«SEGUNDA NAVEGAÇÃO» NA ESCOLA (ANDRÉS TORRES QUEIRUGA, ARIEL VALDÉS)

 

«Segunda navegação» na escola


1.Se as alcatifas sedosas, os assentos fartos, individuais e de boa madeira, o abrigo das estações, o conforto sucessivo deviam ser arrancados aos templos em favor e memória do caminho das pedras – a pedra nua como chão e fenda - que a fé, tomada a sério, não fácil e cheia de mesuras, representa (José Tolentino de Mendonça, Pai nosso que estais na Terra), a subida íngreme, a inclinação triatleta, a quota na cota de (exigido) estoicismo diário tomado à sinuosidade da cidade – Rua da Misericórdia atravessada ainda sem piso estofado em ascensão, passado o cabo da Rua Direita, até à Igreja de São Pedro; a pique, superado, de seguida, o Colégio de São José ao Pioledo; e  (ar, rarefeito, recuperado então) deste, à Escola de São Pedro - ativam e demandam a irrigação cardíaca, artéria maior é o suplemento de alma (adimplemento) que aqueles que caminham, na alvorada, passo apressado antes de tomarem os ofícios, as encomendas, as glórias e as dores da jornada se precipitam à catedral: oferecer o dia, agradecer o acordar, solicitar bênção para o que vier, colocar-se, melhor, saber-se nas mãos do (Totalmente) Outro. Refrescante não é (tanto) o orvalho, por vezes mediado a luvas de lã a caminho da primeira aula, no alto da invernia: refrescante é o tomar o tempo sagrado – lembram-se do motorista de autocarro, retirando, ao volante, a vetusta boina, em reverência, em passando por cada cruzeiro, já só evocação de letras ou séries de época? – e por ele, e nele, inscrever-se com “solenidade e risco” (Sophia)? Estes homens e mulheres, compassados, ao essencial, que todas as manhãs, assiduidade sem desvios ou falhas, passam por mim, anunciam à cidade, pudesse esta escutar, o fundamental - e ajudam-me, também, a respirar fundo, sorver (d)a esperança das minorias criativas que prosseguem - sem acédia, sem desleixo, sem banalizarem (e ninguém é “crente” sozinho, como diria Bento XVI, Vigília de oração com os jovens. Feira de Friburgo, 24-09-2011).
 
2.Hora de Biblioteca. O Filipe entra, sorriso amigável de sempre, empurra o amigo, que desconheço, e convence-o a abeirar-se de mim, concentradíssimo que estava (adoro o cheiro a livro novo pela manhã) – “vai lá!, diz ao stôr…anda lá!..” -, para, lesto, me atirar, então, qual correligionário que se confessa arraigado ao mesmo afecto: “não acredito que quando morremos acabe tudo. Não!...Isso não tem sentido…”. O Filipe e, sabê-lo-ei mais tarde, o Gonçalo, nos seus 13/14 anos, intuem uma verdade comum, ao longo dos séculos, a diferentes escolas de pensamento e de vida – “a [crença na] imortalidade é uma maneira deficiente [pressuposto de imortalidade da alma, e não ressurreição da pessoa toda como entendida pela mundividência cristã], mas real de crer na ressurreição [que, em sentido próprio, implica comunhão com a própria vida divina], pois contém a ideia de que a nossa vida não acaba na sepultura”, [a propósito de Platão e seus escritos neste âmbito] -, bem como a todas as religiões, incluindo o budismo, sustenta, em continuidade com o filósofo (protestante) Paul Ricoeur (“há um comum religioso que fala de ressurreição ou vida depois da morte”, Vivo até à morte), o teólogo católico Andrés Torres Queiruga: “estou convencido de que a ideia da ressurreição – refiro-me à ideia de que a morte não acaba connosco (…) - [perpassa] todas as religiões, incluindo o budismo mais rigoroso [todas acabam por crer nesta ideia, pois referem-se à ‘felicidade do além’ ou ao ‘fim do sofrimento’, etc.]. [Todas] falam de que depois da morte seremos distintos e, de alguma forma, plenos. (…) Falar da ressurreição [na acepção acabada de mencionar] não é falar de uma coisa muito estranha, mas referir [-se a] uma intuição fundamental da humanidade, interpretada de muitas maneiras [plenificada em Jesus Cristo, é certo, de acordo com o credo cristão] (…) Acho isso muito bonito” (Como foi a ressurreição de Jesus?, conferência em linha, 14-04-2023). E é: uma intuição que se diria válida em si mesma e bela (não é por eu querer que aconteça que sucederá, mas também não é por eu desejar a vida depois da morte que, logicamente, esta se encontrará invalidada – como notaria Manuel Fraijó, filósofo da religião, em “Avatares da crença em Deus”; embora, ao longo dos séculos, nunca, evidentemente, uma intuição unânime ou, mesmo, prevalecente (do rei Ezequias a Brecht, passando pela Epopeia de Gilgamesh; na acepção, mais “genérica”, se tal se pode afirmar, o autor, neste, e apenas neste, contexto evita debruçar-se sobre as manifestas diferenças (conceptuais/vividas) entre ressurreição [em sentido próprio], revivificação, reencarnação, ou, em certa medida, ignora o episódio de escárnio sobre Paulo no areópago (Atos 17: 15-34) quando este anuncia a ressurreição de Cristo…areópago que, todavia, sendo um tribunal, vê Paulo sair dele sem ser condenado, o que, justamente, poderia aqui sugerir uma não completa descontinuidade com a intuição presente na cosmovisão naquele lugar prevalecente [imortalidade da alma], acentuando-se, desta forma, que Jesus não é um “astronauta transcendental” [A.Queiruga quer, com esta expressão, sublinhar a continuidade histórica de que Jesus participa, a sua humanidade plena], sendo que o facto de muitos partilharem aquela intuição poderá perscrutar-se como sinal).
 
3.A guerra brutal de invasão da Ucrânia (pela Rússia de Putin) convoca um contínuo de questões, perplexidades, medos, vontade de falar sobre, em sala de aula. As perguntas, as opiniões (muito coladas, é certo, à ressonância imediata da cobertura televisiva nacional deste trágico evento) sucedem-se, vem à baila o papel da ONU. Estamos na transição para o Secundário, quinze cadeiras preenchidas por adolescentes, sala abafada pela eclosão de novo conflito bélico na Europa. Sabem quem é o Secretário-Geral da ONU?, pergunto então. A grande maioria reconhece um português naquele cargo, alguns são capazes de identificar António Guterres. E sabem, prossigo de imediato, o que é, em que consiste a “parábola dos talentos”? Silêncio sepulcral.
A única biografia até hoje publicada sobre o Secretário-Geral da ONU, António Guterres (O mundo não tem de ser assim, Pedro Latoeiro e Filipe Domingues) principia, precisamente, com uma página onde pode ler-se (apenas) “Parábola dos talentos”. Como um bordão, um lema existencial, uma exigência pela qual aquele homem se mede e que, portanto, atravessa a vida de um dos melhores alunos da história do Instituto Superior Técnico e de um Primeiro-Ministro que ainda antes de tomar responsabilidades políticas maiores no nosso país andou pelos bairros periféricos de Lisboa a dar explicações (gratuitas) de Matemática e, assim que deixa São Bento, facto menos conhecido, creio, mesmo para quem acompanha a vida política portuguesa com atenção, regressa à sacristia (será em Igrejas, e nos espaços a estas contíguos, que encontros e um serviço desta natureza decorrerão) preparando novamente - e, para o fazer, obrigado a estudar uma outra vez - um amplo conjunto de alunos (socialmente menos favorecidos) para o exame nacional daquela disciplina.
O completo desconhecimento, naquela pequena, mas significativa amostra (adolescente), acima citada, do que seja a “parábola dos talentos” (Mt 25, 14-30) evidencia, uma vez mais, como a generalizada perda (europeia/ocidental) de um “corpus mínimo de conhecimentos” da sua herança religiosa é, outrossim, uma amputação de ordem cultural de enorme magnitude: não é apenas a “entrada” numa biografia que queremos compreender que se torna “interdita” (pela ignorância de um “básico”), ou (uma parte substantiva de) dois mil anos de pintura, música, arquitetura, escultura, literatura que se tornam “inacessíveis” por não se possuir um “código de leitura”; é um inteiro mundo (instituições, formas de vida, concepção do humano), configurado em diálogo e resposta (individual, comunitária) àquele universo de narrativas, símbolos, História que, assim, se tornam impossíveis de “ler”, “compreender”. No seu mais recente livro, Pátrias, o historiador de Oxford, e um dos mais reconhecidos intelectuais públicos do nosso tempo, Timothy Garton Ash assinala sobre “o mundo da vida” em que a Europa assentou: “o cristianismo foi, durante muitos séculos, o maior elemento de unidade na diversidade de toda a Europa. Tenho à minha frente um mapa intitulado Europa Polyglotta, elaborado por um cartógrafo alemão em 1730. Em termos visuais, é uma confusão total, com pequenas legendas, em diferentes línguas, a cobrir toda a superfície terrestre da Europa e a maior parte dos mares circundantes, como se fossem os gatafunhos de um professor louco. Mas, olhando mais de perto, vemos que em todas aquelas trinta e três línguas, tanto em alfabeto latino, como cirílico, grego ou outro, o que está escrito é a mesma frase: «Pai Nosso, que estais no Céu, santificado seja o vosso nome»” (…) até mesmo um ateu profundamente empenhado tem de reconhecer a realidade histórica de que, sem cristianismo, não existiria Europa tal como hoje a conhecemos (…) As formas de pensar das crenças do passado, tal como as doutrinas de economistas mortos, moldam inclusive aqueles que já não acreditam nelas (…) [como disse o escritor e historiador Tom Holland, no livro Domínio, o cristianismo é]: «a estrutura mais influente para decifrar a existência humana que alguma vez existiu”, pp.145-146). Uma demanda que, desta sorte, e em simultâneo, surge e urge é, pois - também sem exata novidade, mas menos interiorizada porventura (até há pouco se dando por adquirido que estas “parábolas” povoassem um imaginário comum) -, a de um primeiro anúncio ou de um conhecimento inicial que diversas instituições societárias podem/devem proporcionar.
Em O mundo não tem de ser assim, António Guterres conta como o conhecimento do Alcorão foi determinante para, nas atuais funções internacionais que desempenha, ser um interlocutor/parceiro escutado, acolhido, considerado, respeitado, seguido no mundo de maioria muçulmana: “o comentário do ministro iraniano Mostafa Pourmohammadi, durante aquela primeira visita a Teerão, repetia-se, uma e outra vez, na cabeça de Guterres. «Não se preocupem, porque é Deus quem nos ordena proteger os nossos irmãos e irmãs». Significava, no fundo, que acolher refugiados constituía um dever de todo o muçulmano, à luz da palavra de Deus. Se assim era, a mesma palavra de Deus poderia revelar-se um aliado sem igual na região. Aquela não era, contudo, a religião que Guterres descobrira em criança, pelo vizinho da frente. Era a mensagem de uma religião distante, misteriosa. Invocá-la inusitadamente seria pisar terra proibida, seria insultar o Islão, seria pecar em fé alheia. Guterres lançou-se por isso a conhecer, com os seus próprios olhos, os desígnios de Allah. «Eu achei o Alcorão altamente misericordioso e tolerante. Há algumas excepções, como o facto de a mulher só ter direito a metade da herança. Mas isso tem uma explicação: é porque se o marido morrer, alguém tem de tomar conta dela. Mesmo estas coisas, que para nós são mais chocantes, têm de ser vistas à luz de como era a situação na altura. Aliás, quando Cristo apanha a mulher adúltera, ela ia ser apedrejada – eram os hábitos da época (…) Apesar de tudo, acho que o Evangelho (…) tem uma coisa extraordinária que o Alcorão não tem: a sua intemporalidade. É por isso que eu me mantenho católico” [afirma António Guterres] (pp.427-428).
Compreender a cultura, a história, o presente, a vida, dialogar, negociar, levar a cabo uma diplomacia adulta, fazer política ao mais alto nível (e aqui política entendida como forma maior de caridade, de busca/defesa/luta pelo bem comum global) implica, pois, a superação de quaisquer preconceitos e diminuição do religioso (não raro assimilados, não sem razão segundo julgo, a formas de pensar de pendor reducionista; de resto, nunca entendido, o religioso, como hoje se apresentará a muitos, como um mundo à parte, “uma espécie de hobby”, mas a textura, mesma, da vida, repleto, portanto, de necessária pragmaticidade, como o exegeta N.T. Wright faz questão de recordar, em “São Paulo”, desde logo cuidando de situar o seu biografado), antes o estudo atento desse mesmo universo. Nas melhores Universidades do mundo, nos cursos de Humanidades, a Bíblia, em aproximação literária e histórico-crítica (sem, evidentemente, negar, a cada um, o abeirar desta enquanto Revelação) é parte integrante e fundamental dos conteúdos a leccionar, como regista Frederico Lourenço – “nas grandes universidades do mundo (Harvard, Yale, Princeton, Oxford, Cambridge, etc.), a Bíblia está cada vez mais presente, nos cursos de graduação e pós-graduação em Humanidades, como matéria de estudo universitário entendido sob uma forma não-religiosa. A lecionação assenta numa base crítico-histórica que, por um lado, dá aos estudantes a medida do enorme interesse cultural da Bíblia enquanto texto mais marcante da tradição ocidental (e não só), mas essa lecionação, por outro lado, não silencia os problemas, por vezes insolúveis, que a materialidade linguística do texto bíblico levanta” (Apresentação da Bíblia grega, in Bíblia - Vol I. Os quatro Evangelhos, pp.18-19).
Para quem subscreve a perspectiva de que, em certo sentido, hoje [quase] ninguém ensina a ler o mundo e, ao mesmo tempo, partilha da noção de que sem um abeirar que transcende uma leitura formal/fria de uma dada informação – a remissão da Bíblia mais a um ícone cultural do que a um objecto de estudo (John Barton, Uma história da Bíblia), mais (importante) ainda, objecto de afecto (traduzido numa práxis: a parábola dos talentos como afectando uma inteira vida e não colocada lado a lado, e com o mesmo estatuto, do que contos populares, como defende, para a escola, Philip Pulman) – a vida que se perde com aquele apagar de uma memória (cultural/existencial) que tanto edificou é lamento pelo que cada um (se) subtrai como horizonte de sentido e orientação. Numa sociedade diagnosticada, não raramente, não apenas como pós-cristã, mas, inclusive, pós-ateia, porque deixando, aparentemente, Deus de ser um problema (ou constituindo-se, de um modo generalizado mas não escrutinado, como “superado”), nem discutido/mencionado É, ausente, então, da conversação comunitária [Carlos Alberto Marmelada, A ausência de Deus nas sociedades pós-modernas, conferência em linha, 05-07-2023], poderia, diversamente, apontar-se que (ao humano) “Deus é inevitável, ou evitável apenas criando um vazio” (Roger Scruton, O rosto de Deus, p.13) e que, nesse contexto, “uma sociedade em que Deus está ausente - uma sociedade que já não O conhece e O trata como se não existisse - é uma sociedade que perde o seu critério. No nosso tempo foi cunhado o mote da «morte de Deus». Quando numa sociedade Deus morre, ela torna-se livre, asseguram-nos. Na verdade, a morte de Deus numa sociedade significa também o fim da sua liberdade, porque morre o sentido que indica a orientação”, Bento XVI, O que é o cristianismo. Quase um testamento espiritual, p.164). No dizer de Tomás Halík, porém, a perspectiva de “morte de Deus” [um motivo tipicamente ocidental, mas não universal, de acordo com o monge Javier Melloni - entrevista ao Expresso, 22-07-2023] e a de um “regresso de Deus”, afigurando-se contraditórias, estão presentes, em conjunto, na mesma sociedade; correspondem a movimentos, diversos, injunções possivelmente paradoxais, mas que se encontram, em realidade, no mesmo (nosso) espaço-tempo (A tarde do cristianismo).
 
4.Se, inicialmente o Antigo Testamento, via o além como um horizonte indistinto (o sheol, os infernos, espécie de cidade subterrânea, onde todas as criaturas humanas se encontram num ambiente de escuridão e de silêncio, Gianfranco Ravasi, Onde estás, Senhor?, pp.111-112), onde todos eram lançados depois da morte, o Livro da Sabedoria começa a reduzi-lo a sede dos malvados, transformando-o, assim, numa morada infernal, ao passo que os justos entravam na comunhão divina (p.129), a partir de cerca de 200 a.C. (Ariel Álvarez Valdés, Como foi a ressurreição de Jesus?, conferência em linha, 14-04-2023) surge entre os judeus a crença na ressurreição (se Deus, que tudo cria por amor, não nos abandona, como nem um pai/mãe não abandonariam o seu filho no momento da morte, então Ele nunca nos deixará cair no nada; ressuscita Jesus, agora já não submetido ao espaço e ao tempo, e com Jesus os nossos defuntos: “tudo o que Jesus descobre, descobre-o para ele e para nós. É esse o seu papel na História”, Torres Queiruga – e nesta meditação o teólogo, ofício cujo tactear do mapa a caminho de próxima publicação em livro raramente se nos é dada a ver e aqui se pontua, vem trabalhando). Falando sobre a criação contínua operada por Deus, o autor assinala que com um grupo de teólogos da sua faculdade reza “Pai Nosso, que nos engendras continuamente…”). Neste sentido, a ressurreição de Jesus não cria a fé na ressurreição (porque aquela era pré-existente: o próprio Jesus nela cria e rezava: “Senhor, que dás a vida aos mortos”; o novo, com a ressurreição de Jesus, foi o crer-se naquela de uma maneira mais profunda, concreta, plena; assim, também, possivelmente, se pode compreender a afirmação de N.T. Wright de que “os primeiros cristãos não centravam muita da sua atenção no que acontecia às pessoas imediatamente depois de morrerem. Se essa questão surgia, a resposta podia ser que estariam «com o Messias» ou, como na observação de Jesus ao ladrão moribundo, que poderiam estar «com ele no paraíso». Mas raramente falavam sequer sobre isso” (p.123). Em realidade, “os judeus devotos acreditavam há muito que Deus se encarregaria deles depois de morrerem”, p.124).
"Hoje mesmo, estarás comigo no Paraíso” (Lc 23: 42-43) pode, na sua literalidade, interpretar-se como indicação, pelo próprio Jesus, na cruz, na sua fala ao bom ladrão, de que ressuscita(rá) na sexta-feira indicada, unanimemente nos Evangelhos, como o dia da morte de Cristo (“estou convencido de que Jesus ressuscita no momento imediato à sua morte, ainda na cruz”, Torres Queiruga). Se Jesus ressuscitou ao terceiro dia, porque é que Deus teve que esperar três dias para O ressuscitar? Hoje, muita teologia ensina, assinala Queiruga, que Jesus terá ressuscitado no próprio momento da sua morte. O primeiro testemunho sobre os dias que mediaram até à ressurreição de Jesus é aquele inscrito na Carta aos Coríntios, no ano de 54. Oseias (Os 6, 1-2) é, no registo do biblista Ariel Valdés, o texto mais antigo no Antigo Testamento que se refere ao terceiro dia. Ao “terceiro dia” poderá significar "num prazo curto", "a breve prazo" [múltiplos exemplos de referências à expressão “ao terceiro dia” no Antigo Testamento (AT): Gn 22, 1-4; Gn 42, 17-18; Ex 15, 22-25; Ex 19, 10-11; Jos 2,16; Jos 3, 1-7; 1 Sam, 17-18; 2 Re 20, 1-11; Est 4, 16; 5,1; Jon 2,1]. No AT, a expressão "ao terceiro dia" aparece 69 vezes. Possui o significado de que o justo, a sofrer, será, apenas, por um lapso de tempo. Mas, assim entendida, não é uma referência cronológica. É um acto de fé na bondade de Deus.
No cristianismo primitivo, o terceiro dia não se referia ao momento em que as mulheres chegaram à tumba vazia [isto é, aquele em que caem na conta de que Jesus permanece vivo, disso dando testemunho; à ressurreição, ela mesma, ninguém assiste], mas à nova era que começava com Jesus Cristo.                      

Pedro Miranda

 

[escrito em Julho 2023]





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