PORTUGAL, 2024

 
Portugal, 2024


1.Sem prejuízo da constatação de que os jovens portugueses se encontram mais alienados do voto – embora, paradoxalmente, reconhecendo, aqueles, a importância deste - do que os mais velhos de entre os nossos concidadãos; de que a juventude de hoje vota menos do que (a) juventude(s) de outrora, em Portugal (mas também os eleitores entre os 30 e os 45 anos começam a abster-se mais do que aqueles que, nas gerações anteriores, e em tais idades, se encontravam perante a opção de ir às urnas, como prova João Cancela); de que é menos provável a afiliação em um partido, por banda dos mais novos, do que em um passado recente (cf. Sofia Serra-Silva, “O Portugal democrático e europeu: o caminho trilhado, os desafios e o que falta percorrer”, in Margarida Cardoso (coord.), “E depois da Revolução. Cinco décadas de democracia”, FFMS, 2023, p.60) e, bem assim, das consequências que tal acarreta, seja para a possível/provável não (densificação da) representação das suas causas, dos seus interesses, do modo como identificam, politicamente, propostas/programas que concebam a concretização do bem comum, seja para a qualidade da democracia (ela mesma; aqui, não deixam, alguns dos investigadores da ciência política, de se interrogarem quanto à pertinência da introdução de quotas para jovens na elaboração de listas concorrentes a eleições), importa, todavia, notar, e por outra banda, que  não apenas os jovens não são, evidentemente, um bloco “homogéneo e monolítico”, como, fundamentalmente, têm “rejuvenescido o repertório tradicional de participação política, operando muitas vezes fora das instituições políticas tradicionais e recorrendo às novas tecnologias. Esta é, na verdade, uma teoria que tem granjeado mais apoiantes, e que é cada vez mais suportada por evidências empíricas: a ideia de que os jovens são politicamente activos, mas que privilegiam outras formas de participação, baseadas sobretudo em temas e questões que ressoam entre eles (a emergência climática, por exemplo)” (p.60). Os jovens portugueses manifestam-se nas ruas e nas redes sociais, alinhados, aliás, com uma tendência presente na sociedade portuguesa nas últimas duas décadas – a saber, uma maior participação política com excepção da participação eleitoral [para cuja descida, em legislativas, dos iniciais 91,7% de afluentes às urnas, nas primeiras eleições democráticas, que surpreenderam os investigadores mais optimistas e que possuíam dados de comparação internacional, até cerca de 40% de abstencionistas, factores como “a diminuição de sindicalização” e consequente “desmobilização para o voto”, ou “transição democrática em choque com o regime anterior” terão sido relevantes, sem descurar o incremento de votantes em 1,4 pontos percentuais que nas autárquicas a mudança legislativa que possibilitou candidaturas de cidadãos trouxe e os 2% que a cada fim do limite de mandatos de qualquer autarca, imposto pela lei de limitação dos mandatos, também fixada no século XXI, adicionalmente se deslocam às mesas de voto; e sem embargo de não desconhecermos a existência de uma verdadeira taxa de abstenção artificial, por não saírem, tempestivamente, dos cadernos eleitorais portugueses nomes daqueles que já faleceram, ou dos que saíram de Portugal, taxa, hoje, (de abstenção artificial) calculada em cerca de 7% e de sublinharmos como em zonas rurais e mais afastadas dos centros urbanos de Lisboa e Porto a abstenção, em legislativas, tender a ser maior do que em outros marcos geográficos, bem como a ausência de disparidades de género entre os votantes ao longo do século XXI português - cf. João Cancela “Participação Eleitoral”, in Pedro Magalhães, António Costa Pinto e Jorge M. Fernandes (org.) “O essencial da política portuguesa”, pp.368 e s.)], relativamente a um tempo pretérito, de que são manifesto exemplo a (actual) proliferação de assinatura de petições para os mais variados objectivos (políticos) – e, em dimensão que muito nos compraz e anima registar no Interior português,  também existem jovens que pensam ter um futuro nas suas regiões, desejosos de contribuir para o seu desenvolvimento (…) Muitos jovens destes contextos não sentem que estejam no fim do mundo, têm elevados sentimentos de pertença e têm, à semelhança de outros, investido em novos repertórios de envolvimento social e de participação cívica e política, ligados a aspectos que valorizam” (cf. Sofia Marques da Silva, “As dobras da educação e o pulsar de um país”, p.131). E, aqui, “a atenção das escolas e das comunidades a estas formas de participação mais horizontais e com impacto mais direto é fundamental para a vitalidade da democracia”.

2.Efetivamente, e como assinala Sofia Marques da Silva, Professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, “há muito que a literatura académica tem apontado para os benefícios de um ensino com sensibilidade local, que privilegie a ligação com experiências situadas”. Mais de vinte anos volvidos, recordo, não sem emoção, todo o levantamento e investigação atinentes ao que era a realidade local de produtos (endógenos) e percursos do turismo que envolviam a região e a preparação, sucessiva, de um guião, dez vezes revisto dez vezes reformulado, por uma professora, hoje amiga, que nos introduzia em verdadeiro estágio/estádio universitário (verdadeira cadeira propedêutica), no modo como o foco era de tal modo afinado – existirá, ainda, coragem e força, motivação, espaço para a tensão criativa que implica o ofício de relojoaria levado ao limite? (“maldito questionário!”, escrevia-me, há dias, em sms no qual evocávamos, a meias, tais aulas, duas décadas e meia depois, a amiga professora…há, mesmo, emoções que nos unem em superação e nos levam adiante) – que permitira, em realidade, obter um mais profícuo e profundo conhecimento das matérias a que nos estávamos a ater, recebidos, a rigor, e a rigor respondidos, na principal agência turística da região pelo seu diretor.
E que dizer do elaborado, na chamada Área escola, nos inícios de 90, quando o tema era, já, ambiental e, aos 10 anos, o bando dos quatro que formávamos o grupo de trabalho entrevistámos, sobre o Corgo, as lavadeiras que ali se encontravam e fomos, depois, encontrar o local, compreender como e tirar as respectivas fotos às descargas do Matadouro que poluíam, deveras, este nosso rio?
Observamos, pois, e assim, que “a contextualização curricular não é uma medida nova e a apropriação territorial do currículo tem feito parte das práticas de muitas escolas. Uma educação assente no lugar valoriza as comunidades como currículo. Estas abordagens pedagógicas não só cultivam laços entre os estudantes e as suas comunidades, como conectam as suas experiências com o saber escolar. Adicionalmente, ao incorporar o lugar nos processos educativos, levam os estudantes a desenvolverem um sentido de responsabilidade por aquilo que os rodeia, ao nível local e global, aumentando os seus níveis de participação” (pp.131-132).
 
3.E que direitos de futuro? Para a Constitucionalista Anabela Leão, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, “a emergência climática torna especialmente necessária a consideração da justiça intergeracional e os «direitos das gerações futuras». O envelhecimento da população apela à consideração dos direitos e deveres de cuidado, no respeito pela liberdade, autonomia e dignidade. Os movimentos de pessoas de larga escala obrigam a pensar as condições para um acolhimento digno de migrantes e refugiados. A diversidade das nossas sociedades exige um entendimento complexo da igualdade capaz de articular direitos iguais com direitos diferenciados numa dignidade comum” (p.25). Ora, essa humana dignidade é o que deve ligar gerações, passado e futuro, memória fundante de um presente de respeito por cada pessoa. A cada acto eleitoral, e independentemente da circunscrição territorial que para aquele releva, custa, com franqueza, e décadas volvidas da criação de um instrumento político que visa, no patamar mais ínfimo – o da luta contra a severidade da pobreza -, dotar aqueles que se encontram em piores circunstâncias de vida do mínimo de condições materiais para nela se inscreverem, verificar, em alguns agentes/actores da nossa vida colectiva, a incapacidade daquele fio de empatia e imaginação moral que leva a uma estigmatização que, por sua vez, conduz, como no-lo tem dito um dos maiores especialistas em questões de pobreza em Portugal, Carlos Farinha Rodrigues, a que muitos que o necessitariam não o solicitem, com medo de serem apontados na rua ou no café. A Professora Anabela Leão relembra-nos, de resto, das consequências (político-jurídicas), em toda a sua extensão e magnitude, que há que retirar, e, inclusive, das decisões dos Tribunais Superiores portugueses, a este propósito – e como haveria que os acolher e cumprir, sem uma ignorância e/ou demagogia que produzem sofrimento gratuito entre alguns dos membros da nossa polis: “O princípio da dignidade da pessoa humana é a base da República Portuguesa (artigo 1º) e da protecção constitucional dos direitos. Subjaz aos direitos pessoais e políticos e à regulação de questões sensíveis como as relacionadas com o início e o fim da vida humana, mas igualmente aos direitos sociais, pois também estes concretizam uma ideia de dignidade. Com base neste princípio, o Tribunal Constitucional afirmou já que existe o direito a um mínimo para uma existência condigna, do qual não se pode ser privado” (Anabela Costa Leão, “A Constituição, o Direto e os direitos”, p.25).
Em Portugal, há uma discrepância substantiva na ida às urnas em função do grupo sócio-económico em que cada pessoa se encontra: “há sinais de clara assimetria de classe social na predisposição para o voto (…) A probabilidade de abstenção está mais disseminada entre os trabalhadores dos serviços e, em menor medida, entre os trabalhadores da indústria, enquanto os gestores e os agentes socioculturais são consideravelmente mais propensos a participar. A mesma fonte [Cancela e Magalhães] refere que o fosso de participação entre os mais ricos e os mais pobres tem vindo a aumentar de forma constante nas eleições mais recentes” (João Cancela, “Participação eleitoral”, p.379). Se, ao longo das últimas três décadas, no espaço público português, um homem que se reclama da Doutrina Social da Igreja, Francisco Sarsfield Cabral alertava, reiteradamente, para o facto de apesar de os mais pobres serem, ainda que numerosos, uma minoria no conjunto da sociedade portuguesa, podendo, por tal efeito, ficar esquecidos (da mesma forma, os seus interesses e concepção de bem comum), tal, de modo mais intenso, potencialmente, se virá a registar, assim que diminua, como vem diminuindo, a sua ida às urnas. Sendo que, em muitas situações, como denunciavam, muito recentemente, a escritora Lídia Jorge ao Expresso e o bispo D. Américo Aguiar na Grande Entrevista da RTP, muitas destas pessoas, em situação de pobreza (extrema), nem conseguem erguer-se, afundados na miséria de que se vêem acometidos, o que faz da atenção política à sua condição um imperativo indeclinável. A filósofa e investigadora Adela Cortina escrevia, em obra de referência sobre a pobreza, publicada na última década, “Aporofobia”, que um dos elementos a ter decididamente em conta no combate aquela era, claramente, a existência de sistemas fiscais progressivos (a defesa dos quais, a certa altura do devir político português, quase sugere ser uma ousadia).
Luciano Amaral, Professor de Economia, destaca, por seu turno, como Portugal, em 1995, “era o país onde a proporção de população em risco de pobreza era maior na UE, acima da Grécia, de Itália, do Reino Unido, de Espanha e da Irlanda, com um valor de 23%; actualmente, anda pelos 16,4%, tendo ficado pela primeira vez em 2021 abaixo da média da UE, embora próximo dela” (cf. Luciano Amaral, “Ricos pobres”, pp.79 e ss.; até 2010, em Portugal, a população acima dos 65 anos era aquela em maior risco de pobreza; hoje, é a que tem menos de 18 anos), tal como fez avanços quanto à diminuição das desigualdades sociais nas últimas décadas: “em 1995, era o país mais desigual da UE, com um coeficiente de Gini de 37%, imediatamente à frente da Grécia, de Espanha, da Irlanda, de Itália e do Reino Unido. Hoje, o valor é de 32%, sendo todos aqueles países agora mais desiguais do que Portugal, a que se somam vários do Leste europeu. Mesmo assim, o valor continua dois pontos acima da média europeia, que é de 30%” (p.80). Ora, tais indicadores sufragam que “alguns programas no âmbito do Estado-Providência que Portugal construiu nos últimos 50 anos têm vindo a dar alguns resultados positivos”. Assim, acrescentamos nós, não sejam colocados em causa. Assim, igualmente, tendo-se em devida conta que “é também na questão do PIB per capita e da produtividade que reside boa parte da explicação para Portugal continuar a ser dos países da Europa com uma maior taxa de incidência de pobreza e maior desigualdade” (em 1974, o PIB per capita português era 54% da média de um conjunto de países de renda elevada; actualmente, é de 61%).
 
4.Entre 1957 e 1974, cerca de 1,5 milhões de portugueses saíram do país, sobretudo para França Desde 2018, a imigração para Portugal aumentou exponencialmente, a um ritmo superior a 100 mil pessoas por ano. Ora, também neste contexto se afigura crucial notar e levar à prática a máxima de que “a democracia não é apenas um sistema político, mas também como «um modo de estar com o Outro» (p.15). Embora continuem a sair do país, todos os anos, um conjunto significativo de portugueses, “esta mudança [com Portugal a ser mais um país de imigração do que de emigração] não aumentou o desemprego [entre nós]. De resto, Portugal é, historicamente, um país de desemprego baixo no contexto europeu, com taxas que têm ficado nos últimos 50 anos [exceptuando os chamados anos da troika] entre os 6% e os 8%, próximas daquelas que são correntes nos Países Baixos ou na Suécia. Os outros países da Europa do Sul, Espanha, Itália ou a Grécia, têm taxas de desemprego normalmente mais elevadas”. A taxa bruta de natalidade é mais reduzida em Portugal do que na maior parte do mundo; a taxa brutal de mortalidade encontra-se acima da média europeia, tendo em conta, justamente, o envelhecimento da população. Ao turismo tem cabido o papel de financiador das importações, outrora desempenhado pelas remessas dos emigrantes (p.83). Quanto aos futuros pensionistas, “a expectativa das próximas gerações é a de verem a sua idade de reforma persistentemente adiada e os valores das pensões cada vez mais baixos” (p.85). Quanto a países do Leste europeu e da Europa central que têm subido os seus padrões no que concerne ao PIB per capita, Luciano Amaral sublinha que tal se deveu, em boa medida, à aceitação, por parte daqueles, de “grandes volumes de investimento estrangeiro, aplicados em sectores industriais de nível tecnológico relativamente elevado e vocacionados para a exportação”, deixando, concomitantemente, a seguinte interrogação nacional: “haverá aqui lições a retirar por Portugal, em particular por oposição à recente especialização portuguesa no turismo, cuja produtividade é relativamente baixa?” (p.79).
Portugal, em 2021, era, segundo o Eurostat, o 4º país da União Europeia com menor investimento público em cultura (p.16).

Pedro Miranda

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