.
[18] J. RATZINGER/BENTO XVI, o.c.,
p. 202.
[19]
Ibidem, p.201.
[20]
O. CARDEDAL, o.c., 131.
[21]
Ibidem.
[22]
Ibidem.
[23]
Ibidem, p. 128.
[24]
Cf. F. BRAMBILLA, El crucificado resucitado, Sígueme, Salamanca, 2003, 311 e ss.
[25] J.RATZINGER/BENTO XVI, o.c.,
p.223.
[26]
Ibidem, 220.
[27]
A. GESCHÉ, Jesucristo, Sígueme, 2002, Salamanca, p.137-138.
[28] R.E.BROWN, o.c., p.183.
[29] O. CARDEDAL, o.c., p.132.
[30]
Ibidem, p.135.
[31]
S. KIERKEGAARD, Temor e Tremor, Guimarães editores,
Lisboa, 1990, Introdução, Alberto Ferreira, citando Kierkegaard, em O conceito de angústia. Na sua Cristologia, O. CARDEDAL dirá a este
propósito: “quem vive de acordo com o Evangelho tem a possibilidade de chegar a
uma experiência real do Cristo ressuscitado. Tal experiência nada tem a ver com
a experimentação científica, nem com a vivência psicológica, mas com o poder de
uma presença da qual o cristão, como dizia Stº. Agostinho, duvidaria menos de
que da sua própria existência”, p.154.
[32]
W. KASPER, Jesús, el Cristo, Sígueme, Salamanca,
2006, p.213-217.
[33] J. RATZINGER/BENTO XVI,
o.c., p.207-208.
[34]
Cf. P.SEEWALD e J. RATZINGER,
Deus e o mundo, Tenacitas, Coimbra,
2006.
[35] O. G. CARDEDAL, O.C., p.137.
[36]
Ibidem, p.157. Á pergunta
sobre se os carrascos prevalecerão sobre as vítimas, Bento XVI responderá, na
segunda encíclica (Spe Salvi) do seu
pontificado pela negativa: os justos “não se sentarão à mesma mesa” do que os
verdugos.
[37]
Ibidem, p.158.
[38]
Ibidem, p. 136.
[39]
Ibidem.
[40]
Ibidem, p.147.
[41]
Ibidem, p.141.
[42]
Vide, no mais recente Sínodo dos bispos para a nova
evangelização, quer no seu instrumentum
laboris, quer nas suas conclusões
finais, como estas preocupações se encontram elencadas. Cf.,
respectivamente, http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20120619_instrumentum-xiii_po.html, e http://www.vatican.va/news_services/press/sinodo/documents/bollettino_25_xiii-ordinaria-2012/04_spagnolo/b30_04.html, consultados a 11/11/12.
[43]
A. GESCHÉ, o.c., p.141.
[44] Cf. S.PIÉ-NINOT, p.341-343.
[45]
A. GESCHÉ, o.c., p.143.
[46] W. KASPER, o.c., p.223-224.
[47] A.GESCHÉ, o.c., p.148-150.
[48] R.E.BROWN, o.c., p.184.
[49] W. KASPER, o.c., p.218.
[50] A.GESCHÉ, o.c., p.185-186.
[51]
Ibidem, p.186.
[52]
Ibidem, p.157-158.
[53]
Ibidem, p.159.
[54]
Ibidem.
[55]
Ibidem, p.160-161.
[56]
Ibidem, p.162-164.
[57]
Ibidem, p.165.
[58]
Ibidem, p.165-166.
[59]
Ibidem, p.167.
[60] Ibidem, p.185-186.
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