REPENSAR O ALTRUÍSMO (PETER SINGER)

 

1.O filósofo Thomas Hobbes, um homem que viveu nos séculos XVI e XVII, sustentou, com particular intensidade no livro Leviatã, uma visão sombria do ser humano. Deixado sem uma autoridade forte, o homem seria o lobo do próprio homem e estaria num estado de guerra permanente com o seu semelhante (pelo que era necessário conceder soberania a uma instituição forte, com o monopólio da força, como o Estado, prefigurado nesse monstro marinho como o Leviatã).

2.Um dia, Hobbes, passeando com amigos, e vendo um mendigo, abeirou-se deste e deu-lhe uma esmola considerável. Os seus companheiros de estrada, de imediato lhe fizeram observar que o seu gesto contradizia a sua teoria quanto à natureza profundamente iníqua do ser humano. Hobbes retorquiu-lhes que, em realidade, gostava de dar esmola, pelo que o ato que acabara de realizar tinha sido egoísta e, logo, compatível com a sua teoria.

3.O pensador Peter Singer, um controverso professor de Ética, nos nossos dias propõe este dilema para pensarmos as questões do altruísmo e do egoísmo: e se Hobbes fizesse, todos dias e durante todo o dia estivesse à procura de pessoas carenciadas para lhes dar esmola, mesmo sacrificando parte da sua fortuna? O filósofo continuaria a justificar as suas acções com o gosto que tinha em ver as outras pessoas felizes, um ato do seu interesse, diria.

4.Ora, este Hobbes deveria, ainda, ser considerado egoísta? Em caso afirmativo, assinala Peter Singer, a ideia de que todos somos egoístas perde tanta força que deixa de chocar. Nesta interpretação do egoísmo, a dicotomia aparente entre egoísmo e altruísmo deixa de importar. Aquilo que realmente importa é a preocupação que as pessoas têm pelos interesses dos outros.

5.Este ponto de vista, implica um downgrade numa noção sacrificial do altruísmo, na ideia de que só é altruísta quem nega totalmente o interesse próprio. Se quisermos encorajar as pessoas a fazerem o maior bem, sentencia Singer, não nos devemos concentrar na questão sobre se aquilo que fazem envolve sacrifício, no sentido em que as torna menos felizes. Ao invés, devemos concentrar-nos na questão sobre se aquilo que as faz felizes envolve aumentar o bem-estar dos outros. Se quisermos, podemos redefinir desta forma os termos egoísmo e altruísmo, de modo que refiram se os interesses da pessoa incluem uma forte preocupação com os outros – neste caso, chamemos-lhe altruísta, independentemente de a sua preocupação com outros envolver um ganho ou uma perda para o «altruísta».

Boa semana.

Pedro Miranda

[da rubrica "reparo do dia", da ufm]

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