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A mostrar mensagens de setembro, 2022

NA MARGEM (RAFAEL CHIRBES)

  Na Margem A meio de Agosto, morreu Rafael Chirbes , por muitos considerado um dos maiores escritores europeus na actualidade, autor do muito estimável Na margem , dito maior romance publicado até agora sobre a crise dos últimos sete anos, foi prémio narrativa 2013, em Espanha. Com tradução do vilarealense Rui Pires Cabral , e a chancela da Assírio e Alvim , foi, para mim, uma excelente companhia estival. Com efeito, um dos prazeres deste Verão foi ler a sua escrita despudorada, carnal, sem contemplações, corrosiva, de um sarcasmo capaz de nos interpretar sem complacência. Conseguindo captar a coloquialidade, na sua forma mais bruta e nua, com a força que essa autenticidade carrega, mais desveladora de um modo de pensar e sentir (de um personagem, de um olhar sobre o mundo) do que uma purga eventual de interjeições politicamente incorrectas (inscrevendo-se nessa tradição, portanto), ao mesmo tempo que o artifício literário (“ dizer o homem é inocente é um oximoro” ), a capacidade de

PROFESSOR JOÃO MANUEL DUQUE, PRÉMIO ÁRVORE DA VIDA

  O que diz, e o modo como diz, é tão importante que, mesmo em tempo letivo, viajamos para o ouvir de novo, as aulas estimulam, e nunca exaurem, o interesse pelo que transmite e encontramo-lo, e sugerimos a sua escuta e leitura, numa noite do Centro Católico do Porto (“ajuda-me a pensar”, dirá, então, do convidado, Joaquim Azevedo). A viagem pode ser, depois, digital, há, por exemplo, uma conferência – a rever no Youtube - numa universidade brasileira, repleta de um entusiasmo que traz consigo no regresso, e onde continuará a perscrutar e interpretar a cultura digital (ali tão intensamente dissecada), detectando, nela, o que só a densidade e originalidade com (e do) que pensa é capaz de discernir. Sim, sem dúvida, ajuda-nos a ler o mundo (e até a ter que repensar, com a sua exigência, cada palavra de cada frase a dizer), de tal modo marcante na verdade que as aulas contêm, na honestidade intelectual e democraticidade das mesmas, no respeito do modo de crer e na valorização e articulaçã

REVISITANDO CLÁSSICAS DISTOPIAS: "1984", de GEORGE ORWELL

  Revisitando clássicas distopias: 1984   A mais recente ocasião em que, no nosso espaço público, o Orwell de “1984” foi convocado prendeu-se com uma monitorização (ou higienização) a promover, pelos poderes públicos, nas redes sociais quanto a notícias inventadas/falsas em tempo covid – se bem que, de modo mais intenso, porventura, na última década e meia, se tenha apontado aos gigantes tecnológicos o rótulo de Grande Irmão por, supostamente, conhecerem, como ninguém, os recônditos de cada indivíduo. Muitas vezes citada, mas muito menos lida, a distopia orwelliana vai conhecendo sucessivas reedições a nível global e o Verão pode ser ensejo para ler, ou reler, este clássico. Eis um guião possível.   1.Num mundo (aparentemente) dividido em três grandes Super-Estados - Oceânia, Eurásia e Lestásia -, em estado de excepção (e de guerra) permanentes, encontramo-nos em Londres (ou Pista Um), a terceira província mais populosa da Oceânia, em Abril de 1984, acompanhando, especialmente de perto

FILME PARA A REENTRÉ ESCOLAR: O PROFESSOR BACHMANN

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  FILME PARA A RENTRÉE ESCOLAR: " O PROFESSOR BACHMANN E A SUA TURMA " ("HERR BACHMANN UND SEINE KLASSE", MARIA SPETH , 2021) A certa altura, diz o Professor Bachmann a um aluno na sala de aula: "queria agradecer-te, porque quando passo no recreio vejo que estás sempre a sorrir e isso dá-nos a ideia de que a vida é uma coisa boa. Queria agradecer-te por estares sempre bem-disposto". Revi-me completamente no agradecimento; pensei: 'foi o que, entusiasmado, procurei transmitir ao João sobre a carícia ternurenta à Patrícia ou à Bruna quando pediu para sair da sala para ir consolar a Joana'. Outra cena: no final, o professor entrega a avaliação que faz de cada aluno, num formulário preenchido para o efeito e diz: "isto é uma coisa que não tem nada a ver com o que vocês são; isto é uma coisa menor, a avaliação em matemática e alemão; o mais importante é vocês serem os jovens excelentes que são". Muitas vezes, vincula-se estritamente, sem tira

PAIS À MANEIRA DINAMARQUESA (JESSICA ALEXANDER E IBEN SANDAHL)

  Pais à maneira dinamarquesa . Jessica Alexander e Iben Sandahl 1 . O modo como elogiamos uma criança, um filho , pode ser determinante para o tipo de inteligência que desenvolve: preferível é o foco ser colocado no processo, na tarefa ("esforçaste-te muito e deu resultado", "o que conseguiste foi fruto das horas que dedicaste"), mais do que na  inteligência ela mesma  ("és muito inteligente!"). No segundo dos casos, estar-se-á a contribuir para o forjar de uma  inteligência fixa , com o (humano jovem) alvo de tais encómios a ficar mais dependente do elogio alheio (do que da motivação intrínseca), a desejar, de imediato, a perfeição (e, logo, a arriscar menos, a não querer, ou rejeitar, tarefas mais complicadas/arrojadas), a ter mais dificuldades quando dificuldades/obstáculos surgem; numa palavra, a ser menos resiliente. E sabe-se da centralidade da resiliência como factor fulcral no bom reagir às mais variadas (e adversas) circunstâncias da vida. Uma

A MÚSICA DA VIDA DEPOIS DOS 70

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  Serestas, entre diferentes grupos de maiores de 70 anos, a música não é apenas uma paixão, mas a vida orgânica, o sopro, o andamento do quotidiano, o veículo para a expressão de valores individuais/comunitários, numa palavra, a sua  “ razão de viver, a razão de ser ” . "Guardiões de uma memória", assinala o realizador  Sérgio Tréfaut , todos cantam "Carinhoso", o "hino brasileiro não oficial". Pessoas acordando cedo pensando na canção que vão interpretar à noite. Náufragos de uma sociedade que não acolhe mais aquela autenticidade, a remete para as margens, muito menos criativa, em muita da actual cena  funk , por exemplo, do que a dos poetas populares, arredios da sociedade do parecer, do novo-riquismo que a  Globo  inculca (vinca Tréfaut). Juntos, em vários grupos de anónimos, “belíssimos e monumentais”, nos Jardins do Palácio do Catete (comparado ao Jardim da Estrela, na realidade lisboeta) – anterior sede da Presidência da República brasileira antes d

PRODÍGIOS PORTUGUESES (ONÉSIMO TEOTÓNIO DE ALMEIDA)

  Os prodígios portugueses foram revolucionários? 1 .Nem em/com Portugal se tinha dado uma revolução científica antes daquela (propriamente dita), reconhecida oficialmente, em Galileu e Newton , no século XVII – como pretenderiam alguns historiadores nacionais -, nem, muito menos, Portugal pode ser esquecido ou ignorado, como o é pela generalidade da historiografia anglo-americana, no que aos importantíssimos impulsos à ciência - que a expansão marítima nacional alcançou, nos séculos XV e XVI -, diz respeito. É este entendimento – in medio virtus , recusando sub e sobrevalorização do empreendimento luso no que ao aduzir à ciência importa - que leva Onésimo Teotónio de Almeida a rever o estado da arte – que específico contributo português no que à ciência concerne, durante o seu período de Expansão, e respectiva valoração no quadro global do acquis de sucessos científicos e de mentalidades/forma mentis então prevalecentes? - em um conjunto de ensaios recolhidos em “O Século dos Prod