FRANCO, O CAUDILHO

 
Franco, o Caudilho

A mais recente biografia de Francisco Franco Bahamonde (1892-1975), da autoria de Julián Casanova, Catedrático de História Contemporânea na Universidade de Saragoça, Professor Visitante da Central European University de Viena, Prémio das Letras Aragonesas, investigador da ditadura, da violência e dos debates sobre autoritarismo e fascismo, um dos maiores historiadores espanhóis do século XX e grande especialista na guerra civil espanhola e na compreensão da vida do Caudilho, mostra que o biografado, nascido, a 4 de Dezembro de 1892, em Ferrol (Província da Corunha, Galiza), no seio da classe média-baixa, cedo devotado ao mundo militar (entra aos 14 anos na Academia Militar que, então, formava para a guerra), não se explica sem África (onde, depois de colocado em Marrocos como desejava, se destacará, desde logo na elogiada defesa de Melilla, ele que ainda criança ficara chocado com a perda de Cuba e das Filipinas pela Espanha), no crepúsculo imperial espanhol (no seio do Exército, uma ascensão vertiginosa: General em 1926, Generalíssimo em 1936 e Caudilho em 1939). Vivendo sob diferentes regimes políticos, moldando, sem restrições, um outro que levará para sempre o seu nome, revelar-se-ia um homem para todas as estações. Alinhado, fortemente, com as potências do Eixo, decisivas para abater a República, e enquanto a Alemanha de Hitler parecia ir vencer a Segunda Guerra Mundial (1939-1945); satisfazendo todas as demandas dos Aliados quando se percebe, decisivamente, que estes ganharão o conflito bélico; líder de um Estado com enormes similitudes com o fascismo até 1945 e quase pária, por aquele vínculo com os regimes liderados por Hitler e Mussolini, na cena internacional, no imediato pós-II Guerra (e até à guerra da Coreia, a partir do momento em que chega a um acordo com os EUA que o devolve à mesa dos grandes, e agora transmutado, mudança de narrativa, em chefe de uma “democracia católica” e guarda avançada na luta contra o comunismo), com a utilização de um confessionalismo católico para mobilizar tropas e legitimar internamente a ditadura, e justificar, no exterior, todas as acrobacias de aquisição e manutenção, até à morte, do poder, assim, Francisco Franco, o homem que apontava o dedo às “democracias plutocráticas” e acabou por alcançar, com a ajuda crucial dos EUA, um crescimento económico, na década de 60, que permitiu, finalmente, passar do intrépido caçador da “canalha maçónico-judaica-marxista” à imagem de desenvolvimentista e avô extremoso de fim de carreira. Como previu e ameaçou, só saiu do poder para o cemitério.
 
1.No dia (1 de Abril de 1939) em que, após uma brutal guerra civil (1936-1939), se dá a proclamação do novo regime (ditatorial) em Espanha, que viria a ser liderado por Franco (durante 36 anos), bem como nos dias seguintes, não há, entre os sublevados, quaisquer referências a Deus ou à religião. Essa será uma construção, fundamental, posterior. Determinante, aliás, aquela, em particular em algumas regiões (do país vizinho), no apelo a derrubar o governo republicano democraticamente eleito – que colocaria em causa, segundo os que se rebelaram, a “civilização cristã” – e, bem assim, a quando da implantação do regime autoritário, na legitimação do mesmo. Por último, a procura, pelo franquismo, ainda que puramente tática e sem crédito a nível internacional, finda a Segunda Guerra Mundial, de se dissociar da Itália de Mussolini e da Alemanha de Hitler passou pela afirmação de que Espanha não teve um regime fascista, porque este não se baseia no princípio do catolicismo (a que diz aderir por completo).

2.Mau grado o regime franquista pretender assentar na Igreja como um dos seus três pilares – juntamente com o Exército e o partido único, o Movimiento -, durante a guerra civil, em Guipúzcoa, localidade do País Basco, os sublevados, cuja cadeia (última) de comando viria a ser liderada por Franco, assassinaram 16 sacerdotes (13 diocesanos e 3 religiosos). Estes, obrigados a vestir à paisana, para não fazer publicidade, em juízo sumário, foram fuzilados.

3. Gernika era um símbolo da identidade basca. Foi inclementemente atacada pela Legião Condor, enviada pela Alemanha nazi, e pela italiana Aviazione Legionaria, em favor dos que procuravam destruir a Segunda República.
George Steer publicaria no The Times e no The New York Times reportagem sobre tal acontecimento. Peça jornalística, essa, que daria a volta ao mundo (evocação que Picasso expandiria, ainda, em célebre quadro). Nesse trágico evento em Guernica, bombas são lançadas sobre uma população civil indefesa - estavam 10 mil pessoas no mercado (“Guernica foi a primeira destruição total por bombardeamento aéreo de um alvo civil indefeso. Consequentemente, a Guerra Civil de Espanha está gravada na consciência europeia não simplesmente como um ensaio para a guerra maior que aí viria, mas porque pressagiou a abertura das comportas para uma nova e horrífica forma de guerra moderna que era universalmente temida”, Paul Preston, “A guerra civil espanhola”, 2020, p.23). Eis o que, de resto, confirmava o que intelectuais católicos como Jacques Maritain e François Mauriac estavam, já, a difundir no estrangeiro: (que) na "Espanha cristã" de Franco assassinava-se sem piedade.
O futuro caudilho intercede junto dos bispos católicos, garantindo ter-se tratado, em Guernica, de um ataque perpetrado pelas forças republicanas. Aqueles devem caucionar tal narrativa. E se, hegemonicamente, a hierarquia, como nas décadas seguintes, assentirá na palavra e acção de Franco (e a sacralização de tal personalidade foi elemento fundamental na sua perpetuação no poder), Francesc Vidal i Barraquer, arcebispo de Terragona, da Catalunha, (encontrando-se) em Itália, não respondeu afirmativamente ao pedido do generalíssimo - e o bispo de Vitória, do País Basco, Mateo Múgica, também não.  O bispo de Terragona seria, anos depois, impedido de entrar em Espanha, já o franquismo se encontra plenamente instalado. O prelado, em suma, percebeu, desde o exílio, na ditadura de Franco, o abuso de "actos aparatosos de catolicismo", de um catolicismo "belicoso" que tinha trocado "o espírito de caridade, suavidade e mansidão evangélicos pela violência, represálias e castigo". Assim o expressou ao Papa Pio XII em 1939 e em 1940. Algo que constituía "uma reacção política contra o laicismo perseguidor anterior, [mas] com o qual [agora, assim respondendo] corre-se o perigo de tornar odiosa a religião aos indiferentes e aos partidários da situação anterior" (pp.168-169).
O mesmo Franco que aprovou a morte e mutilação de prisioneiros (republicanos), tendo saído desumanizado da guerra civil, ouvia missa todos os dias às 9h30 e, sempre que possível, juntava-se à sua esposa para rezar o rosário (Goebbels, no seu diário, retrataria o ditador espanhol como “fanático beato”, nas mãos da mulher e do padre confessor). Um católico conservador, como George Bernanos, que tinha uma pré-disposição a apoiar Franco, vendo (em Maiorca) execuções a sangue frio de meros suspeitos de serem republicanos, indignou-se com parte do clero espanhol - algum do qual, como o navarro, ingressando, mesmo, nas fileiras bélicas propriamente ditas, enquanto o clero basco se distinguia da posição hegemónica então tomada no sentido da existência e da militância de uma/numa Cruzada e de uma segunda Reconquista, anteriormente aos mouros, agora aos rojos - e previu, acertadamente, que a guerra civil espanhola deixaria o mundo “pronto para todo o tipo de crueldades”. No dizer de Thomas Banchoff e Pankaj Mishra, “a independência de pensamento e de espírito de Bernanos e a sua aguda consciência política eram típicas de muitos escritores e pensadores católicos entre guerras (…) O seu meditado compromisso com a fraternidade humana – a solidariedade dos esperançados em tempos sombrios – era a demonstração da força espiritual do cristianismo que, mais do que nas instituições eclesiásticas, se manifestava na mensagem evangélica da compaixão pelos débeis e oposição a toda a forma de ódio e crueldade (…) Jacques Maritain, um destacado intelectual católico da época, redigiu um manifesto antifascista, criticou o liberalismo individualista, denunciou o anti-semitismo, o racismo e o colonialismo e, em 1948, ajudou a elaborar o célebre relatório da UNESCO sobre os direitos humanos. Os ideais de dignidade e fraternidade humana universal, tão importantes nos documentos fundacionais das Nações Unidas ver-se-iam refletidos pouco depois nas Declarações do Concílio Vaticano II, a rotunda abertura da Igreja ao mundo moderno” (ElPaís, 03-06-2025).
Durante a guerra civil espanhola, a (primeira grande) batalha por Madrid (ganha pelos republicanos) dura quatro meses. Vicente Rojo, o militar que defendeu Madrid pela República (quando esta, e entre outras operações, sofria os ataques aéreos das forças insurrectas, antecipando, assim, em quatro anos, o que viria a suceder com Londres e sua população em relação aos ataques das forças do Eixo), definiu-se sempre como "católico, militar e patriota" e viu-se num furor - ainda que não em uma neutralidade, como vimos de assinalar -, entre o grupo de golpistas com os quais não se identificava e os milicianos que queimavam igrejas.
 
4.Franco, um homem destituído de sentido de humor, foi condecoradíssimo durante a República. Não é verdade que no dia 1 da República franco estivesse, já, com o gatilho na pistola pensando em derrubá-la. As fontes não o indicam, tal como não o indica a sua trajectória em boa parte deste período – afirmar o contrário é reescrever/inventar/reinventar a História.
A 12 de abril de 1931 dá-se um plebiscito entre monarquia e república. A II República emerge - e o rei abandona Espanha, rumando a Paris (a I República surgira ainda no século XIX, à entrada para o seu último quartel, quando os descontentamentos populares e de estamentos como o Exército realizam pronunciamentos que redundam na abdicação de Amadeu de Sabóia; todavia, a I República durou pouquíssimo tempo, com o Exército a restaurar a monarquia na pessoa de Alfonso XII). Dá-se, então, para o Governo provisório, uma ampla coligação republicana com nacionalistas catalães, galegos, republicanos de esquerda e a direita liberal republicana, plasmada no Pacto de San Sebastian. Nas eleições, para as Cortes Constituintes, de 28 de Junho de 1931, uma coligação entre socialistas e republicanos de esquerda sai vencedora (250 mandatos, dos quais 116 do PSOE; a direita obteve apenas 8 mandatos). Em Dezembro de 1931 é aprovada uma nova Constituição que ao limitar o financiamento estatal a ordens religiosas e ao impor a dissolução de algumas destas, como a dos Jesuítas, irá suscitar divisões, não levando suficientemente em conta o vínculo religioso de muitos milhões de espanhóis. O Governo Republicano tinha, em postos de referência, ministros católicos – como a que sinalizar que o Executivo não derivaria em medidas de cunho mais extremado -, mas a mudança constitucional iria gerar resistências entre o povo católico (em 1932, os cemitérios da Igreja passaram para a jurisdição dos municípios. Houve casos de cobrança de impostos aos enterros católicos e de procissões funerárias proibidas; a remoção dos crucifixos das escolas e de estátuas religiosas dos hospitais sucedeu, também, num período em que procissões e festas religiosas foram, em alguns locais, tal como o toque dos sinos de Igrejas, proibidas, com festas laicas a emergirem em sua substituição – noutros casos, concorrência; à esquerda, apontava-se a Igreja como factor de legitimação das forças mais reaccionárias ao longo dos tempos e daí a sua aversão aquela). Ao mesmo tempo, a violência nos campos, com a extrema pobreza dos trabalhadores e a não permissão de avanços para estes pelos poderes fácticos engendravam novas crises (o deliberado incumprimento da lei quanto a horas de trabalho por dia, pagamento de horas extra, recusa de efectuar as sementeiras, contra o que a lei estipulava, como forma de combate político, etc.).
Durante o devir republicano – muitos possuem a ideia de que a República é uma peça de um só acto, 1931-1936, mas esta teve a direita a liderá-la entre Novembro de 1933 e Fevereiro de 1936, com, por exemplo, Gil Robles como ministro da Guerra, ou a nomeação, neste ínterim, de Franco como Chefe de Estado Maior -, com o bloqueio, pelos sectores mais conservadores, das reformas que o povo de esquerda ansiava (em especial, quanto à questão da propriedade agrícola e apesar de direitos laborais mais favoráveis aos trabalhadores terem avançado), em 1933 uma nova eleição ocorre e o Partido Radical, o mais antigo partido de esquerda ou, segundo Preston, o único centrista e que foi derivando para posições antissocialistas e, em cada ocasião, a juntar-se aos vencedores, coligou-se com o Partido CEDA (Confederação Espanhola de Direitas Autónomas), em eleições nas quais os anarquistas se abstiveram, muitos destes desiludidos com a governação, e venceu (no que concerne à maioria dos mandatos e à formação do Executivo; “patrões e proprietários rurais celebraram a vitória com reduções salariais, despedimentos, despejando os rendeiros e aumentando-lhes as rendas. Mesmo antes do novo Governo ter entrado em funções, a legislação laboral já era olimpicamente ignorada”, Preston, 2020, p.79). Neste contexto, e muito ironicamente face ao que o futuro ditará, Franco, por diversas vezes, obterá condecorações e, mais ainda, será qualificado por jornais de direita como “o salvador da República” – “o que deliciava a direita espanhola era o facto de Franco responder aos mineiros rebeldes das Astúrias como se estivesse a lidar com as tribos recalcitrantes de Marrocos” (Preston, 2020, p.91; este referência aos mineiros asturianos remete a uma histórica greve geral, só conseguida manter por aqueles e que foi reprimida de modo impiedoso, no que é visto como o primeiro acto da Guerra Civil que se seguiria).
Todavia, em novo acto eleitoral, em 1936, o Partido Radical vai perder, nas urnas, muito do seu apoio popular, e um maior peso para as forças sindicais, operárias, anarquistas far-se-á notar. É a vitória da Frente Popular. De imediato, o Exército planeia derrubar a República. A conspiração contra a República avança, através de militares de extrema direita. Legiões são lançadas, pelas forças mais à direita, na rua para causarem fortes perturbações que possam, a seguir, justificar a reposição da ordem com recurso a uma ditadura, varrendo a República; por sua vez, à esquerda, propende-se pela via revolucionária em vez da via reformista, assustando as classes médias. Ocorre, neste âmbito, uma reunião da maior importância em casa de um corrector da bolsa, José Delgado. O protagonista de toda a trama – o diretor da «conspiração» - foi o general Emílio Mola. Franco pondera, hesita; não integra, desde o instante inicial, o golpe.
 
5.Em 1917, ainda no decorrer da Primeira Guerra Mundial, irrompe, na Rússia, a revolução bolchevique. Um ano depois, ocorrem tentativas de sublevação abortadas na Hungria e Alemanha. Novos intentos de insurreição operárias serão sufocados na Áustria e Itália. Movimentos contrarrevolucionários surgem, por sua vez, em defesa da ordem, propriedade e religião. Este movimento anti-liberal e anti-bolchevique aplanou a ascensão de Mussolini, como primeiro (líder) fascista da história. Todavia, para o historiador é nítido, “em Espanha, o bolchevismo era uma fantasia de mentes autoritárias”.
Quando estalou a I Guerra Mundial, a atitude da classe política espanhola foi de neutralidade. Espanha não participou naquele conflito bélico. Nele, a superioridade armamentista europeia subjugou povos africanos. A segunda revolução industrial tinha, desta forma (armas mais poderosas e sofisticadas europeias), uma clara influência na guerra (e seu desfecho). Durante a I Guerra Mundial assiste-se, aliás, aos primeiros exemplos de extermínio massivo na história moderna. 
 
6. Quando decidiu somar-se à sublevação, Franco era “um militar muito dotado, calculista, disciplinado e com noção do dever”. De mentalidade autoritária encarava “pacifistas, socialistas, anarquistas, bolcheviques e maçonaria” como inimigos. Em realidade, "os insurrectos sabiam o que queriam destruir, mas não o que queriam construir" (p.90). Ao contrário de Hitler e Mussolini, Franco não possuía uma ideologia definida antes da sua subida ao poder.
Luís Bolín, o correspondente em Londres do ABC - jornal monárquico que tinha sido mandado encerrar pela II República na sequência de uma disputa a propósito de um conjunto de incêndios provocados em Igrejas de diversas cidades espanholas em 1931 -, por ordem e do proprietário do periódico, o marquês de Luca de Tena, procede, na capital inglesa, ao aluguer de avião, para levar Franco das Canárias a Marrocos com vista a este colocar toda a sua expertise (militar) ao serviço da mudança de regime (mudança a qual surge justificada, após o assassinato do tenente José del Castillo, conotado com a esquerda, com o homicídio, em resposta, do político de extrema direita Calvo Sotelo). Bolín viria a ser um dos mais ardentes e extremados propagandistas do franquismo, cabendo-lhe, nomeadamente, a tarefa, junto da imprensa internacional, de negar o crime de Gernika.
Dois meses depois de entrar na guerra civil – “durante mil anos a guerra civil, se não foi rigorosamente a regra, pelo menos não foi excepção. A guerra de 1936-39 foi o quarto conflito desta natureza desde a década de 30 do século XIX (…) Nos cem anos que antecederam a década de 30 do século XX, foi possível distinguir a gradual e imensamente complexa divisão do país em dois blocos sociais antagónicos”, Paul Preston, “A guerra civil espanhola”, 2020, pp.33-34), os seus companheiros de barricada escolhem-no como líder (e será do primeiro andar do paço episcopal de Salamanca que comandará os seus que, embora com certa diversidade política, se unificarão - no que contrastará, de modo muito relevante e com consequências no resultado do conflito civil espanhol, com os seus opositores). De imediato, avança com negociações com Mussolini para obter mais meios militares para derrubar a República e faz chegar carta a Adolf Hitler a solicitar armamento (em troca, concederia minerais e direitos de mineração ao Fuhrer). Se a Espanha fica bolchevique, seguir-se-á França e a Alemanha fica liquidada, dirá Hitler. Goring, ministro da aviação do Terceiro Reich, declarou em Nuremberga que exortou Hitler a apoiar Franco para impedir a expansão do comunismo – mas, do mesmo modo, com o fito de usar a guerra civil espanhola [portanto, a população de Espanha] como cobaia na experimentação do seu material de guerra.
O führer envia, então, para os falangistas, munições, 20 aviões, 20 canhões antiaéreos, pessoal de voo e terra - operação "Fogo Mágico" [nome que derivará da ópera Siegfried representada, instantes antes de Hitler ser confrontado com o pedido de Franco para ajuda militar, em Bayreuth e a que Hitler acabara de assistir; ópera que contém a ária «Fogo Mágico»]. O Governo de Mussolini – sendo que o Duce, ainda no momento inicial da guerra civil, começa por negar as pretensões de Franco quantos aos pedidos de ajuda militar, face à ideia de que França estará próxima de auxiliar a Frente Popular e Itália não quer uma beligerância direta com os franceses, posição que rapidamente se alterará com novas informações acerca da posição francesa e porque, por exemplo, o apoio do governo do Estado Novo aos rebeldes é visto por Mussolini como contendo um pelo menos implícito beneplácito britânico - principia por aduzir uma esquadra de 12 bombardeiros aquela coligação. Há voluntários de diferentes países, embora não demasiado numerosos – aqui avultarão os 700 Camisas Azuis do batalhão irlandês, movimento fascista comandados pelo general Eoin O’Duffy, convencidos de que é a Cruzada que está em causa em Espanha -, a juntar-se, igualmente, às tropas dos sublevados.
Com efeito, ao longo da guerra entre duas Espanhas, dezenas de milhares de soldados italianos juntaram-se aos franquistas, com generais experimentados da primeira guerra mundial. Milhares de alemães fizeram-no, igualmente – “Mussolini e Hitler tornaram assim um golpe de Estado que não tinha corrido bem numa guerra sangrenta e prolongada” (Paul Preston, 2020, p.128). Os que militavam com Franco somavam, assim, cerca de 350 mil efectivos, cifra idêntica à dos efectivos do exército republicano. No ataque franquista a Málaga, dá-se o primeiro ensaio da guerre celere (a versão italiana da Blitzkrieg). A guerra civil espanhola termina em Abril e em Setembro tem início a II Guerra Mundial (na qual a Itália de Mussolini não entra no imediato, mas após semanas de conquista, em África e a Oeste, de Hitler, e com vista a ir buscar as compensações de guerra).
 
7.O Governo da República também pediu urgente ajuda internacional, nomeadamente às democracias, contra os sublevados. O governo francês respondeu que ajudaria na medida do possível - e entendeu que não era possível tal auxílio (Blum entendia que se apoiasse os republicanos, viria a existir um levantamento fascista em França, perdendo-se não só Espanha, mas também França para aquelas forças. E, sobretudo, o pavor de perder o apoio inglês e após conhecerem a posição daquele país, a não intervenção foi a decisão definitiva). A opinião pública francesa dividiu-se. Algo que ocorreu, igualmente, no Reino Unido (ainda que inquéritos de opinião, mesmo em 1939, indicassem que 70% dos britânicos reconheciam a República como governo legítimo espanhol; não assim, porém, entre as elites económicas e políticas, nas quais a comunhão de pertença e de visão com os rebeldes era grande; embora trabalhistas e conservadores concordassem no pacto de não agressão, líderes trabalhistas tiveram declarações de apreço pelos republicanos, sendo que Attlee visitou Espanha para mostrar admiração pelo pessoal das Brigadas; vários membros do Partido Trabalhista, a título individual, financiaram e integraram as brigadas internacionais que avançaram para Espanha em favor da República; Preston, pp.147 e ss.). No caso desta potência, o (seu) cônsul em Barcelona, Norman King, informou o Governo de que se a rebelião militar fosse anulada, a Espanha cairia, mesmo, no bolchevismo. Para as democracias, o entendimento de que se ajudassem a República colocavam em causa a política de apaziguamento face a Hitler, revelou-se um factor inultrapassável na decisão de não avançarem para Espanha - o que, visto pela parte de alemães e italianos, nunca ocorreu aos (líderes dos) regimes fascistas (Roosevelt percebeu o Pacto de Munique, de 1938, que consagrou a política de apaziguamento, como uma traição de Reino Unido e França aos estados mais pequenos, nomeadamente a Espanha). A URSS, depois de um demorado processo de decisão por parte de Estaline – que, paradoxalmente, tendo simpatia pelos republicanos, não queria que aquelas forças fossem de tal modo vitoriosas na Península que impusessem uma reacção fascista em grande escala e implicassem a União Soviética, manifestamente impreparada após a purga estalinista nas suas forças armadas, para uma Guerra Internacional -, por sua vez, começou a intervir, ao lado dos republicanos, na guerra civil espanhola, no Outono de 1936 (republicanos que se haviam visto boicotados, inclusive, no seu direito a adquirir armas pela dita neutralidade ou não intervenção das democracias – que a estenderam a esse ponto -, tendo, então, solicitado armamento aos russos em troca de ouro). Brigadas internacionais intervieram (trabalhadores e intelectuais perceberam que “Espanha era o último baluarte contra os horrores do hitlerismo (…) Acreditavam que, ao combater o fascismo em Espanha, estavam também a combatê-lo nos seus próprios países”, Preston, 2020, p.23), igualmente, pela República; Checoslováquia e México apoiarão as forças republicanas; alguns aventureiros e desempregados juntar-se-ão aos que se encontravam no exílio por o regime fascista nos seus países os terem expulsado de suas casas (o principal recrutador de voluntários, do lado republicano, foi o Partido Comunista; voluntários, estes, que à chegada a Barcelona tinham bandas musicais e multidões em recepção de boas-vindas) – mas, tudo somado deste lado da trincheira, nunca em quantidade e qualidade comparadas às que Itália e Alemanha proporcionaram aos que se rebelaram (“o regime democrático espanhol foi tão vítima da pusilanimidade das potências ocidentais como o foram a Áustria e a Checoslováquia”, Preston, 2020, p.168).
 
8. De acordo com o historiador Julián Casanova, os sublevados venceram a guerra civil – que principia com intrépida violência, um tiro na nuca, mas em um golpe que não sai vitorioso (de imediato, e necessita de três anos para concretizar os seus intentos políticos), o que contraria tanto a ideia de um exército em uníssono a querer derrubar a República, quer a noção de que o povo unido derrubou o exército; em realidade, foi nas cidades em que o exército se mostrou uno e consistente que a insurreição foi travada - em virtude de três elementos essenciais: i) tinham as tropas melhor treinadas do Exército espanhol; ii) o poder económico que concentravam era considerável; iii) os ventos sopravam a seu favor, com os fascismos emergentes.
 
9. Todas as Repúblicas que tinham surgido nas duas décadas anteriores à sublevação em Espanha, tinham submergido face a ditadores com poderes absolutos. A Primeira Guerra Mundial, e a profunda crise posterior, tornaram possíveis personagens excepcionais como Hitler e Mussolini ou Estaline. A maioria dos ditadores não foram fascistas, mas admiraram o regime fascista e imitaram-no. Espanha parecia-se muito com a Europa (excepcionemos, aqui, países nórdicos). Como faz notar o investigador, o facto de se concluir, academicamente, pelo vínculo de um regime ao fascismo, ou pela natureza não fascista de um regime, nada nos permite, de imediato, logicamente, retirar no que à crueldade do mesmo diz respeito. Como exemplifica, a ditadura de Videla, na Argentina, foi de uma enorme crueldade e, sem embargo, não foi um regime fascista.
Poucos dias depois da sublevação militar no país vizinho, o general Ioannis Metaxás deu um golpe de estado na Grécia. Horthy, na Hungria, adoptou o título de Vezér (líder). Tal como Franco, estava convencido de ter sido escolhido pela providência.  
 
10. Iniciada a guerra civil, a 17 e 18 de Julho de 1936, os insurrectos são derrotados na maioria das grandes cidades espanholas – em realidade, “os conspiradores não tinham previsto que o seu levantamento desembocasse numa guerra civil. Os seus planos eram um rápido alzamiento, a que se seguiria um diretório militar como o que havia sido criado em 1923” (Preston, 2020, p.113). Só que a sublevação, ao erguer-se, tem efeito colateral nada despiciendo: divide Exército e forças de segurança; enfraquece o Estado. Este, em especial, perde o monopólio da violência (e, com/na perda, o poder aos comités). O novo chefe de governo (republicano), José Giral (que substituiu Santiago Casares Quiroga e, ainda, Diego Martinez Barrio no espaço de dias), permite a distribuição de armas entre os militares operários e os republicanos mais comprometidos - que saíram, pois, à rua a combater os sublevados (e que se tivesse ocorrido desde o início, segundo Preston, poderia ter sufocado a insurreição). Em Barcelona, a sublevação não triunfou e a cidade tornou-se bastião de anarquistas e símbolo da resistência popular e da revolução. Sevilha caiu para os sublevados, tal como Saragoça, apesar de esta última cidade ter muitos anarco-sindicalistas e Granada, onde cinco mil republicanos foram abatidos no cemitério – levando a que o guarda daquele local endoidecesse e acabasse num manicómio – e Garcia Lorca, conotado com ideias republicanas moderadas, fuzilado, depois do poeta ter sido escondido em casa de Luís Rubiales, bardo falangista. Em zonas rurais de Castela e Leão mesclaram-se ações militares com fervor religioso a acompanhá-las (por parte dos que se encontram em insurreição). Com o objectivo de eliminar os vermelhos (os insurrectos incluíam socialistas moderados ou republicanos de centro esquerda na definição de rojos), as tropas lideradas por Franco utilizaram a violência sexual como arma e criaram um clima de terror programado (“embriagados de sangue”). Destacou-se, aqui, o general Mohammed ben Mizzian pela "forma selvagem de fazer a guerra, por estimular as suas tropas ao abuso e violação de mulheres e por matar com granadas de mão os feridos do hospital de Toledo de São João Baptista" (p.103). O facto de, não raramente, serem trabalhadores e camponeses, em vez de militares, a actuarem do lado republicano, permitiu o avanço dos falangistas. Assiste-se, outrossim, a violência anti-clerical em lugares nos quais fracassou a insurreição (“De ambos os lados, heroísmo e nobreza rivalizavam com crueldade primária e brutalidade, de tal forma que faria inveja às gestas medievais, apesar de, em última instância, a Guerra Civil espanhola estar firmemente enraizada na época moderna”, Paul Preston, 2020, p.33). Tal violência anti-clerical foi vista, por muitos, no interior do movimento republicano, como um favor feito aos insurrectos (dada a grande maioria católica da população espanhola; “Principalmente no início da guerra, sucederam-se vagas de assassinatos de padres e de suspeitos de serem fascistas (…) Foram destruídas igrejas e monumentos religiosos. Estima-se que mais de seis mil padres e religiosos tenham sido mortos [durante a guerra civil, sem exclusivo republicano, como já registámos]”, Preston, 2020, p.134). Em aldeias a 18 quilómetros da capital espanhola foi cometido o acto de maior barbaridade do lado republicano, na sua actuação ao longo de três anos, com a assassinato de 2500 prisioneiros, direitistas, muitos deles feitos em Madrid logo no início do conflito.
 
11. A mais longa e dura batalha, durante os três anos que durou a guerra civil espanhola (que o historiador Paul Preston vê como um dos momentos fortes da mais global guerra civil europeia que se alastrava, intermitentemente, há 20 anos), decorreu no Ebro. Ali, 30 mil sublevados morreram; o dobro, faleceu entre os republicanos. 250 mil pessoas lutaram durante 4 meses.
Franco nada fez para que o seu primo, comandante Ricardo de La Puente Bahamonde, irmão na infância e suas brincadeiras, fosse fuzilado como retaliação por ter permitido manter o aeroporto de Leão nas mãos dos republicanos. O mesmo se diga quanto ao escasso empenho colocado pelo caudilho em procurar que Primo de Rivera fosse libertado ou não eliminado pelos republicanos – ou não pudesse esta personalidade fazer-lhe sombra (o que não impediu um intenso aproveitamento político da sua morte). Houve julgados sumariamente e fuzilados por terem lido Kant, Rousseau, criticado Hitler ou Mussolini, ou terem faltado à missa. Durante a guerra civil, vivia-se melhor, com outra abastança nas zonas controladas pelos nacionalistas, onde, não raro, podia encontrar-se restaurantes repletos – em Madrid, ao invés, vivia-se de lentilhas. O puritanismo vigorava por tais localidades: “comer num restaurante em mangas de camisa era olhado de esguelha. As mulheres eram encorajadas a vestir-se com uma modéstia protectora, a não fumar e a não se pintar. As mangas queriam-se chegadas até ao pulso, as golas aos pescoços; as blusas que fossem largas e compridas” (Preston, 2020, p.229). Um latifundiário, que tinha touros nos melhores prados enquanto as pessoas passavam fome, tendo visto a sua terra ocupada, em Palma del Rio, assim que as forças nacionalistas tomaram a sua terra, na província de Córdoba, escolheu 200 e na sua propriedade estes foram abatidos a metralhadora.
Uma guerra longa, de desgaste, foi desejada por Franco depois do falhanço inicial do assalto a Madrid [sobre este ponto, o da condução de uma guerra de desgaste, por parte de Franco, no seu final Comentário Bibliográfico, aposto à biografia de Franco, Julián Casanova dá conta como esta é matéria controvertida na historiografia, mas considera tratar-se, a perspectiva de que Franco desejou e concretizou uma guerra de desgaste, a melhor interpretação do sucedido]. Quando Hitler invade Praga, Franco entra, finalmente, na capital do seu país. Em Fevereiro de 1939, França e Reino Unido reconhecem o governo franquista.
Durante a guerra civil, houve 100 mil vítimas consumadas pelos sublevados; 55 mil vítimas feitas pelos republicanos; 350 mil mortos nos anos seguintes por doenças e inanição; 270 mil presos políticos em campos de concentração. Foram quase 1000 dias de combate.
Franco mandou dizer à Santa Sé que não aceitaria nenhuma mediação, mas apenas uma rendição total e incondicional dos republicanos – no seio dos quais, durante aquele triénio sangrento as divisões, as incontáveis facções, nomeadamente sobre como conduzir a guerra, em momentos de pura sobrevivência, digladiaram-se e quase geraram uma guerra civil no interior da guerra civil (Preston, p.203).
 
12. Era o Dia da Raça. 12 de Outubro de 1936. Em Salamanca. Miguel de Unamuno, como reitor, e em nome do general Franco, que não pôde assistir, presidiu à cerimónia, acompanhado de Carmen Polo [mulher de Franco] e das autoridades militares e eclesiásticas. Unamuno foi o último a falar [havendo, hoje, quem sustente que as suas palavras não eram audíveis e que o relato é construído depois]: "Eu também acreditei nisso [motivo invocado a posteriori, pelos sublevados, para o golpe militar contra a República] da 'guerra internacional em defesa da civilização cristã'. Mas não, essa era [antes] uma «guerra incivil». «Vencer não é convencer [...] Não pode convencer o ódio que não deixe lugar para a compreensão, o ódio à inteligência». O general Millán-Astray, sem braço esquerdo, sem o olho direito e com uma cicatriz na bochecha esquerda, sinais de velhas batalhas em África – lá, em cujas trincheiras os militares espanhóis lutaram a I Guerra Mundial que não puderam combater, quer dizer, construíram uma cosmovisão e inscreveram-se em um caldo de emoções e sentimentos [colonialismo, brutalização, ressentimento pela traição de políticos que deixam cair Impérios], como os relatados a propósito do conflito bélico de 1914-1918, por Erich Maria Remarque, em “A Oeste nada de novo”, algo de muito relevante, aliás, para se compreender como Franco irá parar aos braços de Hitler e Mussolini, gente da I Guerra Mundial -, interrompeu-o: «Morram os intelectuais!» e «Viva a morte!», o seu grito favorito. Os legionários armados aproximaram-se do estrado. Ameaçaram e insultaram o velho professor. "Falta-vos razão e direito de luta", sentenciou o académico.
Miguel de Unamuno escreveria, dois meses depois, ao seu amigo Quintin de Torre: “O catolicismo espanhol tradicionalista puro tem muito pouco de cristão. O que aqui temos é uma militarização africana, pagã e imperialista. Desta forma, nunca haverá uma paz real. Vencerão, mas não convencerão; conquistarão, mas não conseguirão converter”.
 
13. O (novo) regime franquista teve a adesão incondicional das Forças Armadas, dos industriais, dos terratenentes e dos banqueiros. A Espanha foi, com Franco, um estado policial, com um omnipresente sistema de controlo e vigilância e o lema "Deus, pátria e Justiça". A imposição de uma ordem de tipo castrense na sociedade sucede a todo o vapor. Leis com efeitos retroativos, para julgar e punir, tantas vezes com a morte, os que haviam batalhado do lado oposto ao do Movimento que uniu falangistas e carlistas. Haverá depuração na função pública (5 mil guardas, fiéis à República, são expulsos da Guardia Civil). Por lei, Franco fará com que revertam para a Falange – fundada, em Outubro de 1933, com fundos monárquicos, e onde pontificava José António Primo de Rivera, um dos filhos de Miguel Primo de Rivera: “as suas milícias de camisas azuis, com as suas saudações romanas e os seus cantos rituais de Arriba España! E España una! España libre, España grande! imitavam os modelos nazi e fascista”; a JAP, a juventude da CEDA, entoava cânticos que diziam “Jefe! Jefe! Jefe! Os nossos chefes nunca cometem erros”, frase copiada dos fascistas italianos” (Paul Preston, 2020, p.83), sendo, aliás, a Falange, subsidiada exatamente pelo governo italiano; Gil Robles esteve presente no comício de Nuremberga e muita da propaganda da CEDA baseou-se nas técnicas aprendidas durante a viagem de estudo que realizou à Alemanha nazi - todos os bens pertencentes aos sindicatos marxistas e anarquistas – que os haviam acumulado pelas quotas dos seus filiados ao longo de anos. Em 1937, Franco criara, ademais, a Radio Nacional de España para impulsionar a sua causa através da propaganda.
Franco adoptou o nome Caudillo (“Chefe”, “Líder”), equivalente ao Führer, em Hitler, e Duce, em Mussolini (Vezér, em Horthy, recorde-se). Nos jornais, moldados pela censura e a propaganda, podia ler-se: "Uma pátria, um estado, um caudilho". António Eça de Queiroz, subdiretor do Secretariado de Propaganda Nacional (português) diria de Franco: "O Homem, com letra maiúscula". Em realidade, Franco contou, desde o início do golpe contra a República, com o "apoio incondicional de Salazar". Travar o comunismo seria a motivação para tal auxílio. Ao porto de Lisboa, entre 1936-1939, chegaram blocos alemães com material bélico (muitas armas) destinados aos falangistas, republicanos fugidos para Portugal foram, muitas vezes, entregues, pelo Estado português ao regime franquista (que, não raro, os mataria). Todos os líderes fascistas ou ditadores de direita caem em 1944/45, com excepção de Portugal e Espanha – de aí que Portugal devesse ser muito mais estudado pelos espanhóis do que é, e muito mais do que outros países que se parecem muito menos, e têm muito menos em comum, considera o autor da mais recente biografia de Franco. A solicitude e os bons ofícios de Salazar foram muito eficazes para os rebeldes em alguns fóruns internacionais.
O Estado Novo foi, também, um regime modelar para o novo regime nascido em Espanha, com Franco (p.230) [o qual, e por sua vez, serviria de inspiração para o marechal Petáin e a legislação surgida sob a sua tutela; Franco escolhe para Ministro dos Negócios Estrangeiros um católico para sinalizar moderação e, curiosamente, o MNE de Saddam Hussein, muitas épocas depois, era Tariq Aziz, cristão, utilizado, e seu vínculo religioso, como forma de diplomacia por Saddam; a revolução dos cravos enquanto terceira onda democrática em movimento influencia sobretudo, embora não exclusivamente, a Europa: na América Latina, o regime de Franco inspirará muito Videla e Pinochet, com o qual o generalíssimo terá uma intensa e vasta troca epistolar]. As únicas vezes em que Salazar saiu do país foi para se encontrar com Franco (as escassíssimas vezes em que os dois ditadores saíram dos respectivos países mostra, também, onde se encontrava, então, a Península Ibérica). Falavam em espanhol. Ambos, em termos materiais, foram do fascismo ao desenvolvimentismo. Os dois eram prudentes, frios e distantes, austeros e “incorruptíveis”. Nada a ver com os grandes líderes carismáticos e mobilizadores de massas. A relação entre aqueles foi fria e distante. Partilhavam visão autoritária e corporativa do Estado e a sua sorte estava entrelaçada. Encontraram-se, porém, pela última vez, em 1963, Salazar contrariado pela descolonização de Marrocos, Espanha abdicou do Império, nada de amigos afinal desde aí. Quando Salazar morre, faz-se um “funeral” em Madrid; Franco não vai, envia o príncipe.
A saudação romana institucionalizou-se como saudação oficial na Nova Espanha, com a boina vermelha e carlista e camisa azul falangista como uniforme. O hino falangista Cara al sol permanentemente entoado. Espanha "seguirá a estrutura dos regimes totalitários, como Itália ou Alemanha", declarou, ainda, Franco à agência United Press, em Julho de 1937. Para o Caudilho, Mussolini era "a maior figura política do mundo", um "verdadeiro génio latino". Franco escreveu também ao (seu) "querido Fuhrer". Até a guerra da Coreia estalar, em 1950, foi, efetivamente, como um pária pela sintonia ideológica com Mussolini e Hitler.
Franco chega ao poder numa "brutal guerra de extermínio"; não era um antigo cabo (como Hitler), ou um ex-socialista (como Mussolini) que nunca tinha estado com os grandes. Quem entronizou Franco, ao contrário do que sucedeu na ascensão de Hitler ou Mussolini, foram os colegas de armas.
Quase não teve oposição. Sanjurjo, inicialmente indicado para liderar a intentona contra a República, encontrando-se exilado em Portugal, morre em acidente de avioneta junto ao aeroporto de Cascais; outra figura imponente entre os militares morrerá, idêntico destino, em acidente natural nas baleares. Franco “não precisava de sofisticação intelectual ou dotes diplomáticos. Não foi um político maior na Europa, mas não foi um ditador menor”. De acordo com os estatutos falangistas, o caudilho só responde perante Deus e perante a história. Aliás, Caudilho, monarca, príncipe e senhor dos exércitos. Franco, Franco, Franco!, os três vivas como gostava de ser tratado.
E, nesta, era hora de a humanidade acertar contas com a filosofia da revolução francesa.
Denunciar e apontar o dedo era, nesta Espanha franquista, considerado uma coisa de bons patriotas. Visou-se, com a bufaria, romper com os laços de amizade, quebrando, assim, qualquer gérmen de resistência ao regime. Os presos políticos e os ostracizados (socialmente) serviram como mão de obra barata para as empresas e o Estado, nomeadamente na construção de estradas e de ferrovias. 100 campos de concentração, com 500 mil pessoas, servem de castigo e reeducação. 200 mil pessoas morreram por fome e má nutrição nos anos 40. Muitos operários e camponeses de baixos recursos foram acusados judicialmente, tal como republicanos de rendas mais elevadas (condenados à morte, a trabalhos forçados, a indemnizações milionárias). São fuzilados, inclusive, republicanos que haviam denunciado a extrema violência que do seu campo político tinha sido espoletada - e que haviam conseguido salvar políticos de direita e elementos do clero (p.201). Com enorme simplismo Franco "inteirava-se" das condenações, com essa forma as ratificando. O jurista Vicente Gay e Forner, Catedrático de Economia na Universidade de Valladolid, delegado de imprensa e propaganda de Franco expressou a sua fervorosa admiração pela Alemanha nazi, considerando o campo de concentração de Dachau "um verdadeiro estabelecimento educativo", uma "aldeia higienizada" (p.184). Na Plaza Mayor de Salamanca, é realizada homenagem aos 10 mil viriatos que vieram de Portugal para se juntarem às forças do Movimento insurreccional; não eram, em realidade, voluntários (continuavam a receber o seu salário de militares em Portugal e o tempo de serviço era contabilizado no seu histórico militar), mas assim eram nomeados para não comprometer Salazar junto do Comité de Não intervenção.
Petições de clemência dirigidos ao capelão José Maria Bulart eram, muitas vezes, por este, com desprezo e desdém, deitadas ao lixo. A repressão combinava (-se) com o culto de personalidade a Franco.
Os anos mais obscuros da ditadura de Franco foram os primeiros, geradores de enorme sofrimento, enormes custos sociais e culturais. Se o caudilho tivesse, por um qualquer acaso, terminado a vida em 1945 não haveria hipótese de recompor a sua imagem.
Com o franquismo, restauraram-se as festas religiosas suprimidas pela República, como o Natal e a Epifania. Muitos monumentos em memória dos mártires, isto é, dos “caídos por Espanha e por Dios”, (exclusivamente, está bom de ver) os sublevados, são erguidos. Eclodem espectaculares celebrações do novo regime, após a sua vitória.
 
14. Com a guerra civil, a rede de transportes foi destruída em várias zonas de Espanha; a produção agrícola caiu de forma abrupta; famílias inteiras foram destruídas. "A guerra civil tinha deixado em Espanha um Estado débil e corrupto, com substanciais recompensas para alguns e fome e miséria para a maioria" (p.195) Uma guerra na qual, em suma, no dizer de Julián Casanova, "venceram os proprietários e o capital" e "perderam os assalariados" (Paul Preston escreverá no Prefácio à mais recente edição/revisão de “A guerra civil espanhola” [Edições 70, 2020]: “Muitos anos dedicados ao estudo de uma Espanha anterior, durante e depois dos anos 30, convenceram-me de que, embora se tivessem cometidos muitos erros, a República Espanhola era uma tentativa de providenciar uma vida melhor aos membros mais humildes de uma sociedade repressiva. Contra tal temeridade, a vingança exercida por Franco e seus seguidores foi brutal e impiedosa”, p.16).
Espanha não entrou na Segunda Guerra Mundial, porque estava muito debilitada em termos militares e económicos e dado depender do fornecimento de petróleo pela Grã-Bretanha e pelos EUA. A transformação de uma economia de guerra numa economia de mercado demorou mais de uma década (após a guerra civil, precisa J. Casanova, a recuperação demorou 13 a 15 anos, p.294). França e Reino Unido aceitaram financiar a reconstrução espanhola pós-bélica e fornecer trigo e carburante.
Sem embargo, a 10 de junho de 1940, Mussolini abandona posição de não beligerância e entra na guerra. Franco passou da estrita neutralidade a não beligerância. Ademais, e em rigor, preparou a entrada na guerra nos "últimos tiros", para poder recolher os subsequentes louros. Tropas espanholas e voluntários marroquinos ocuparam Tanger. Franco demitiu os ministros mais simpatizantes dos Aliados.
 
15. Durante a Segunda Guerra Mundial, registou-se um robusto suborno, a mando do governo inglês, para que a Espanha se mantivesse neutral (na guerra). Suborno a generais e pessoas próximas do Caudilho, como o seu irmão. Sem que aqueles, é certo, soubessem quem estava a subornar. Neste contexto, foram repartidos 14 milhões de dólares. Nicolás Franco, os generais José Enrique Varela, ministro do Exército, e António Aranda receberam 2 milhões; o coronel Valentín Galarza recebeu 1 milhão. O general Alfredo Kindelán, metade. Parece pouco provável que Franco desconhecesse os subornos, dado os envolvidos serem generais muito próximos de si, bem como sendo o seu irmão um dos principais beneficiários das prebendas (p.206). Aliás, a corrupção grassou sempre durante o franquismo: "Franco, como Hitler e outros ditadores, sabia que a corrupção à escala massiva garantia a lealdade e a fidelidade pessoal. Os oficiais do exército, os ministros e altos dirigentes do Movimento seriam fiéis enquanto os assuntos do bolso, os favores, as prebendas e privilégios deram bons frutos. Por isso, permitiu um enriquecimento sem limites dos grupos de poder. A corrupção, como na Alemanha do Terceiro Reich, proliferava em todos os âmbitos do regime" (p.21).
Por sua vez, o Erika - comboio especial do Fuhrer -, em Hendaya, a 23 de Outubro de 1940, foi local de encontro de Franco com Hitler, com a participação dos espanhóis na Guerra em curso, em cima da mesa. "Esta gente é intolerável. Querem que entremos na guerra em troca de nada", desabafará, entre os seus, o Generalíssimo, no final da conversação. “Prefiro que me arranquem 3 ou 4 moedores do que encontrar-me de novo com Franco”, vociferará Hitler.
 
16. O filho de Mussolini, quando leu no jornal a existência de um pacto germano-soviético, pensava tratar-se de um "erro tipográfico" - Hitler não avisou o Duce daquele acordo (p.194). E, se por todo o mundo se duvidava daquela aliança, a realidade não tardou a corroborar os cépticos: mais de 3 milhões de soldados de Hitler invadiram a URSS, em 1941. A guerra seria curta e seguir-se-ia o assalto a Inglaterra, elaborara Hitler. Uma boa parte da Força Aérea russa, apanhada desprevenida pelo dolo do Fuhrer, foi destruída antes, sequer, de levantar voo. Churchill considerou o erro de cálculo de Estaline – líder que não acreditava no que lhe estavam a dizer os serviços de inteligência dos Aliados, a este propósito - talvez o maior da Segunda Guerra Mundial. Nos primeiros dias, o ataque da Alemanha nazi fez centenas de milhares de mortos e prisioneiros russos. Roosevelt permaneceu, então, em silêncio. Diferentemente, Churchill, que sempre fora anti-comunista, mostra, de imediato, apoio à Rússia e ao seu povo.
A Espanha de Franco envia a chamada divisão azul, a 250ª legião ao serviço da Wehrmacht. Há duas guerras em curso, interpretará Franco: uma, a Oriente, onde Espanha actua; outra, no Ocidente, onde Espanha é neutral. 47 mil combatentes espanhóis, neste âmbito. 5 mil morreram na frente oriental; a primeira leva de 18 mil soldados era composta, em um terço dos membros, por universitários. Motivações diversas para os participantes espanhóis aderirem ao assalto aos soviéticos (p.211):
- vingarem-se dos bolcheviques que participaram na guerra civil espanhola;
- agradecer o apoio dos alemães nessa mesma guerra civil;
- busca da glória, ascensão social, aventura;
- procura do subsídio, dado a quem participava, como forma de fugir da fome e da miséria;
- expiação por ter lutado do lado errado durante a guerra civil.
 
17. Dois anos depois da entrada da Itália - sociedade dividida, economia subdesenvolvida e Exército débil - na guerra, a elite pré-fascista preparou a queda de Mussolini, em Julho de 1943. Um dos elementos que lhe tiraram o tapete foi o seu genro, Ciano. O Duce estava, agora, com 60 anos, doente, longe da personalidade heróica de duas décadas antes. Nem a Espanha de Franco o reconhecia como líder italiano (não reconhecerá a República de Saló); é a paga pela ajuda de Mussolini [a Franco e seus comandados], durante a guerra civil, ironizava, no seu diário, Goebbels.
A queda do fascismo em Itália foi estrepitosa. Mussolini e milhares de fascistas foram assassinados durante os dias da Libertação. Antes disso, o antigo líder todo-poderoso italiano mandou executar vários dirigentes fascistas, incluindo o genro.
Nos momentos derradeiros da sua vida, Mussolini, em fuga com a sua última amante, Clara Petacci, de comboio, disfarçado com uniforme nazi, é interceptado. Resultado: ambos os membros do par amoroso foram colocados de cabeça para baixa, na Piazzale Loreto, de Milão (p.227). Hitler, por sua vez, suicidou-se a 30 de Abril de 1945, com Eva Braun, com quem casara na noite anterior; Goebbels, na mesma linha de actuação, colocou termo à própria vida; Himmler, executou gesto semelhante, mas no Luxemburgo dominado pelos britânicos; Ribentrop, condenado em Nuremberga, foi executado.
Roosevelt não pôde assistir à vitória final dos Aliados. Morre a 12 de Abril de 1945, com 63 anos. "Roosevelt foi um grande estadista, um líder inteligente, culto e liberal (...) que soube prolongar a vida do sistema capitalista" (p.229), assinalaria Stalin.
A capitulação alemã deu-se às 2h41 da madrugada de 7 de Maio de 1945; a 18 de Julho, Franco demite os ministros mais próximos do Eixo e passa a nomear mais ministros católicos.
 
18. Francisco Franco Bahamonde nasce a 4 de Dezembro de 1882, em Ferrol, província da Corunha, na Galiza, localidade, à época, com 20 mil habitantes. Seu pai, Nicolás Franco Salgado-Araujo, general da Armada, com estâncias em Cuba e Filipinas, era de vida dissoluta. O progenitor saiu de casa em 1907, deslocando-se, com a sua amante, para Madrid e não vindo a assistir ao matrimónio de Francisco. A mãe, Maria del Pilar Bahamonde, era conservadora, amável, estoica e piedosa. Franco, segundo filho daquele matrimónio, teve 4 irmãos, uma das quais, Paz, morreu muito precocemente. Nicolás, por sua vez, contribuiu, de sobremaneira, para o irmão se alcandorar ao topo da hierarquia militar e política de Espanha - e fez carreira na ditadura. Franco ingressa aos 14 anos na Academia Militar de Infantaria, de Toledo (não ingressando na Marinha, como tradição familiar, o que é bastante relevante, na medida em que se houvesse entrado na Marinha muito dificilmente teria um percurso que o tivesse, depois, levado a enfileirar no golpe de Julho de 1936).
Franco e Carmen Polo conheceram-se em Oviedo, no Verão de 1917. A mulher era filha de uma rica família local. Casaram-se, naquela localidade, em Outubro de 1923. Franco, com 30 anos; Carmen, de 23. O pai e a tia Maria del Carmen Polo y Martínez-Valdés opuseram-se ao matrimónio, vendo em Franco alguém que procurava o dote. Carmen fica orfã de mãe - profundamente religiosa, de uma família ilustre asturiana - e é tratada por monjas, sob supervisão da tia. O pai é um advogado acomodado que não interfere naquela educação.
Franco e Carmen viveram juntos 52 anos. Ele, austero e devoto à nação; ela, coberta de jóias. Habitaram em Madrid, em lugar refinado. Em 1926 nasceu a sua filha, Carmencita. O pater famílias, apesar de visto como “bom” pela descendente, nunca brincou com aquela, confiando-a aos cuidados da mãe (de acordo com os costumes da época, em tratando-se de uma menina).
Franco andou de descapotável até ao assassinato de John F. Kennedy, em 1963, e poucas vezes foi ao estrangeiro. Ao fim de muitos anos, destituiria o seu cunhado, o cunhadíssimo brilhante advogado e um arquiteto institucional do franquismo, Serrano Suñer, como Ministro dos Negócios Estrangeiros e não o nomeou para embaixador (em Roma), como aquele pretendia, regressando, antes, à carreira de advocacia. Vários casos extra-matrimoniais por parte daquele expuseram a família Franco, que se ressentiu.
Franco recebeu donativos de ricos que lhe agradeciam, assim, ter garantido (a verdadeira) Espanha (p.284). Ele e a família utilizaram o património nacional como propriedade privada (p.285). Morreu rico e enriqueceu a sua família, "a quem permitiu um desenfreado saque" (ao erário público) (p.25). 
Hitler, Estaline e Franco "tiveram pais autoritários e violentos em casa" (p.35). O Caudilho não assistiu ao funeral do seu progenitor (e proibiu a amante do pai de o fazer – e, todavia, no filme “Raça” [1942; escrito, no imediato pós-guerra civil, pelo próprio Franco, e realizado por José Luís Saenz de Heredia; mais tarde, haverá uma “reedição” deste filme, agora chamado “Espiritu de una raza”, na qual, em função de conjuntura diversa e em plena Guerra Fria, desaparecem as críticas aos EUA, por exemplo] reinventa a morte do pai, enquanto heróica, em Cuba, abandonado pelos políticos). Para Franco, a infância não era a época da vida de que mais gostava de falar.
Entrou para a academia militar de infantaria em Toledo, onde sofreu praxes, "um calvário", que "alimentaram o seu ressentimento". Na Academia Militar, dava-se mais valor à disciplina e obediência, do que à evolução do pensamento e das táticas militares. Ali, aprendeu um "ardente nacionalismo espanhol, nostálgico da glória imperial". Soy militar. Assim permaneceu ao longo de toda a vida.
Chega a Marrocos a 17 de Fevereiro de 1912 (com 19 anos). Nesse país africano – onde reelabora/interpreta o fim do Império, que se queria renascido, como uma traição dos políticos espanhóis à própria Espanha e faz o seu baptismo de fogo - fez uma ascensão imparável até general. Em menos de 20 anos, 17 mil soldados, chefes e oficiais morrem. A ideia nacional-militarista de ligar o liberalismo à decadência e em resgatar o esplendor perdido, não colhia em muitos sectores populares que viam na aventura em África – os últimos restos do Império espanhol haviam desaparecido em 1898, mas para evitar que demasiado território ficasse para os alemães, na sequência da Conferência de Berlim (1884-1885), é atribuída uma parcela, um protectorado, a Espanha, no Norte de África, lugar no qual os militares do país vizinho (que para lá rumavam em busca de rápida ascensão na carreira, África verdadeira universidade de Franco) se haverão essencialmente com tribos - apenas algo de bom para oficiais e contratistas.
Todavia, a decadência do regime, com os seus 10 mil homens insepultos, frente a apenas 4 mil guerreiros mal armados (de tribos) marroquinos, no descalabro de Julho/Agosto de 1921, tal como o fantasma da revolta operária levou a que muitos vissem com bons olhos o levantamento militar, de 13 de Setembro de 1923, Miguel Primo de Rivera, capitão general da Catalunha e íntimo dos barões da indústria de Barcelona, que colocou termo ao regime liberal (instalação de regime corporativo e esmagamento da autonomia catalã). Enquanto ditadura, esta era uma, entre muitas, à escala europeia, na época. A partir de 1929, porém, o mal-estar e os conflitos dispararam (a benevolência de PSOE, fundado em 1879 e engrossado pela aristocracia da classe operária [metalúrgicos e operários dos estaleiros de Bilbau, mineiros das Astúrias, tipógrafos e operários da construção de Madrid], e UGT, que com a proibição do movimento anarquista ficara com o monopólio das questões sindicais, desaparecem). A situação económica deteriorara-se. Em Janeiro de 1930, Primo de Rivera apresentou a demissão ao rei e este, depois das autárquicas de 1931 terem dado a vitória, nas principais cidades, a socialistas e republicanos liberais de classe médica, e com duvidosa lealdade para consigo de Guardia Civil e Exército, foi para Paris. Morreu dois meses depois, aos 60 anos.
Em 1931, nasce a II República. Há que acatar o novo regime – dirá, em discurso, Franco – ele que será Chefe de Estado Central em 1935, Chefe das forças de Marrocos no mesmo ano, depois de ter sido Comandante das Baleares em 1933-34 e Governador Militar da Corunha em 1932. No entanto, não perdoa a Manuel Azaña, homem de Letras e erudito alçado a Ministro da Guerra e, mais tarde, a Primeiro-Ministro, ter mandado fechar a Academia Militar (que Franco liderava e que Azaña via como bastião do reaccionarismo; em 1931, ao alterar, ainda, com a Lei de Reforma Militar, as regras de promoção militar, atendendo não apenas à participação na guerra, mas à carreira militar em si mesma, desatará o descontentamento dos militares africanistas; todos estes, com alguma excepção, estarão contra a República, em 1936), o que o levará, inclusive, a fazer um discurso ameaçador para o novel regime e a ter uma repreensão registada, em função do mesmo (Franco choraria no final dessa alocução). A primeira insurreição contra a República dá-se um mês após a sua proclamação. O primeiro embaixador alemão na Espanha rebelde enviou, à tutela, um telegrama confidencial no qual dizia que duvidava das capacidades de liderança (militar) de Franco.
Sob a égide do Generalíssimo, um quotidiano espanhol permeado pelo medo e com rompimento dos vínculos sociais de solidariedade. A jurisdição militar como que suplantou a civil; a justiça militar arbitrária deu origem a 9 anos de puro terror. Conselhos de guerra sumaríssimos executaram 50 mil pessoas. Ainda em 1975 eram executados presos políticos e a censura permanecia.
Franco falava de si na terceira pessoa; o trato, com ministros e amigos de infância, era formal e distante. O embaixador português Pedro Theotónio Pereira escrevia a Salazar: "cada dia tenho mais apreensão pelas ideias de Franco" (p.191).
Com a queda do Eixo, as pretensões de Juan Carlos passaram a ser mais intensas. Manifesto a solicitar a restauração da monarquia tradicional espanhola acede ao proscénio da história. Franco demitiu todos os subscritores desse documento, ordenou a detenção de muitos e desterrou outros tantos. Parte da cúpula militar, todavia, também enviou carta a Franco no mesmo sentido.
Passatempo favorito de Franco era a caça. Tradição da aristocracia. Para Hitler, diferentemente, tratava-se de um desporto triste pela desigualdade entre atirador e caçado. Ir à caça era, para muitos dos que acompanhavam Franco, reafirmar uma identidade de casta. Jogava dominó e gostava da pesca. Os seus aduladores diziam que gostava de leitura, mas nunca o demonstrou. Em El Pardo não havia uma biblioteca a sério, apenas escritórios com papéis. Possuía uma oratória simples, monótona e aborrecida (p.289). O teatro e a música não o interessavam particularmente, mas era um grande aficionado do cinema - como os grandes ditadores da sua época.
Franco "não fumava, nem tocava em álcool, com excepção de um pouco de vinho às refeições; não era mulherengo. Carmen Polo foi a sua única mulher e o seu estilo de vida era frugal" (p.282).
A Espanha é admitida na ONU em Dezembro de 1955 e, pouco depois, Franco viu-se obrigado a aceitar a descolonização dos territórios africanos pelos quais havia lutado na sua juventude. Projectos autárquico-militares da Alemanha nazi e da Itália fascista foram inspiração para a Espanha de Franco. Este, nunca havia sido um liberal na economia, mas a emergência dos tecnocratas da Opus Dei como que vindicam esse modelo, sem nunca transigir com a existência de um sistema fiscal progressivo que pudesse promover uma redistribuição de rendimento e criar um sistema de saúde ou de educação públicos robustos, em tempos em que a universidade era tida, de um modo geral, como muito medíocre. A partir de 1953 passa a ter a bênção e a ajuda económica, técnica e militar dos EUA (The New York Times, 30 de Agosto de 1951: com este auxílio massivo económica estamos a ajudar Franco a perpetuar-se no poder e será essa a nossa responsabilidade perante a História). Eisenhower, em 1959, é o primeiro presidente dos EUA a visitar os EUA. E foi o primeiro líder democrata, 23 anos depois do golpe de Estado, recebido por Franco. O Plano de Estabilização desse ano mudou a Espanha, com muitos a passarem da fome e escassez a ter uma casa, carro e televisão. O eixo industrial Madrid-Viscaya-Barcelona continuava o mais pujante; milhões vão deixar o mundo rural e partir para as cidades em busca de uma vida melhor; dá-se, por consequência, uma crise da agricultura tradicional.
Bom cristão, austero, humilde, a quem não deslumbravam os títulos ou a riqueza, assim, Franco, retratado pela propaganda. Palácios, jardins, edifícios históricos foram utilizados pela sua família, como antes o eram pela monarquia (monarca sem coroa). "Franco era popular, adorado por uma boa parte da população e havia muitos que o deificavam como defensor da ordem, da autoridade, da concepção tradicional da família, dos sentimentos espanholistas, da hostilidade beligerante contra o comunismo e um inflexível catolicismo reaccionário. Nem tudo se devia ao medo, à repressão e à propaganda. Uma parte importante da população, desmobilizada e apática, compartilhava os êxitos de Franco" (p.21). Depois "apareceram fricções, importantes conflitos nas fábricas e universidades, incluídos padres e católicos que falavam de democracia, socialismo e liberdades, provocando alarme na hierarquia eclesiástica e uma reacção indignada de dirigentes e servidores de Franco acostumados a uma Igreja submissa e entusiasta" (p.22). Entre os opositores começaram a aparecer intelectuais falangistas que marcavam distâncias face à ditadura e estudantes de esquerda oriundos de famílias instaladas (provenientes dos vencedores da guerra civil) (p.300). Guerrilheiros com armas nas montanhas da Andaluzia, Astúrias, Leão e Galiza fugidos durante a guerra civil eram outro dos raríssimos flancos de alguma preocupação para a ditadura. Aqueles ainda tinham armas e tal causava algum desconforto ao franquismo. Seis mil guerrilheiros participaram em atividades armadas em diferentes montes de Espanha, a partir de 1939. Mais de 2000 guerrilheiros e 300 homens das Forças Armadas morreram em confrontos (entre si). Francisco Franco, ao longo de 36 anos dependente (do apoio de Estados/potências de topo) do/no exterior e todo-poderoso em Espanha, morreu às 5h25 da madrugada de 20 de Novembro de 1975. No mesmo dia e mês no qual tinha sido fuzilado, pelas tropas republicanas, José Antonio Primo de Rivera em 1936. Até à presente década ambos estiveram sepultados no Valle de los Caídos (repabtizado, Valle de Cuelgamueros), mandado erguer, 20 anos após a rendição republicana, como símbolo da vitória total da cruzada e segunda reconquista que Franco quis representar. Nenhum dos hierarcas de Franco foi preso, arrestado ou processado.
A quando da morte de Franco, doente de Parkinson, a 20 de Novembro de 1975, as autoridades democráticas europeias não se fizeram representar no funeral. Augusto Pinochet, sim. O então presidente chileno elogiou Franco na luta contra o comunismo e por uma civilização não materialista nem ateia. Juan Carlos, num primeiro discurso de 12 minutos, elogiou, também, Franco. Francisco Franco fez-se enterrar como um faraó. Nenhum dos outros ditadores, Mussolini e Hitler, teve tal culto de personalidade no funeral. Franco nomeou 119 ministros. Aprovava leis sem os consultar. Não era a perícia que procurava, mas a lealdade e obediência. Quando alguém possuía algum poder pessoal, demitia-o. Os mais fiéis eram recompensados, fechando-se olhos a corruptelas e incompetências. Nomeava-os, também, para os Conselhos de Administração de empresas públicas e privadas. O seu círculo mais próximo foi integralmente masculino, com a comum ideia da absoluta superioridade masculina e, mesmo, da camaradagem e violência. O lugar da mulher era na cozinha e no dormitório.
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou centenas de fascistas e criminosos de guerra instalaram-se em Espanha, protegidos por Franco. Três dos mais destacados foram o belga Léon Degrelle, fundador do movimento fascista Rex; o austríaco Otto Skorzeny, coronel das SS; e o croata Ante Pavelic, líder do movimento Ustacha.
 
19.Lendo-se a mais recente biografia sobre Franco, da autoria de Julián Casanova, há similitudes com o nosso tempo – nada é completamente novo, nem nada é uma absoluta repetição, como diria Ratzinger – que saltam à vista: a) o descrédito dos partidos tradicionais e falta de capacidade ou de vontade política das elites para propiciarem a mudança (p.59) necessária – antes de um golpe de Estado se dar e uma ditadura se instalar; no caso espanhol, com Primo de Rivera uma (primeira) ditadura (no século XX espanhol), em 1923; b) "Muita gente queria soluções radicais, simples e extremas" e encontrou em Franco e companheiros a pretensa solução para os mesmos (como atualmente em tantos movimentos e líderes ditos populistas, iliberais, autoritários); c) um líder eivado de um moralismo redentor, que se "apresentou como o máximo defensor da luta contra a corrupção" (p.28) - mas que permitiu e deu guarida a um regime profundamente corrupto  ("uma era nascente de rapina e corrupção à grande", p.280), um tópico hoje tão presente, nomeadamente por aqueles que a seu lado têm compagnons de route cujo exemplo é de fugir; d) muitos milhares ou milhões de pessoas aderiram, em Espanha, ao fascismo para regenerar a política e a pátria, com as mesmas ideias, isentas de qualquer complexidade acerca do humano, dos que, por exemplo, na Alemanha nazi, como os testemunhos de Milton Mayer provam em “Eles pensavam que eram livres. Os alemães em 1933-1945” (Tinta da China, 2025), visavam a purga, em um estilo muito presente, e com grande adesão popular, nos nossos dias; e) um líder que se cria um messias ("via-se a si mesmo quase como um Messias", p.16), escolhido pela Providência e que não tinha que responder (politicamente) perante humano algum (precisamente como se pretendem aqueles que estão a dar cabo da democracia e das liberdades nos seus países, até há pouco faróis nesses âmbitos demo-liberais); f) uma liderança que mais do que interessada na perícia e no conhecimento, escolhia para a administração os leais e obedientes (cegos) (tal como a recusa dos peritos e da ciências hodiernamente); g) um discurso permanentemente eivado de um tom e conteúdo conspirativo (em nossos dias, permanentemente disseminado nas redes sociais com objectivos de manipulação política e partidária, em múltiplos países); h) a divisão discursiva e maniqueísta nós/eles, patriotas e traidores, nacionalistas e vermelhos, verdadeiros espanhóis e anti-espanhóis (divisão que constitui o cerne discursivo dos populismos actuais). Muito presente, também, o que se tem designado hoje por “discurso de ódio”; i) a utilização e manipulação de uma identidade religiosa para fins e objectivos pessoais, políticos, partidários (o catolicismo funcionou como ecrã fundamental para a sobrevivência do regime franquista; hoje, dos EUA, ao Brasil ou à Hungria e Polónia a simultânea evocação e denegação do mesmo cristianismo em termos políticos); j) regimes políticos muito próximos ou semelhantes apoiaram-se mutuamente (por exemplo, e para lá de outros ditadores, a junta dos coronéis grega foi também aliada de Franco, como Mussolini e Hitler tinha sido essenciais para a vitória do Movimento franquista), tal como vemos assistência mútua, congressos internacionais de extremistas); k) tornar a Espanha grande outra vez, propunha-se Franco (Espanha "voltaria a ser grande, com um importante lugar entre as potências do mundo", p.17)), como agora, em diversos países, populistas e autocratas à direita reclamam igual slogan. Um nacionalismo ardente era fomentado e hoje parece de regresso; l) a ideia de destruir a democracia a partir de dentro, a partir do seu interior – “bem vistas as coisas (…) os jovens seguidores de Gil Robles, da JAP, tinham revelado abruptamente os objectivos da tática legalista, em termos que faziam lembrar a atitude de Goebbels relativamente às eleições alemãs de 1933: «Com as armas do sufrágio e da democracia, Espanha deve preparar-se para enterrar de uma vez por todas o carácter apodrecido do liberalismo. A JAP não acredita no parlamentarismo, nem na democracia»” (p.94). Se é certo que a derrota nas urnas não permitiu promover, por implosão, a derrocada do regime demoliberal e desaguou, antes, num golpe de Estado militar, todavia essa era a tática a seguir, vendo que Hitler chegara, em parte, pelo voto popular a Fuhrer (e a partir dele tinha posto fim à democracia e suas instituições). Da Polónia à Hungria ou aos EUA o ataque e captura à independência dos tribunais, da imprensa, das universidades, entre outros ataques a direitos fundamentais ilustra bem como continua actualmente muito vincada em alguns líderes e regimes o perverter a democracia a partir de dentro.
Em relação ao mesmo período da história portuguesa, e para lá dos paralelos já estabelecidos neste texto, quando representamos a acção de Francesc Vidal i Barraquer, arcebispo de Terragona, é, nas suas diferenças, difícil deixarmos de evocar D. António Ferreira Gomes (em ambos os casos, Bispos no exílio e impedidos de regressar à sua pátria); nas atividades heróicas de diplomatas, para salvar judeus, no contexto da Segunda Guerra Mundial, como Ángel Sanz Briz, em Budapeste, Julio Palencia Álvarez-Tubau, em Sófia, José Rojo Moreno, em Bucareste e Sebastian de Romero Radigales, em Salónica é impossível não nos recordarmos de Aristides Sousa Mendes; a década de 60 como período de grande crescimento económico em Espanha impele-nos ao correlato com o que sucedeu, nos mesmos anos, em Portugal, com a diferença de que por cá, a Guerra Colonial iria devastar esses ganhos; a mesma indignação de altos dignitários do regime com os que na Igreja, a dado momento do devir das ditaduras, principiam a fazer críticas e afastar-se daquelas, ressentimento para com estes recorrendo a argumentos idênticos (a reposição de um estatuto privilegiado e de todas as prerrogativas a uma instituição que permitia, agora, tais desmandos…); a mesma utilização da tortura como instrumento de punição para os tidos como desviantes da linha justa do regime; a mesma manipulação na mobilização de massas para escorar posições do regime e chapeladas eleitorais – do plebiscito para manter o franquismo ou regressar à monarquia tradicional espanhola às presidenciais de 1958 em Portugal…
Franco passou pelo Porto para conhecer as bodegas e esteve em localidades como Braga, Guimarães e Monção (p.268). Em Coimbra recebeu um doutoramento honoris causa (p.269). Foi ao mosteiro da Batalha e ficou hospedado, com a mulher, em Sintra. Disse a Caetano, de quem era muito amigo, que apesar de haver muitos protestos no país vizinho, as pessoas tinham carro, consumo e, por isso, tinha “livrado a Espanha da revolução”.
 
P.S.: sobre o papel da Historiografia, ou da História enquanto grande juiz do passado, Julián Casanova conta um dos muito divertidos chistes de Churchill: “A história julgar-nos-á com benevolência», dirá o estadista britânico a Roosevelt e Estaline, no encontro que mantiveram em Teerão, em finais de 1943. Quando os seus interlocutores lhe perguntaram como podia ter tanta certeza disso, respondeu: “porque eu escreverei a História». Fê-lo em VI Volumes (Sobre a Segunda Guerra Mundial). Ora, regista Casanova: “Mas nós, os historiadores, não somos membros de um júri que coloca os actores numa sala de juízo, com poder para sentenciar. Nas nossas investigações, que difundimos em ensino e escrita, dialogamos sobre o significa da História e da sua relevância para o presente, fazemos perguntas e encontramos novos significados. Franco, nos seus quase 40 anos de mando, foi golpista, caudilho salvador, criminoso de guerra, abraçou o fascismo, que abandonou paulatinamente após o seu colapso, procurou e encontrou respeitabilidade internacional, foi bandeira da luta contra o comunismo durante a guerra fria, ‘sentinela do Ocidente’ e campeão das ditaduras desenvolvimentistas (p.29) (…) Que os leitores compreendam que a História é uma ferramenta que conduz por muitas ruas e direcções, ilumina acontecimentos que só se entendem através da indagação séria e minuciosa das fontes (…) Frente aos muitos que se creem amparados no uso político da História a partir do presente, o juízo sobre a maldade ou a bondade dos personagens do passado não é um conceito histórico. O autoritarismo nunca é uma bênção; a perseguição de centenas de milhares de pessoas não é o preço que há que pagar para salvar uma nação num momento de extraordinário perigo (…) Tem que ser possível, cinquenta anos depois, voltar a vista para o passado e não procurar apenas aprovação ou condenação” (pp.382-383).
Julián Casanova crê que, face a biografias precedentes de Francisco Franco, a sua, nas livrarias espanholas desde Fevereiro e já na quinta edição, aduz uma comparatística internacional, o enxertar de Espanha no contexto da História Global que nem sempre se poderão encontrar em outras aproximações acerca do caudilho (para compreender quem foi Franco utiliza, em simultâneo, o “microscópio”, a história de Espanha em sentido estrito, e o “telescópio”, a perspectiva de que, por exemplo, nenhum ditador, no pós-1945, se aguenta sozinho [nenhum ditador independente], sem o apoio de uma grande potência e da importância, nesse contexto, da guerra da Coreia). Do mesmo modo, em um livro escrito em capítulos breves (o que é inédito no autor), pensado, também, para ser capaz de convocar uma geração digital – ou a ela aceder, se não diretamente, deixando um conjunto de fios e incisos que os professores de História possam utilizar - incorporando elementos, inclusive, os mais originais do livro, que o Wikileaks proporcionou (o relato de Gerald Ford da conversa que Helmut Schmidt, figura maior da social-democracia e chanceler alemão, havia tido com ele, durante uma cimeira da NATO, desaconselhando-o de ir ver Franco, dado que a democratização em Espanha estaria próxima e a resposta de Franco de que em Espanha não haveria revolução dos cravos, como em Portugal, nem queda dos coronéis, como na Grécia, “os pequenos países [Alemanha] têm-nos é inveja [Espanha protegida pelos EUA]” chegou através destes leaks) - aporta um aturado conhecimento e interpretação das personalidades que se situaram na proximidade ou na órbita do Generalíssimo – com um método narrativo indireto que deixa que Suner ou Blanco falem (por si); um dramatis personae a que não é alheio, ainda, o acervo fotográfico disponibilizado ao longo da obra e que mostra quem esteve com e ao lado de Franco, ao longo dos anos e das décadas (tendo Julián Casanova investigado intensamente nos EUA as biografias de muitas destas personalidades que foram suporte de Franco) - que biografias outras do homem que esteve à frente da governação de Espanha durante quatro décadas não facultam. O investigador considera a História, essencial à cidadania - sendo crucial os historiadores procurarem comunicá-la e os professores estarem ao dia -, não é propriamente permeada pela racionalidade: “se a História fosse racional não teria havido o Holocausto”.

Pedro Miranda

 







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