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A mostrar mensagens de outubro, 2025

PRIMEIRA CRÓNICA DE OUTONO

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  1. Nesta crónica, nunca se começa por “Dizer que”. Aqui, prefere-se escandir uma palavra. Como, por exemplo, cacimbo, sherpas, gemónias, ou, talvez, langor – palavras que conservem o eco da alegria de um confronto primaveril que convida aos exercícios plásticos de as apor em papel e ver como ficam entrelaçadas com(o) vizinhas ou irmãs. 2.Natália Ginzburg e Leone Ginzburg , seu marido, passaram uma temporada inteira à procura de uma nova casa: ela, sempre escolhendo moradias rés-do-chão, com vista para jardins, árvores e arbustos – locus amoenus de idade precoce moldado; ele, sempre afeito a apartamentos de cujas janelas se contemplassem telhados e cimo de casas, chaminés, campanários, vistas que davam para a sua meninice (“Nunca me perguntarás”, Relógio d’Água , 2025). Largo período após a estação de procura, ei-los em uma (nova) habitação que se furta a estes dois “tipos-ideais” de casa. A prova, então, de que se sobrevive, e não se regressa necessariamente, à infância, ao con...

LUME

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  Tentado a escolher o surpreendente e imaginativo “ dente que se perdeu ” por detrás – ou melhor, por dentro – d’ O Anti-sorriso de Gioconda ”, a deliciosa malandrice de “ Vaqueiro ”, a capacidade de dizer da impenetrabilidade de Deus em “ Tétano ”, a inquietante indagação sobre se a “ angústia ” da Mãe, em “ Vigília lacrimosa ” pelo Filho, gravada em pedra (“ A pietà de Mogadouro ”), resistirá “ ao assédio do ácido dos séculos ” (os tempos erodirão a pedra, ela mesma, e, em particular, até, aquela talhada no horizonte espacial de onde se mira, Mogadouro?, rasurarão, aqueles, a história que nela, na pedra, se narra?, mais ainda, o “ácido” que os permeie roubará, de tal modo, a humanidade da humanidade que a(s) mãe(s) deixará (deixarão) de chorar o(s) filho(s)?), a força tremenda, a exatidão, a dor, o eco (homenagem) devolvido a Garcia Lorca em “ In Memoriam II. A Federico Garcia Lorca” (“ Ouviu-se primeiro um tiro/e em seguida nenhum ai/Mas o ai que não se ouviu/teve mais eco e ...

«A OBSCURIDADE É QUE PROTEGE A LUZ»

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    O artista conformado ao dogmatismo , o progressista a devir em conservador , o homem que bordou os limites na vertigem do dramaturgo contemporâneo mais vezes posto em cena, reclamado em todos os fóruns dos mais variados países, compulsão de álcool, depressão e desespero afiançado, agora, a platitudes? Nada menos verdadeiro, responde, com punch , o Nobel da Literatura Jon Fosse , a redespertar e puxar para a vida o antigo pastor luterano Eskil Skjeldal , combustível no regresso deste à teologia, em conversas densas e intensas ( Misterio y Fé , Debate, 2025), assumindo, com inteireza, o gesto mais rebelde da sua vida: “ Há poucas coisas mais rebeldes na sociedade norueguesa, inclusivamente no resto do ambiente intelectual europeu, em realidade, do que converter-se ao catolicismo e denominar-se cristão . A minha sensação é que converter-me em católico é o mais rebelde que alguma vez fiz (…) Às vezes, penso que se dissesse que venho de um prostíbulo, as pessoas não se surp...

EM DIA DE NOBEL DA LITERATURA...

  “ Para mim, a arte é basicamente paradoxal. É forma e conteúdo. Todas as demais contradições que se encontram na arte aparecem no cristianismo. Se crês na lógica científica, não podes ter duas verdades ao mesmo tempo. Mas na arte a verdade reside na contradição, como na mística, onde os opostos se encontram. É como a Santíssima Trindade. Três em um? Isso rompe com a lógica científica, [mas] não com a poética . Vejo sentido em que a Igreja critique a promiscuidade, porque defende  um vínculo amoroso profundo e duradouro. Mas a homossexualidade?  Isso é algo muito diferente. Nunca me senti outra coisa que não um estranho, um marginado, fora da comunidade. Não encaixava . Também há escritores inteligentes e integrados, mas não me interessam, como  Umberto Eco . Agradam-me, por exemplo,  Thomas Bernhard  e  Peter Handke .” Jon Fosse , Nobel da Literatura (em 2023), católico praticante, com seis filhos, entrevistado por  Xavi Ayén , para o “ La Vangu...

VOLTAR À TERRA

  "Desde que trabalho no meu jardim, invade-me um estranho sentimento; um sentimento que não conhecia antes; um sentimento que experiencio de forma intensa, até no corpo. É o sentimento da terra . Faz-me feliz . A terra é sagradamente bela . Talvez a terra seja um sinónimo dessa felicidade que, contudo, hoje em dia se afasta cada vez mais de nós. Por isso, voltar à terra significa voltar à felicidade . Hoje, estamos a abandonar a ordem terrestre, a ordem da terra, devido principalmente à digitalização e à informatização do mundo . Deixámos de perceber a força da terra, que tanta vida e felicidade gera. No meu jardim sinto, acima de tudo, uma profunda paz, uma força profunda e redentora, transcendência, majestosidade. O jardim fez com que voltasse a ser muito crente ." Byung Chul-Han , "A tonalidade do pensamento", Crítica, 2025, p.34.

Peras, sol, lago, sombra, terra, rosas

  Com peras amarelas e cheia de rosas bravas a terra desce assomando ao lago. Vós, cisnes clementes, ébrios de beijos mergulhais a cabeça na água de sagrada sobriedade. Ai de mim, onde encontrarei, quando é inverno, as flores, e onde a luz do Sol e as sombras da terra? Erguem-se os muros silenciosos e frios, rangem as veletas ao vento. Holderlin , "Hipérion ou o Eremita da Grécia".