VILAREALENSES PELO MUNDO: DO OFÍCIO DA CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Ah,
com esse talento (!) que desperdício não ir para Direito, já que fez
Humanidades…. Trilíngue, visitante do Scala e apreciadora de um bom canoli,
amante de Elena Ferrante, Murakami, Izaguro ou Saramago, cidadã do mundo,
futura diplomata, Sofia Lopes habituou-se a responder com a boa disposição de
quem está apaixonada pelo curso e pela vida à conservadora proposta de sentido único para os ditos bem-sucedidos que vêem de Letras no Secundário. É
interessantíssimo, regra geral, o que estuda em Ciência Política e Relações Internacionais, discute ao café entre
amig@s o que, ao mesmo tempo, é seu objecto de investigação (académica), e não
aguentaria, diariamente, cozinhar, passar, colocar a roupa na máquina, voltar
aos livros, artigos, apontamentos coligidos de manhã e de tarde na faculdade se
o que estudasse fosse um incomensurável aborrecimento (aos ombros). Na pesquisa
prévia à definitiva escolha pelo que cursar no Ensino Superior encontrou o
currículo que melhor casava com as suas demandas interiores. Depois de um
trimestre supimpa em Milão, onde o rigor e exigência escolares ficam bem aquém
da capital Lisboa – e que dizer da falta de proficiência na língua franca dos
nossos dias, o inglês claro está, pelos congéneres italianos? -, prosseguirá o Erasmus na cidade do (rico) Norte
italiano e regressará a Lisboa para conciliar a vida na Universidade com o
roteiro cultural que promete não falhar (depois da suspensão pandémica que,
contudo, não a retirou aos jardins da Gulbenkian).
Para já, aos colegas mais novos a caminho da Faculdade deixa um conselho bem
claro: escolham um curso de que gostem!
ENTREVISTA COM SOFIA LOPES, MESTRANDA DE CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
1.Itália
é vista, muitas vezes, como um laboratório político, em que fenómenos políticos
que mais tarde eclodirão em outras geografias ali emergem em primeiro lugar. No
entender de diferentes politólogos, Sílvio Berlusconi, com a política espectáculo, a posse de um império mediático, o empresário
permanentemente na ribalta pela sua ligação ao mundo do futebol ou a
visibilidade das suas festas privadas, terá sido, nas décadas mais recentes e
com um posição-chave no seu país, o primeiro líder populista de uma vaga que teve, durante a última meia dúzia de
anos, vários epígonos. Como isso é visto a partir de Milão, e como a Sofia viu
isso a partir de Milão?
Sofia
Lopes: Berlusconi é muito conhecido em Itália e é engraçado
que o filho dele tem muitas casas em Milão e uma vez, encontrando-me a passear com
as minhas amigas, deparamo-nos com uma casa dele, surgindo a oportunidade para
trazer esse tema à conversa. Então, a imagem que os italianos têm, pelo que
pude perceber, é o de uma magnata ligado ao futebol, com escândalos ligados ao
recurso à prostituição (para festas privadas), mas também a de alguém que
conseguiu que a Itália passasse a ter uma situação melhor, em termos económicos
(face á que possuía quando ele chegou ao poder). Berlusconi chega ao poder
depois de todos os escândalos de corrupção [na política italiana] nos anos 90,
com uma grande desilusão das pessoas, com estas a virarem-se para o candidato
“mais fácil”, aquele que parecia ir imediatamente melhorar as suas condições de
vida. Quer dizer, há esta visão de Berlusconi em Milão, mas Milão é uma espécie
de bolha, porque é uma das comunas
mais ricas, senão a mais rica, de Itália, com uma grande diferença para a
situação do sul do país. Em Portugal, temos muito a diferença Interior/Litoral;
aqui, em Itália, é a divisão Norte/Sul. Estar a viver, durante este trimestre,
na parte rica de Milão tem também sido uma “experiência” (de estudo): perceber,
nomeadamente, as pessoas que migraram do sul para aqui, no sentido de terem
oportunidades de emprego e de vida.
[Sentiu
no ar do tempo, em Itália, a vontade
de emancipação, mormente pelo Norte rico face ao sul?]
Senti mais uma não
identificação de pessoas oriundas do sul com o Norte. O que reparei é que há
uma espécie de noção implícita, entre as pessoas com quem convivi, naturais
daqui, que não há o país Itália. Ou
seja, existem regiões e as pessoas identificam-se com as regiões. Nunca senti
isso em Portugal: a pessoa pode ser transmontana, lisboeta, alentejana, mas há
o denominador comum Portugal. Não senti isso em Itália. Foi uma realidade,
neste sentido, chocante: a ideia de não pertencer a Itália, mas à Toscânia, à
Lombardia…Sim, sem dúvida que Itália pode ser considerada um laboratório
político em que se verificam tendências que ocorrerão, posteriormente, noutros
países: não apenas o populismo, como
a presença da extrema-direita no Governo, ou os particularismos regionais.
[Falou de autores que têm publicado sobre o fenómeno do populismo. Em
Portugal, têm saído vários ensaios sobre o tema, estou a lembrar-me dos de Jan
Werner Muller ou Cass Mude, por exemplo. Que autores, nesta dimensão temática,
nos aconselha?]
Por acaso, é curioso, Cass
Mude é um autor que tanto é considerado pela academia como pelo grande público
(o que nem sempre acontece; nós, aliás, estudamos, sobretudo, por artigos em revistas académicas). Faço
parte do grupo de estudos do meu curso e vamos ter um evento online em que ele é o convidado. Tem
feito um trabalho extraordinário sobre a ultradireita conservadora. Antes,
tivemos um outro evento com Piero Ignazi, um grande especialista italiano no
tema do populismo.
2.Uma
das marcas mais impressivas desta década, a nível político, foi a
procura de contrapor a tecnocracia ao
populismo, sendo que em Itália, no
pós-crise de 2008, viria, mesmo, a encontrar-se, sem recurso a eleições, um
governo de técnicos. Da sua estada em
Milão, e dos estudos que tem realizado em Ciência
Política, como olha para esse momento?
Uma das respostas que têm
sido dadas ao populismo é,
precisamente, a tecnocracia. O foco
colocado, sobretudo, na qualidade, ou seja, as pessoas vão para o poder pelos
conhecimentos [académicos, técnicos] que detém. Face a um mundo complexo, da globalização, são
exigidas respostas que sejam respaldadas por um conhecimento (sustentado). Também
neste aspecto, podemos dizer que Itália esteve na vanguarda: as pessoas
ascendem ao poder por deter certas qualificações.
[Mas não acha um caminho perigoso, por um lado não haver eleições e, por
outro, a ideia que perpassa de que o especialista,
o técnico está “acima do bem e do
mal”, tem uma solução que, pretensamente, não tem “ideologia” a “macular, como se ter ideologia fosse mau
necessariamente, e como se todas as opções políticas não contivessem uma dada
coloração ideológica?]
Sim, eu acredito que não é
uma solução boa para a democracia, justamente pelos motivos que indicou, mas
creio que certos assuntos internacionais só podem ser resolvidos, só podem ser
debatidos se houver conhecimento (técnico) por parte dos governantes. Aqui,
claro, levanta-se outro problema: será que não tecnocratas não sabiam resolver e debater tais problemáticas? Sim,
sabiam, mas o que se pretende sublinhar é a crescente complexidade dos
problemas e a necessidade de um crescente conhecimento aturado para os poder
compreender e sobre eles deliberar. Determinadas credenciais académicas. Também
em Portugal se fala muito de determinadas universidades como viveiros de
governos; portanto, quase em qualquer país, acabamos por cair sempre numa certa
tecnocracia.
3.De Itália, um ensaio marcante e bastante citado nos anos 90, o “Direita
e Esquerda”, de Norberto Bobbio. Para este importante teórico e jurista, direita e esquerda assumiam-se como um par estruturante na vida política e
cuja perenidade era manifesta. Na sua opinião, trata-se de uma divisão política
relevante em nossos dias? Porquê?
Sim, acredito que sim, acaba
por ser uma divisão consensual quer a nível académico, quer a nível popular.
Embora, a nível académico, falemos da crescente menor importância das
ideologias (em termos de escolhas do eleitorado), e da maior importância dos
líderes. De aí, os partidos tenderem a ser, cada vez mais, catch-all. Os partidos querem captar o maior número de eleitores
possível e isso só vai ser possível se não tiverem uma grande carga ideológica.
Direita e esquerda continuam a ser conceitos relevantes, mas a sua tradução
prática é mais complexa. Podemos, contudo, encontrar ainda um conjunto de
linhas divisórias, como o intervencionismo estatal, mais reclamado à esquerda, mais refutado à direita, por exemplo. Agora, haver
partidos que sejam completamente [ancorados em] uma ideologia já é mais difícil
de observar: registamos partidos na economia mais à direita, mas noutros âmbitos mais à esquerda, e vice-versa.
[E
as denominadas questões pós-materialistas,
a política identitária, as questões
do feminismo, do racismo, pós-coloniais,
nomeadamente como relevando, em certos sectores da sociedade ou de
posicionamento político-ideológico, sobre as económico-sociais?]
No meio académico, dizemos
que estas questões adquiriram centralidade, porque o âmbito económico-social
está já moldado. Ou seja, no pós-II Guerra Mundial houve o grande esforço de
construção do Estado Social e as pessoas já estavam confortáveis, já tinham
habitação, já tinham condições de trabalho, condições de saúde, e, portanto,
puderam dedicar-se a esses valores. Tomamos como adquirida a saúde, a educação,
a habitação e então lutamos por algo mais, lutamos por quem está a ser
oprimido. Podemos referir, também, a questão climática, da qual temos cada vez
maior consciência.
4.Há
uma vasta literatura, nos anos mais recentes, que discute uma desconsolidação democrática e o perigar
da democracia liberal nas mais
variadas latitudes do planeta. Alguma vez se imaginou, durante os últimos anos,
a viver em países em que não vigorasse este regime político?
O
que me vem à cabeça imediatamente são os países Hungria e Polónia. Uma das
possibilidades de Erasmus que
coloquei foi Budapeste e, por isso, pensei, mesmo, como seria viver lá. A
Hungria ainda não é, pelos manuais, uma ditadura, mas já está, certamente, com
traços autoritários. Conheci, durante o Erasmus,
uma rapariga polaca, de Varsóvia, e estive, exatamente, a perguntar-lhe como se
sentia com a situação política daquele país. O que ela me disse foi que queria
sair de lá. Encontrava-se numa situação privilegiada porque vivia na capital,
mas contou coisas que nós ouvimos nas notícias – por exemplo, a pressão do
aborto, uma senhora que morreu há um mês porque os médicos se recusaram a
fazer-lhe um aborto ou áreas livres de LGBT - e que ela vive na pele. Conheci
alguém que está a viver esta situação! Alguém que está a fazer o mesmo curso do
que eu, mas na Polónia. A minha geração deu por adquirida a democracia, mas
ainda existem muitas ameaças à democracia.
O termo “democracias iliberais” é usada na academia, mas a questão é: podemos ter uma democracia sem a parte liberal, sem as liberdades? Isso não é uma democracia, é uma ditadura! Esses regimes autocráticos querem o termo “democracia”, mas depois são, na prática, ditaduras.
5.De
entre o que estudou até ao momento, o que explica este momentum de recessão democrática
e o que poderemos fazer para a contrariar?
Depois da crise de 2008, as
pessoas ficaram muito desiludidas: crise política, crise económica, crise
social. Uma tempestade perfeita.
Nessas alturas, as pessoas apoiam a primeira pessoa que dá voz às suas
questões. As pessoas sentem que os partidos não respondem às suas questões.
Isso leva a uma recessão democrática.
Parece que as pessoas, de modo consciente ou inconsciente, sentem que é precisa
uma forma não democrática para resolver o problema.
[O que fazer para revigorar o sistema democrático?]
Por
mim, a questão passa sempre pela educação. Devia dar-se educação política aos
jovens, porque faz toda a diferença viver-se em democracia ou em ditadura! Acho
que isso está completamente esclarecido. Mas tem que haver o exemplo também de
cima: os cidadãos terem boas condições económico-sociais para acreditarem no
regime.
Tive a sorte de ter em casa gente conhecedora que me ajudava a compreender a vida política, mas há imensa gente que não tem este contexto. Sei que muitas pessoas da minha idade nunca pegaram numa Constituição, por exemplo! Claro que tratar os assuntos políticos pode acarretar uma carga ideológica. Mas não é por isso que esses assuntos não devem ser tratados. Deviam ser temas tratados com a máxima objectividade e neutralidade possíveis, mas não deviam deixar de ser tratados.
6.Acha
pertinente o modelo das clivagens sociais?
Este ajuda, ainda, a explicar a emergência dos partidos?
Sim, acho, acho. Em
Portugal, em especial a clivagem Estado/Igreja. A Igreja sempre teve um papel
muito importante e não o deixou de ter mesmo depois do 25 de Abril. Isso é
especialmente notório no Interior. A proximidade à Igreja, se calhar, ajuda a
explicar muito do voto das pessoas, no Interior. A clivagem
patrões/trabalhadores não será tão importante em Portugal, com alguma excepção,
talvez, no Norte.
7.Um
dos aspectos mais discutidos, politicamente, nestas últimas duas décadas
prende-se com a questão da relação do político com o religioso, ou, dito ainda
de outra forma, sob a melhor forma de aplicação do princípio da laicidade (sendo o caso francês, muitas
vezes apontado, pelos seus críticos, como podendo adquirir a forma de laicismo, por um lado, e novos regimes a
colocarem em causa a universalidade, a razão
pública por outro, como casos limite). Como tem refletido sobre este
problema?
Nós damos por adquirido que
o Estado é laico e isso está vertido na Constituição. Mas sempre achei curioso
o Estado ser laico e haver feriados religiosos. Em que medida isto não é
incongruente? Acaba por passar pela tradição portuguesa, o país sempre andou
lado a lado com a Igreja e, quando isso não sucedeu, correu mal, basta pensar
na I República e o corte abrupto que
tentaram implementar com a Igreja, o que só trouxe instabilidade, insatisfação
e a I República acabou por falhar e
caiu para uma ditadura militar, apoiada pela Igreja. A Igreja sempre teve um
papel muito importante em Portugal e acho que todos reconhecemos esse papel.
[E o caso francês e a sua versão da laicidade?] Creio que isso tem a
ver com a questão do islamismo. Para tentar visar aquela religião, acabou-se
por impedir quaisquer usos de símbolos religiosos, vestuário associado a uma
dada religião, na esfera pública. A
França sempre foi muito ligada ao projecto europeu, e a Europa muito vinculada
ao cristianismo. Será que a Europa é cristã? Será que poderá ser desvirtuada? O
outro [oriundo de uma cultura
diversa, em particular do Islão] é visto como uma ameaça.
8.Nos
últimos anos, apontou-se a Epistocracia (Jason
Brennan) como um possível substituto da democracia
liberal tal qual a conhecemos – exigência de testes de conhecimento
político para alguém votar, ou atribuição de mais votos, numa eleição, para
quem disponha de/evidencie maior conhecimento político, por exemplo. Em alguns
municípios brasileiros estão a experienciar o voto quadrático, com vista a um maior consenso sócio-político.
Autores houve que sugeriram o sorteio
para cargos políticos. Ideias como o Rendimento
Básico Incondicional foram alvitradas e experimentadas em vários locais no
mundo. Por outro lado, não raramente, fala-se em grande crise do pensamento
político, sendo que, em termos estruturais, observam os mais cépticos,
não se proporá, desde há muito, uma grande ideia (política) mobilizadora. Como
observa a realidade política contemporânea sob este registo de inovação ou
falta de pensamento (político) relevante?
Acredito que o pêndulo vai
para a falta de inovação (do pensamento político). Não se vêem, nas últimas
décadas, ideias capazes de transformar as vidas das pessoas, como foi, por
exemplo, a ideia do Estado Social. O que acaba por haver é a
adaptação/remodelação de conceitos pré-existentes ao tempo em que vivemos. Não
tanto novidade. Isto tem como consequência a perda de importância dos partidos,
o desapego das pessoas por formações partidárias, as convulsões sociais a que
assistimos.
A Epistocracia, com os exames descritos, seria muito interessante,
mas nunca poderia ser aplicada, porque não há igualdade de oportunidades na
escola. Muita gente vai votar sem consciência, é verdade, mas muita gente
também vai votar de modo informado não necessariamente por sua iniciativa, mas
porque beneficiou de um contexto favorável – e não deve ser beneficiado (por
exemplo, possuindo um maior número de votos) por causa disso.
9.
Temos um conjunto de pensadores políticos que entendem que a principal divisão
política, em nossos dias, a nível global, assenta no binómio “os de que
qualquer lugar” (abertos, cosmopolitas, capazes de se deslocarem para qualquer
parte do mundo, tolerantes face à diferença e valorizando-a) face aos “que são
apenas de um lugar” (os que não se movimentam no mundo global, mais fechados ao diferente). Parece-lhe um bom ponto de partida para encarar/captar as
complexidades do mundo global?
A questão do cosmopolitismo
é para uma minoria. Não há muita gente com recursos económicos para o poder
sair, viajar, conhecer mundo. De entre o meu grupo de amigas, sou a única a
fazer Erasmus, a estudar fora da
região Norte, sou a única a falar uma terceira língua para além do inglês e
português (o francês). Isso pode gerar divisões entre pessoas. Nomeadamente, de
um lado, uma atitude sobranceira de quem sai e tem as aptidões e os recursos
para poder sair, e a desconfiança de quem fica face aos que “não têm os pés
assentes na terra”, “não conhecem a realidade”.
10.Em
2001, com o 11 de Setembro as teses de Huntington sobre o choque de
civilizações como sucedâneo do choque ideológico de décadas de guerra fria que a queda do muro de
Berlim e do bloco soviético tinham aparentemente concluído tornou-se muito popular.
Houve, no entanto, quem alertasse para o facto de as principais batalhas se
darem no interior da “civilização islâmica”, mais do que o confronto com o
exterior. De que modo pensa esta questão à luz do que sucedeu nestes últimos 20
anos?
Com o fim da guerra fria, pensava-se que tinham ganho
a democracia liberal e a economia de
mercado. Mas, na realidade, era uma ideia muito baseada na experiência
anglo-saxónica. Muito centrada no Ocidente. Porque é claro que a democracia não
tinha vencido na Ásia, não tinha vencido em África, não tinha vencido em outros
territórios. O 11 de Setembro foi o
facto que fez a civilização ocidental, digamos assim, perceber que as coisas
não eram bem como pensava. Se calhar, a ambição de levar a democracia a todo o
mundo, acabava por ter falhado. Nessa medida, a teoria de Samuel Huntington tem
o seu valor, porque de facto diferentes zonas do mundo têm diferentes
características [culturais/mundividências], e ele quis chamar a atenção para
isso, e eu creio que é uma teoria válida; agora, com a globalização, com
fenómenos transnacionais, podemos definir pontos que definem cada um destes
mundos (civilizações a que se referia Huntington), mas acabam por ser pontos
diluídos.
11.Em
2001 também, dá-se a adesão da China à Organização
Mundial do Comércio e, com ela, o regresso deste país a uma posição de
grande relevo na comunidade internacional. Há quem veja na tensão com os EUA um
possível futuro conflito bélico. Como é que olha para a China de hoje e a
relação da comunidade internacional com ela?
A China abandonou a sua
posição de aceitar e contentar-se com o poder que tem e quer sempre mais, mais
e mais. Aqui, quando falamos de poder, falamos de poder económico, político,
militar e falamos também de soft power
(nomeadamente, o poder persuasivo da
sua cultura). Isto coincide com uma altura em que os EUA estão a estagnar ou
declinar (consoante os autores, a doutrina divide-se). Ora, isto gera grandes
tensões. Mas quanto à China, tenho sérias dúvidas de que a China alguma vez
seja um poder mundial. A China está à procura do seu lugar no mundo: basta ver
a sua enorme rota da seda. A questão
do Covid19 manchou a imagem da China,
mas está a sair, relativamente bem, desse problema.
12.É
daquelas pessoas que chega a um café com os amigos da mesma idade e diz: “a
social-democracia está numa crise profunda”, ou “este neoliberalismo está a
levar-nos à loucura”? Tem amigos, para lá do curso, capazes de gostarem e
intervirem numa conversa desse género?
Sim, no meu curso há muita
competição, mas entre o meu grupo de amigas estamos sempre a discutir questões
políticas. Mesmo com as minhas colegas de casa. Aquilo de que nós falamos,
predominantemente, é de política. Não apenas por motivos académicos, mas por
reconhecermos que a política é fundamental para as nossas vidas.
13.Benjamin
Constant dizia que a liberdade, para os antigos,
nomeadamente os gregos, significava querer participar no governo da polis, participar nas deliberações na cidade, enquanto para os modernos significará um “não me incomodes”,
a política aos políticos, e “eu” no gozo dos meus negócios privados. Esta antítese diz-lhe alguma coisa?
Poderia dizer que sim, mas
não. Acho uma caricatura. No meu caso particular, na minha vida mundana vai
sempre haver a política. Nunca tento separar o âmbito privado da minha vida da
dimensão política. Embora, reine um certo sentimento entre adolescentes “os
adultos que percebem disso, que tratem do assunto. Eu cá estou na minha vida”.
Mas comigo isso nunca aconteceu, nem me foi permitido; fui sempre alertada para
a necessidade de estar atenta ao que se passava na nossa vida colectiva.
[Seria
a favor ou contra o voto obrigatório?]
Nunca seria a favor do voto
obrigatório. É uma obrigação, mas deve ser auto-imposta. Devo ter esse civismo,
mas sem ninguém me obrigar. Embora a abstenção possa ser um acto político, o
voto em branco mostra que a pessoa se interessou e foi às urnas, mas que as
opções eram de desagrado.
[Voltando
um pouco atrás na nossa conversa, ao grupo de amigos, ao despertar para a política
e à cidade natal, permita-me que lhe pergunte se considera do ponto de vista
profissional exercer na cidade em que viveu até à ida para a Universidade]
O meu futuro profissional
terá que ser sempre fora de Vila Real, nomeadamente tendo em vista, por
exemplo, a diplomacia. Eu gosto de estar fora do país e aquilo que eu gostaria
de exercer terá que ser sempre na capital de um país, ou na segunda ou terceira
maior cidade do país. Tudo que sempre ambicionei não tenho cá.
14.Porquê
a escolha de Ciência Política como
curso?
Sempre gostei muito de
escrever. Quando se vai para Humanidades
a resposta óbvia é Direito. E então
dizia às pessoas que ia seguir Direito
– mas não me identificava nisso. Mas, insisto, parecia que tudo o que uma
pessoa da área de Humanidades, que
quereria ter sucesso, poderia tirar era Direito.
No 12º ano estava extremamente ansiosa com a escolha do curso, até que, por
acaso, numa pesquisa na internet, encontrei o meu curso – Ciência Política e Relações Internacionais – e até me lembro de
dizer aos meus pais: “ah, achei este curso interessante!” - mas preocupava-me o
facto de ser em Lisboa. Lisboa parecia-me muito longe, muitas horas de
autocarro, pessoas desconhecidas. Tenho a sorte de ter uns pais que sempre me
apoiaram muito e disseram-me “tem juízo, Lisboa não é nada longe, é o curso
perfeito para ti, toca as áreas de que tu gostas, vamos a isso”. E, sobretudo,
no curso atraía-me a parte de Relações
Internacionais. Sempre que lia um jornal, era pela parte do Internacional que eu começava. O curso
tinha uma média elevada, mas isso não era um problema, e foi a minha primeira
opção. Gosto muito do meu curso, não me via a fazer nenhum outro, porque – é
claro que tem a sua parte chata e há
muito a melhorar no meu curso, e até está agora a ser implementada nele uma reforma curricular – é muito
interessante. Precisamente aquilo que eu queria quando fui para a universidade.
[Noto, no que acaba de dizer, que a quando da escolha do curso que
sentiu alguma desvalorização do mesmo por parte da comunidade…]
Ainda hoje me deparo muito
com isso quando digo a pessoas o curso em que estou, e recebo como resposta
“ah, que talento desperdiçado. Devias era ter ido para Direito…”. Enfim, acabo
já por lidar bem, mas antes confesso que era difícil de lidar pela
subvalorização implícita. Acredito que por desconhecimento [por parte de quem
produzia tais comentários do valor] das Humanidades. E não é só Ciência Política; é a Filosofia, a
História, a Sociologia. As ciências sociais
são muito desvalorizadas. A área que é premiada, nas Línguas e Humanidades, acaba por ser o Direito.
15.Qual a diferença entre ciência política e
filosofia política?
Creio que em Filosofia
Política, haverá uma maior liberdade da parte dos autores. Em Ciência Política,
há uma grande centralidade das “metodologias”: métodos quantitativos,
qualitativos, sondagens, inquéritos, tudo muito fundamentado (uma parte muito
“científica”, na qual as pessoas muitas vezes não atentam muito). Claro que em
Filosofia Política também tudo está muito bem fundamentado, mas creio que há
uma maior liberdade dos autores.
16.E
estando em ciência política, o que a fez escolher Itália, e mais concretamente
Milão, para estudar durante este ano letivo 2021-2022?
Sempre gostei muito de
Itália. Visitei Roma em 2017 e gostei muito. Roma é uma cidade incrível e o meu
objectivo, inclusive, era fazer Erasmus
lá – mas a verdade é que não havia essa opção. As únicas opções para o nosso
grupo Erasmus, somos quatro amigas, era Milão ou Varsóvia. Ora, Varsóvia não me
interessava particularmente e também já tínhamos colegas a candidatarem-se para
lá. Juntou-se o útil ao agradável: entrámos as quatro colegas em Milão e isso
também facilitou o processo de adaptação. Milão é muitas vezes caracterizada
como uma cidade industrial, feia, enfim, mas, para mim, é o oposto disso: é uma
cidade lindíssima, uma das cidades mais completas do mundo, porque tem tudo:
qualidade de vida, espectáculos, museus, arte, arquitetura, comida, tudo! Tem
sido uma experiência incrível e aconselho toda a gente que possa a realizá-la –
e acho que se adequa perfeitamente aos objectivos do meu curso. Nem só, ou
mesmo nem tanto, as aulas, mas o contacto com as pessoas, de diferentes
culturas, não só a italiana, fizeram-me colocar em prática os conhecimentos
adquiridos e ter novos conhecimentos. Este contacto entre culturas acho que é a
forma em que aprendemos mais o que são as relações internacionais, a ciência
política.
[Do
ponto de vista pedagógico, notou muitas diferenças quanto ao modo como o curso
era/é lecionado em Lisboa e o modo como está a ser em Milão?]
Sim, sem dúvida! O nível de
exigência é muito menor em Itália! Isso foi uma surpresa um bocado desagradável
[para quem está a fazer Erasmus] e a
universidade não tem tanta qualidade. Fico com a impressão de que o sistema de
educação em Itália não tem muita qualidade e os rankings universitários
internacionais acabam por o demonstrar, pois não há muitas universidades
italianas a aparecerem nos primeiros lugares…As aulas são expositivas, como em
Lisboa, as turmas são grandes; o contacto entre professor e aluno é reduzido,
como em Portugal. Teoricamente as aulas, ao longo de todo o curso, seriam
exclusivamente em inglês (em Lisboa, tendo aulas em português, mas toda a
bibliografia é em inglês), mas o inglês dos italianos não é muito bom, pelo que
estávamos, praticamente, a ter aulas em italiano. Essa foi outra grande
diferença que notei: o nível de língua inglesa. Não é comum o cidadão italiano
falar inglês, o que se reflete, também, no meio académico. Enquanto que em
Portugal todas as minhas leituras [académicas] eram em inglês, todos os
trabalhos eram em inglês, etc., em Itália claro que era tudo em inglês, mas um
inglês simples, sem o aprofundamento que se esperaria.
[Por acaso, estudou alguma coisa de italiano, antes de ir para Milão?]
Por acaso, não (risos).
Éramos para ter aulas de italiano em Milão, mas dada a impossibilidade de
conjugar esses horários com os académicos, tal não veio a ser possível. O meu
italiano acaba por ser mais um “italiano de rua”, as palavras que vou captando
e de que preciso, por exemplo, para ir ao supermercado, para comprar coisas,
enfim, não é um italiano perfeito, mas consigo safar-me no dia-a-dia. Mas como
não se fala inglês por aqui, acaba, de facto, por ser necessário saber o básico
de italiano. Acho que os alunos portugueses mostram um maior interesse em
aprender, em conhecer do que os alunos italianos, para os quais parece que a
universidade é uma necessidade, estão ali como que por obrigação; são muito
menos empenhados, menos interessados, com menos interesse em querer aprender.
17.E como foi a vida em Milão, desde Setembro
até agora? Quais as impressões do quotidiano milanês? Como sentiu a Itália no
lidar com a covid19 depois da profunda tragédia que acometeu de um modo
particular este país no início desta pandemia na Europa, em 2020?
Foi particularmente
interessante, porque os cuidados com a covid19 são zero. As pessoas sem máscara
nos transportes; a polícia a não querer saber disso; as pessoas a não querer
saber de todo da covid: lojas cheias, auditórios cheios…a preocupação dos
italianos com a covid…praticamente zero! Uma região tão afectada com a covid19
e, de repente, sem nenhumas preocupações! A questão das máscaras, da ausência
de máscaras em todo o lado, chocou-me! Após eu e as minhas colegas termos tido
boas notas num exame que fizemos em casa, estávamos a festejar e aparece um
vizinho a bater à porta a solicitar pouco barulho, porque ele e as outras
pessoas de casa estavam com a covid e precisavam de se concentrar. Ora, ele
apareceu-me à porta sem máscara! Era necessário um certificado digital para ir
aos restaurantes; pois, todos os Sábados havia manifestações contra a exigência
do certificado digital e pessoas a gabarem-se de o não usarem…Não sei como isto
é possível numa das regiões mais afectadas pela Covid, não sei se há aqui
razões culturais, se é já a questão do populismo de extrema direita, mas é
assim.
18.Alguma vez foi à ópera ao Scala? Costuma
comprar ou ler jornais italianos (se sim, quais)? Uma exposição? Um desfile de
moda? Uma ida ao teatro ou ao cinema? Um jogo do FCP em San Siro? Uma
experiência gastronómica? Como funcionam os transportes públicos em Milão?
Quando os meus pais vieram a
Milão, queríamos todos ir à ópera e dirigimo-nos ao Scala e o senhor da
bilheteira disse para voltarmos noutro dia ou para comprarmos online. E,
depois, vimos online que estava tudo esgotado…Portanto, está no topo das minhas
prioridades ir ver uma ópera ao Scala. Mas já consegui visitar a sala de teatro
e é lindíssima e imagino a experiência de ver uma ópera ao vivo ali…Deve ser
uma loucura! Sou benfiquista e não fui ver o Milan-FCPorto, mas esperava ir ver
um Milan-Inter, mas disseram-me que era muito perigoso e então espero ir
assistir proximamente ao Milan-Fiorentina para ter a experiência do mítico San
Siro. Os transportes funcionam super-bem, essa é uma grande diferença em
relação a Portugal (embora me tenham dito, e já tive ocasião de o comprovar,
que funcionam muito bem é no interior de Milão; fora dele, nem tanto). A comida
é incrível; o meu favorito é o canoli, um doce de que vou sentir muita falta.
E, claro, as pizzas e as massas e agora o nosso objectivo [das alunas Erasmus]
é ir a Nápoles e, entre outras coisas, experimentarmos a célebre pizza de
Nápoles. Não fui a desfiles, nunca dei grande importância à moda (embora veja
muita gente nas célebres lojas de Milão, nas galerias, que são muito bonitas e
têm as marcas mais conhecidas), cinema (até porque aqui todo o cinema é
“dobrado” e, portanto, mesmo que eu fosse não ia perceber nada do filme),
teatro (gostaria muito de ir, mesmo que não percebesse, só pela experiência)
mas tive a sorte, ainda, de ir a muitas exposições; Milão tem muitos museus, o
meu favorito é o de arte moderna que por acaso se situa num sítio chamado Vila
Real, em que os clássicos do futurismo estão todos presentes. Tive também a
oportunidade de ir à Catedral de Duomo, de ir ao telhado e ver a célebre Senhora. Em Milão é extraordinário o gosto
pela arte renascentista, pela arquitectura, como, por exemplo, pela fotografia.
O bom de Milão é que tem imensa cultura e esse é um dos factores que me leva a
gostar tanto da cidade. Quanto aos jornais, não havendo nenhuma edição em
inglês, procuro ver os títulos e melhorar o meu italiano, mas não compro nenhum
[Lê o Público, diariamente, a Sofia?
Procuro ler, procuro ler, sim. Em férias é mais fácil]. Visitei muitas igrejas,
não há tantas como em Roma, mas também tem igrejas muito bonitas, como a Igreja
de Santa Maria delle Grazie, onde está representada a Última Ceia. Vê-la à frente foi marcante! Os milaneses, por sua
vez, são um pouco reservados, distantes, digamos os lisboetas daqui, mas não me
afectou porque desde que uma vez entrei num café em Lisboa, disse “bom dia” e
ninguém me respondeu fui-me habituando. Os milaneses são simpáticos, mas sempre
praticando algum distanciamento em relação ao próximo.
19.Como definiria a sua geração se tivesse que
encontrar apenas um adjectivo? Porquê essa escolha?
Inquieta, talvez; geração
inquieta. Porque, vejo pelo meu grupo de amigas, seja de Lisboa ou de Vila
Real, estamos, talvez, a procurar conhecer mais, viajar mais, saber mais,
querer sempre mais, mais e mais, nunca nos contentarmos com pouco, ir sempre
além do nosso trabalho, do que gerações precedentes. E ainda bem, porque assim
nunca nos iremos conformar – pelo menos, eu gosto de pensar que assim será.
[Como foi a saída de Vila Real e a ida para Lisboa?]
Eu
nunca tinha tido a noção de como as pessoas do Norte são tão calorosas até ter
ido para Lisboa. Não digo que me tenha afectado, propriamente, porque não fui
para Lisboa sozinha; fui com uma colega de turma e até morávamos juntas, na
altura. Mas, de facto, nota-se uma certa frieza; de certa forma, talvez, seja
uma forma de lidar com uma grande cidade, com tanta coisa a acontecer, mostrar,
no café ou nos transportes públicos, uma certa indiferença, porque é como que
uma forma de evitarem ser incomodadas. Claro que não estou à espera das maiores
recepções quando vou ao café, mas claro que, às vezes, ficava um bocado
chateada quando ia ao café, ou à cantina – sobretudo, a cantina! – e dizia “bom
dia” e ninguém respondia. Ou dizia: “bom dia só se for para si”. Acho que não
havia essa necessidade. Não estou a falar de pessoas da minha idade; essas,
nunca me trataram assim. Moro na Avenida da Liberdade, estou numa parte
central, sou, até, uma privilegiada. Estou sempre perto do metro para ir para a
faculdade – mas sem que o metro tenha a mesma qualidade de Milão. Tento sempre,
em Lisboa, enquanto não entro em época de exames, dar prioridade à dimensão
cultural. Ia muito à Gulbenkian, que ficava de ir a cinco ou dez minutos a pé
da faculdade. Gosto muito das exposições da Gulbenkian, mas também dos seus jardins.
Gosto muito de ir passear a pé. Também aprecio muito passar tempo em livrarias
e alfarrabistas, mesmo que acabe por não comprar nada, porque gosto muito de
livros.
20.Se lhe pedisse para me aconselhar um autor
que se debruça sobre a actividade política de que gostou particularmente, qual
seria a sua opção? E fora da política, de que autores gosta? E se a
solicitação, para explicar o tempo político que vivemos, fosse a de um filme ou
de uma série?
Fora da política, a autora
de que mais gosto, sem dúvida, é Elena Ferrante. Uma italiana, que ninguém sabe
quem é; e foi um livro dela, “A amiga genial” que levei à final do Plano Nacional de Leitura, em 2018.
Hoje, o livro já faz parte do Plano Nacional de Leitura, na altura não
estava…não sei se dei algum contributo para isso (risos). Gosto, também, muito
de Haruki Murakami, Kazuo Ishiguro, também gosto dos clássicos ingleses – Jane
Austen, as irmãs Bronte -, José Saramago – sem dúvida, o meu escritor português
favorito -, João Tordo…Em termos de autores políticos não me está a vir nenhum
à mente, porque as leituras têm sido académicas, mas, já agora, li recentemente
“Fascismo, um alerta”, de Madeleine Albright, e gostei muito dele. Em
Filosofia, no Secundário, gostei particularmente do Rawls e do “véu da
ignorância”. O Tim Marshall, nas Relações Internacionais, também aconselho. Nas
séries, vem-me logo à cabeça “The House of Cards”; sim, é muito maquiavélico,
mas é muito interessante e, sim, também gostei muito de “Borgen”. Também gosto
muito de séries de comédia, mas é mais um guilty pleasure. Nos filmes, gostei
muito de ver, em Filosofia, com a professora Filomena Choupina, “O clube dos
poetas mortos” e “Philadelphia”.
21.Como olha para a política portuguesa e seus
protagonistas? Como sentiu que esta era olhada a partir de Itália, bem como o
nosso país?
Portugal não é muito
conhecido, como já tinha experienciado quando estive em Cambridge. Para além de
Lisboa, a comida e o Cristiano Ronaldo, parece que não passamos daí…e acho
interessante, nós, em Portugal, fazermos um esforço para conhecermos mais de
outros países e as pessoas desses países, se calhar, não fazerem um esforço
para conhecer um pouco mais sobre nós. Se calhar, acabam por não precisar, pois
são países que estão no “topo” e, se calhar, não sentem necessidade de atender
aos “de baixo”. Relativamente à política portuguesa, acabo por achar que é um
pouco sui generis, ainda não estaremos tão mal, quanto outros países, no que
diz respeito a fenómenos como o populismo, a extrema-direita. Mas não nos vamos
livrar disto e a 30 de janeiro [data das mais recentes eleições legislativas em
Portugal] é que vamos ver a verdadeira dimensão destes fenómenos. Creio que
Portugal está sempre um passo atrás destes fenómenos, o que tanto pode ter, e
tem, consequências boas como más.
22.Que expectativas tinha sobre a instituição
universidade, o que procurava nela e, face às expectativas que tinha, como está
a ser essa experiência? A Universidade é, a seu ver, o que deveria ser? Porquê?
Para mim, a expectativa em
relação à universidade era mais a do conhecimento. Não me imaginava a trabalhar
[ir imediatamente para o mercado de trabalho] após o Secundário. Para além de,
possivelmente, não encontrar emprego, não teria conseguido aceder ao emprego
que desejo porque não teria a formação exigida para tal. E mesmo a Universidade
não garante emprego, como acontecia no tempo dos meus pais. A licenciatura não
basta, é preciso mestrado. No primeiro ano, ainda se parece tudo muito ao
Secundário, ainda somos muito novinhos, ainda há muita imaturidade – e parece
que não há espaço para crescermos, para sermos nós mesmos, até à ida para a
universidade e, se calhar, tal devia começar a ocorrer durante o Secundário.
23.Numa
frase, como foi o percurso da Sofia depois de deixar a Escola Secundária de S.
Pedro e que conselhos deixa aos colegas que estão a abeirar-se da Universidade?
Diria para seguirem sempre o curso que querem e não o curso que lhes é ditado. Eu sei que é precisa uma força emocional muito grande para isso, mas o que a universidade me fez perceber é que nós passamos muito tempo a estudar, muito tempo em aulas, muito tempo a fazer resumos, e, portanto, é preciso gostarmos dos assuntos. Eu costumo dizer que consigo aprender e ter os resultados que tenho, porque estou interessada no que aprendo. Mesmo nas cadeiras mais desinteressantes – que também as tenho e as há em todos os cursos – eu consigo estudar. Eu não me imagino a estudar, a estar com o stress da vida na universidade – porque é stressante: é preciso conciliar a vida universitária com as idas a casa, ao supermercado, pôr a roupa a lavar, limpar a casa -, a gastar tempo e as minhas energias a aprender sobre algo pelo qual não me interesso. E depois, à partida, ainda seria o meu futuro profissional. Por isso, o melhor conselho que eu consigo deixar é mesmo “vão para um curso que vos interessa”. E um outro: “não há mal em perceberem que o curso que julgavam que vos interessava afinal não vos interessa”, porque também tenho amigas que foram para um curso que julgavam que era o curso que lhes interessava e afinal não era, e depois há muito o medo de mudar porque é o desconhecido e perdi tempo, mas como continuar a insistir em algo de que não gostamos mesmo?
[a entrevista foi realizada
em Janeiro de 2022 e publicada no mais recente número da Escola Secundária de S.Pedro, "Coisas B(r)oas", de Abril 2023]
Comentários
Enviar um comentário