A ECONOMIA ALEMÃ E A EUROPA - AS LIÇÕES DE WOLFGANG MUNCHAU


O QUE PODEMOS APRENDER DA INTERPRETAÇÃO DE WOLFGANG MUNCHAU SOBRE A ENCRUZILHADA ECONÓMICA DA ALEMANHA


 
1.Wolfgang Munchau, antigo editor associado do Financial Times, diretor do Eurointelligence, especialista em economia europeia, identifica, em Kaput. O fim do milagre alemão (Contexto, 2025), a fuga de muitos dos maiores físicos mundiais – em especial, os pioneiros da mecânica quântica – da Alemanha, na década de 30 do século XX, com a ascensão dos nazis ao poder, a origem da perda da ‘sensibilidade’ alemã para o digital (a revolução do digital, aliás, ali começara), com a concomitante transferência de conhecimento e saber-fazer para os EUA (país ao qual tais insignes nomes da ciência, vários deles judeus, aportaram), imberbes, nos alvores da quarta década da passada centúria, no que ao digital diz respeito. Gottingen era, á época, a Universidade mais famosa da Alemanha, contando com 47 vencedores do Prémio Nobel, incluindo célebres físicos como Max Born ou Werner Heisenberg - e o avanço alemão, naquele que seria um domínio fundamental da vida e economia nossas contemporâneas, teria, assim, naquele momento, uma quebra fundamental (para o que se seguiria).
A física quântica “é a base fundacional da tecnologia e comunicações digitais modernas” e a saída forçada destes cientistas – no que ao leitor português recordará séculos pretéritos em que o país muito perdeu na expulsão de pessoas, qualificações e competências que lhe dariam outra massa crítica - implicou que “a liderança global dos EUA nesse campo permanece incontestada até hoje” (p.19).
A perenidade, as consequências a uma considerável distância temporal, um século volvido, do ocorrido em meados do século XX, recorda-nos o que são efeitos realmente transformadores – quando com facilidade e, não raro, sem efetivo conteúdo se usa o jargão das “reformas estruturais” - que a vida política produz ou contribui, decisivamente, para se produzirem: “os EUA ainda colhem os benefícios da invenção do transístor em 1947. Mantiveram essa vantagem desde então, até chegarem aos mais recentes computadores quânticos experimentais. Similarmente, a invenção do motor de combustão garantiu à Alemanha décadas de lucros gordos” (p.77). Só que “o superciclo alemão está a chegar ao fim; o dos EUA continua forte”.
O sistema de saúde e a polícia alemãs ainda utilizam máquinas de fax (p.25), a cobertura de telemóveis nem sempre é a melhor em terras germânicas, há um predomínio da utilização do dinheiro físico e fraca infra-estrutura de pagamentos com cartão. Ao que acresce, na denúncia de Munchau sobre a perda do digital como elemento crucial para a prosperidade alemã ficar aquém do que podia e devia, cientistas com peso importante na opinião pública – e temos uma referência em particular ao neurocientista e psiquiatra Manfred Spitzer – a rejeitarem, liminarmente, “qualquer conteúdo digital” na escola. Algumas universidades alemãs permanecem das melhores do mundo, mas não logram transformar a pesquisa (resultados da) em negócios. Em síntese, no entender do antigo colunista do The Times e The Spectator, a recusa em utilizar tecnologias modernas – Alemanha demasiado presa a tecnologias e empresas antiquadas e sem grandes apoios para startup [das 10 startup com maior capitalização, no mundo, nenhuma é alemã] - “foi o pecado original” da desaceleração/estagnação, e até ligeira recessão, económica alemã [o país ainda não possui um Ministério para o digital].
Para Wolfgang Munchau, a UE, que crê ter um relevante papel na regulação da Inteligência Artificial, só importará enquanto poder normativo neste contexto quando possuir expertise bastante acerca do mesmo e, sobretudo, empresas de relevo nessa área (sem o que nada irá regular no campo da IA; nenhuma empresa alemã está na vanguarda na área da Inteligência Artificial).
 
2.Um outro ponto sublinhado a traço grosso por Wolfgang Munchau na inventariação dos défices da economia/política alemã – que mantém, note-se, na química e na mecânica, nos carros de luxo, na transição para energias renováveis, na biologia e na electrónica áreas de clara supremacia e competitividade acrescida relativamente aos parceiros internacionais, o crescimento não será binário, mas a queda não será sem mais; o declínio estrutural não significa crescimento negativo ano após ano, mas crescimento médio mais baixo do que antes da  mudança se dar – prende-se com i) a aposta excessiva na indústria (“a direita queria os lucros da indústria. A esquerda queria os empregos industriais. Os Verdes sonhavam com uma indústria verde. Ninguém questionava a excessiva dependência da Alemanha da própria indústria”, p.212), faltando diversificação económica [e uma indústria que só pensa a curto-prazo; Munchau considera que a Alemanha se deve preparar para um mundo pós-industrial, o que é curioso, porventura, fora daquele país quando tanto se fala em reindustrialização] e com ii) fixação num dado sector, no seio da indústria, com graves riscos e problemas quando este é afectado – a indústria automóvel é um “bom exemplo” do risco de concentração (cluster risk); se o sector no qual se concentra a aposta, no qual se fixa o risco, cai arrasta consigo uma série de outras indústrias fornecedoras [no caso da indústria automóvel alemã, e só diretamente, emprega 786 mil pessoas; os alemães adormeceram relativamente aos carros eléctricos]. Para voltar ao sector automóvel, hoje a “China é o maior exportador mundial de automóveis” (p.143). Também em Portugal esta questão – aposta, concentração, clusters - tem preenchido importantes debates económicos sobre o futuro do país, no último ano, e, sem que haja, naturalmente, uma arbitragem exterior definitiva sobre o tema, tomamos nota de lições que se extraem em outras geografias.

3.Problema maior alemão o modelo de neomercantilismo, assente em grandes excedentes comerciais, dependência elevada das exportações, conservadorismo orçamental e monetário levado ao limite, o consequente corporativismo a nível interno, traduzido por subordinação da política nacional e até do bem comum “aos interesses de certos ‘campeões’ industriais” (p.29). Em realidade, “o objectivo não é maximizar o bem-estar social, mas proteger o modelo de negócios da indústria” (p.162). Sem teorias conspirativas, mas constatando a realidade objetiva do modelo económico prosseguido, Munchau regista que a “WW e a Porsche têm o governo na mão – essa tem sido a realidade desde que Gerhard Schroeder [cuja alcunha era ‘chanceler da indústria automóvel’] chegou ao poder em 1998” (p.66). Os permanentes excedentes comerciais funcionaram até a China, os EUA e o Reino Unido funcionarem como “escoadores”, “absorventes” desse excedente – realidade que desapareceu, entretanto. A China, numa habilidosa gestão político-jurídica com os seus interlocutores internacionais, aprendeu a fazer (“a relação não era equilibrada. Quando as empresas alemãs investiam na China, estavam sujeitas a controlos. Tinham de transferir o seu Know-how técnico para as suas empresas parceiras chinesas”, p.141) e, atualmente, ganha na relação comercial com a Alemanha – a Alemanha é, hoje por hoje, mais dependente da China, do que a China da Alemanha [não há, por esta data, um único carro alemão no top 10 de vendas na China; A Comissão Europeia “está agora a planear a imposição de tarifas punitivas sobre os fabricantes chineses de automóveis, devido a subsídios desleais”, p.145] a que acresce que vai desacelerando no quantum de crescimento económico -, Trump irrompeu com as tarifas e uma guerra comercial, o Reino Unido passa horas difíceis em termos económicos…A aposta neomercantilista e corporativa, como que recuperando o eco de que “o que é bom para a General Motors [Wolkswagen, Mercedes…] é bom para o país”, criou, ademais, uma amálgama de políticos facilitadores – de que Schroeder [“vejo Schroeder como um dos primeiros populistas modernos (…) foi [também] o chanceler mais corporativista de todos os tempos”, p.95] foi, porventura, o principal actor -, de uma banca e uma industria como que indistintas. Os empresários que se faziam a si mesmos, sem ajudas estatais, sem proximidade com o poder político, desapareceram há décadas, também, na Alemanha.

4.O conservadorismo orçamental e monetário levados ao limite foram, porém, a âncora de uma visão, a certa altura consensualizada na política partidária alemã (país que se definiu, historicamente, através da ideia de trabalho produtivo), e que travou um potencial de crescimento económico maior, os investimentos necessários em infra-estruturas para o alcançar (“uma auto-estrada a sul de Dortmund, um eixo de transporte crucial entre o norte e o sul, está fechada há vários anos depois dos testes terem revelado que uma ponte se encontrava em risco iminente de colapso. Testes adicionais mostraram que todas as sessenta pontes dessa autoestrada precisavam de reparação (…). Também se nota na rede móvel, que deixa muitas zonas rurais sem cobertura. E não, não há 5G em lugar nenhum onde tenha estado”, p.202), o impulso urgente para o conseguir. Esta é a história da queda do keynesianismo entre os social-democratas (o último defensor da abordagem keynesiana, sendo, há um ano, ministro das Finanças de Schroeder, demitir-se-ia em discordância política com opções do Governo e PM do seu partido, o SPD – estávamos nos anos finais da década de 90), da imposição arbitrária de tetos em métricas orçamentais, visão plasmada e imposta, ainda, em âmbito europeu, da colonização neoliberal da social-democracia. Hoje que sabemos que como explicava, há uma semana, o especialista em política internacional de ElPaís, Andrea Rizzi, “os ordoliberais alemães já se desprenderam do seu dogmatismo austericida”, agora que verificamos o compromisso entre os dois maiores partidos alemães para mudar a regra travão (constitucional) que impedia défices orçamentais superiores a 0,35% do PIB – com as respectivas declinações no modo como nos estados federados se cumpria a norma do aperto orçamental era aplicada – vale a pena lançar, de novo, um olhar para o que sucedeu na Europa, neste contexto, desde 2010. E ter a noção, em apelos sebastiânicos reiterados que, a meu ver, se afiguram, de todo, destituídos de pertinência, de como, em Portugal, parecemos passar ao lado das aprendizagens, do conhecimento, dos debates, das lições que as políticas prosseguidas no pós-Grande Recessão mereceram. Acabado de publicar mesmo antes do acordo para a mudança da regra travão, na Alemanha, Kaput. O fim do milagre alemão, de Wolfgang Munchau oferece-se, em especial nos dois capítulos finais da obra, como uma profícua síntese do estado da arte da discussão económica e dos quinze anos – que sucedem a mudanças cruciais nas ideias e práticas políticas hegemonizadas - percorridos até aqui: “Poucos economistas alemães criticam os excedentes de exportação ou, Deus nos livre, defendem défices orçamentais para os compensar. O excedente do sector privado poderia ser equilibrado pelo sector público, mas essa possibilidade existe apenas para lá da imaginação daqueles que participam regularmente no debate económico alemão [p.156] (…) O meu excedente é [em realidade] o teu défice [p.158] (…) Não existe nenhuma teoria económica que diga que o orçamento deva estar equilibrado todos os anos [p.159] (…) [Os alemães] opunham-se a estímulos fiscais ativos até muito recentemente. O estímulo económico é algo estranho à cultura alemã [p.164] Em 1998 (…) Kohl perdeu as eleições para Gerhard Schroeder (…) O SPD chegou ao poder. Mas já não era o mesmo SPD de Helmut Schmidt, que em 1979 concordou numa reunião do G7 que a Alemanha actuaria como locomotiva económica global através de um grande aumento do défice orçamental. Naquela época, os keynesianos como Schmidt ainda estavam no comando do SPD. Durante a década de 1990, o SPD assumiu uma viragem distintamente conservadora em relação à política orçamental. Os sociais-democratas tornaram-se paranoicos quanto a serem rotulados de gastadores irresponsáveis e incompetentes em tudo o que dissesse respeito a dinheiro, uma herança das batalhas políticas dos anos 70. Isto apesar do partido ter tido alguns dos ministros das Finanças mais competentes da história da Alemanha, incluindo o próprio Schmidt e o Professor Karl Schiller, no início da década de 1970. Durante esse período, o SPD seguiu uma política económica keynesiana, como muitos partidos de centro-esquerda faziam na época. Mas, nos anos 1980, os conservadores fiscais tomaram o controlo em toda a parte. Tanto na academia como na política essa foi a era da ressurgência conservadora (…) [Oskar Lafontaine, presidente do SPD em 1998, ministro das finanças durante alguns meses] era uma espécie rara de keynesiano alemão, defensor de mais gastos públicos para investimento. Schroeder, pelo contrário, era um conservador fiscal que acreditava em acordos corporativistas. Lafontaine nunca falou em detalhe sobre esse episódio [da sua demissão do governo], excepto para deixar claro que discordava do que considerava serem as políticas neoliberais de Schroeder [pp.166-167] (…) O seu [de Peer Steinbruck, ministro das Finanças, do SPD, na coligação de governo liderada por Angela Merkel, em 2005] legado duradouro foi o “travão da dívida” – provavelmente a pior regra orçamental já criada por qualquer governo em qualquer lugar. Quando falamos sobre o “travão da dívida” devemos sempre recordar que esta monstruosidade foi inventada pelo SPD [p.168] (…) O travão da dívida (…) tornou-se uma máquina de destruição fiscal. O Pacto de Estabilidade [e Crescimento da UE] que a Alemanha tinha insistido em criar, e que mais tarde violou, nunca teve um enquadramento operacional eficaz (…) Um dos aspectos mais surpreendentes do travão da dívida foi o grau de consenso a seu favor. O SPD sob a liderança de Steinbruck tinha-se deslocado tanto para a direita que até a regra de manter o nível de investimento líquido foi considerada um acto de despesismo [p.169] (…) A pior consequência do travão da dívida tornou-se evidente durante a crise da dívida da zona euro, que começou em 2009, levando a uma queda nos investimentos líquidos. Sempre que os governos impunham austeridade, acabavam sempre por cortar nos investimentos líquidos. (…). As transferências sociais ou os gastos com defesa não podem ser interrompidos durante uma recessão. Mas os investimentos que não são realizados não gritam tão alto como os beneficiários de apoios sociais ou os contribuintes. Quando a austeridade é imposta, o investimento é sempre o primeiro a ser atingido. E, como a Alemanha impôs austeridade a si mesma, forçou essencialmente os outros países a fazerem o mesmo. Todos aplicaram a mesma estratégia ao mesmo tempo, subestimando as consequências de uma austeridade sincronizada (…). Os defensores do travão da dívida invocavam frequentemente os interesses das gerações futuras, argumentando que estas não deviam ser sobrecarregadas com a dívida dos seus antecessores – o argumento clássico dos conservadores fiscais. O contra-argumento é que prejudicamos ainda mais as gerações futuras se pouparmos na educação ou na infraestrutura. Em Junho de 2009, escrevi na minha coluna do Financial Times que o limite de 0,35% era economicamente iletrado e levaria a uma redução nos investimentos. Foi isso exatamente que aconteceu” (p.172).

5.No espectro oposto à abordagem alemã, tem-se encontrado a aproximação orçamental francesa. França viola, há 10 anos, as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, apresentando, sucessivamente, em anos recentes, défices orçamentais acima dos 5%. A dívida francesa está nos 110% do PIB. No dizer de Wolfgang Munchau, a França “é grande demais para falir e grande demais para ser salva”. O que poderia alcançar-se com um pequeno estado da periferia, não é possível suceder (no possível ‘rebocar’) de um grande europeu. A situação francesa poderá, durante alguns anos como que camuflar-se, mas deflagrará mais tarde ou mais cedo, assinala Munchau. A grande “divergência” franco-germânica oferece-se, de resto, como um dos grandes problemas europeus e a lição orçamental/económica parece clara: a recusa quer do zero (em) investimento (líquido), em nome de regras arbitrárias, que prejudicam a economia e, com ela, as gerações actuais e as gerações vindouras, quer da (inexistente) necessidade (possibilidade) de todos os anos um país registar robustos défices orçamentais que o levem para um plano inclinado da (in)sustentabilidade.

6.Houve 633 mil postos de trabalho por preencher, na Alemanha, em 2023 (“apenas” 138 mil por preencher em 2013). A tendência de trabalhos por ocupar foi mais acentuada entre aqueles ditos “mais qualificados”, mas áreas comumente referidas como assim o não sendo, como a restauração, tiveram, igualmente, muita falta de mão de obra – levando pequenas empresas do ramo a fechar, tal como fábricas encerraram linhas de montagem pelo mesmo motivo. O alemão Wolfgang Munchau com filhos alemães nascidos fora da Alemanha, articulista do New Statesman, atribui à complexidade e entraves legais/burocráticos à inserção de pessoas que nasceram fora da Alemanha – incluindo os que são de nacionalidade alemã – a responsabilidade de tal realidade, evidentemente balizada por um quadro de baixa taxa de fecundidade (alemã). As lacunas sentem-se tanto no privado, como no público: “até 2030, 1,3 milhões de funcionários públicos terão atingido a idade da reforma. A geração baby boomer está gradualmente a reformar-se. Atualmente, já existem 360 mil vagas no sector público, incluindo a polícia, nas escolas e nos infantários (…). Hoje, há menos 100 mil finalistas por ano do que há dez anos. Em breve, a Alemanha estará numa posição em que o número de pessoas que saem do mercado de trabalho será superior ao número de pessoas que entram em 400 mil por ano. Este é o défice líquido que a Alemanha precisa de compensar com imigração” (p.189).
Muitos profissionais das tecnologias de informação deixam o país para ocuparem posições melhor remuneradas no estrangeiro, o mesmo sucedendo com médicos.
Integrada, há muito, no mercado de trabalho, nos quadros das empresas ou do estado, a geração de baby boomers alemães aceitou as reformas de Schroeder que implicavam moderação salarial em troco de segurança no emprego. Essas reformas, impulsionadas e desenhadas por um antigo alto quadro da Wolkswagen diminuiu os benefícios sociais e, se durante certo lapso de tempo, aumentos salariais de baixa escala podem ter ajudado à competitividade da economia alemã, revelam-se, agora, como incapazes de reterem muito do talento que exigiu mais adestramento técnico-científico e, bem assim, é insusceptível de atrair muitos dos talentos vindos da imigração que a Alemanha gostaria de fixar no seu território (“o antigo modelo económico da Alemanha dependia de mão-de-obra qualificada, energia barata, globalização e liderança tecnológica”, p.205).
 
7.A Alemanha tem 24% da população da UE e possui 34% dos bancos europeus – “a Alemanha tem bancos a mais” (p.46). A rentabilidade dos bancos alemães caiu, ao longo da última década, 30%. Na descrição de Wolfgang Munchau, “os bancos estatais serviram como veículos para que os governos federal e estaduais direcionassem fundos para o sector privado (…) um fundo privado para contornar os contribuintes” (p.48). Há 20 anos, entre os 20 maiores bancos, quatro eram alemães. Hoje, não é possível vislumbrar algum entre o topo mundial. Em novembro de 2023, o Deutsche Bank era o 729º do ranking global; o Commerzbank era o 1123º (p.50). Munchau, que assinou em um dos mais reputados periódicos pró-business, considera que a Europa devia criar “uma verdadeira união dos mercados de capitais” e que sendo “o investimento público importante”, “o que realmente impede o desenvolvimento económico da Europa é a falta de fluxos de capital para os negócios mais rentáveis” (p.211).
 
8.Encerrar centrais nucleares, depois de desastres ambientais ocorridos – nomeadamente, em Fukushima, no Japão, em 2011 - em outras paragens foi reivindicação de que Os Verdes, cuja origem remonta aos movimentos anti-nucleares dos anos 70, foram principais artífices, mas seria com Angela Merkel que se imporia, na Alemanha, o encerramento, do recurso a energia nuclear, até 2023. Tal reforçou a dependência alemã do gás russo – e, agora, não vai ser possível eliminar o carvão, pelo menos, até 2030. Mais barato do que aquele que as indústrias de outros países beneficiavam (demasiado barato para ser verdade, p.116), tal recurso foi apoiado por todo o status quo. Parcos em visão geopolítica, os líderes alemães – políticos, industriais, comerciais – julgaram que o fomento do comércio iria propiciar a abertura liberal democrática na Rússia. O consenso durou até 2014, altura da guerra na Crimeia, mas não faltaram líderes industriais, associações de comércio, políticos alemães que, mesmo após 2022, defenderam o business as usual como forma de lidar com a agressão e invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin. É o neomercantilismo, de novo, a falar mais alto: “quando um país depende das exportações para a sua subsistência, deixa de ver Vladimir Putin pelo que ele realmente é e passa a vê-lo como o homem que fala alemão fluentemente, tem modos antiquados e dança com a ministra dos Negócios Estrangeiros austríaca no seu casamento. Isto é o que um excedente estruturalmente elevado na balança corrente faz às pessoas. Acabam por convidar um ditador para o seu casamento ou fazem dele padrinho dos seus filhos, como fez Gerhard Schroeder” (p.161).

Pedro Miranda




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