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A mostrar mensagens de novembro, 2022

O CENTENÁRIO DE PASOLINI E A SINGULARIDADE DO SEU "EVANGELHO SEGUNDO MATEUS"

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  O CENTENÁRIO DE PIER PAOLO PASOLINI E A SINGULARIDADE DO SEU "EVANGELHO SEGUNDO MATEUS" Homem da palavra, licenciado em Literatura pela Universidade de Bolonha (cidade natal), Professor de Letras, Pier Paolo Pasolini (1922-1975), quando entra no mundo cinematográfico é já um literato de créditos firmados (romance, poesia, crónica). E também no cinema pretende afirmar a centralidade da palavra, quer fazer um 'cinema-poesia' (movimento homónimo incluirá os estudiosos de Pasolini e aqueles que se inscrevem na mesma corrente estética). Fazer cinema, aliás, para este autor é uma outra forma de escrever – “eu escrevo poesia através do cinema”. Pasolini aplicará, de resto, o discurso indireto à câmara (de cinema) e bem pode dizer-se que também podemos ler os filmes de Pasolini. De outra banda, deve assinalar-se, com igual vigor, a ligação de Pier Paolo Pasolini e seus filmes, à pintura. Neles, pois, as referências aos maiores mestres das artes plásticas encontram-se presen

DIÁRIO DE UM SEM-ABRIGO (JORGE COSTA)

  ‘ JORGE COSTA. DIÁRIO DE UM SEM-ABRIGO ’ Num momento em que Portugal tem cerca de 9 mil pessoas em situação de sem-abrigo (mais 800 do que em 2020), Jorge Costa dá rosto e relato, duro mas urgente, á selva das ruas 1.Como chegou Jorge Costa à condição de sem-abrigo? Técnico administrativo, numa empresa de contabilidade que declarou insolvência, viu-se, sem indemnização – três anos depois, por decidir em tribunal -, no desemprego. Tornar-se-ia, sucessivamente, operador de uma gasolineira e trabalhador da construção civil, depressa trocado por gente mais nova, encontrar trabalho depois dos 50 é, muitas vezes, ‘ um suponhamos’ . Já sem pais, família escassa, os amigos a evitarem-no em percebendo as dificuldades por que passa – e ele evitando, também, contar, a outros dois ou três amigos mais próximos, a situação a que chegara -, aos três meses sem conseguir pagar renda, deixou a casa de mansinho. A vida tinha-o posto na rua. 2.Barba feita, calças de ganga, t-shirt com evocação de um a

PORTUGAL E A MÚSICA: FERNANDO C.LAPA E CARLOS AZEVEDO, NA "CONVERSA DE BASTIDORES", DO TEATRO DE VILA REAL

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  PORTUGAL E A MÚSICA: FERNANDO C.LAPA E CARLOS AZEVEDO NAS "CONVERSAS DE BASTIDORES", DO TEATRO DE VILA REAL Esta noite, na terceira sessão do ciclo “Conversas de bastidores”, no Teatro de Vila Real, a escutar os compositores Fernando C. Lapa e Carlos Azevedo , naturais de Vila Real, moderados por Carla Carvalho . De Portugal, emigram, hoje, muitos músicos e de excepcional qualidade, resultado, por um lado, da extraordinária evolução da formação em música no país (do crescimento exponencial, nas últimas duas décadas, de escolas de música, mais de 100, espalhadas pelo território nacional) e, por outro, da ausência de demanda que permita aproveitar/fixar “a capacidade instalada”. Neste contexto, sublinha-se a ausência de um número bastante de orquestras em Portugal (capazes de contratar, por tempo indeterminado, um conjunto de músicos que possam viver, profissionalmente, em exclusivo, de tal vínculo; tal ocorre, pois, em casos muito contados). Do mesmo modo, a ausência de um

DO ELOGIO DA IMPERFEIÇÃO (PAOLO SCQUIZZATO)

  Do elogio da imperfeição 1.Se tudo depende de   mim , se posso manipular/conformar a realidade por completo (de modo a obter os resultados que pretendo), se estiver convencido de que, em querendo/esforçando-me/empenhando-me, chego (necessariamente) sempre ao que ambiciono; se toco, portanto, o ilimitado, se posso alcançar a perfeição - e quantas vezes o mundo nos diz isto, nas suas mais diversas faces, as mais das vezes muito amáveis e bem-intencionadas -, então não estou aberto às   minhas   debilidades, fragilidades, feridas (não   estou   aberto, sequer, a olhar para elas, a reconhecê-las;   ajo , pois, como se não existissem), numa palavra, recuso sentir- me   carente/carecido de algo/Alguém, de um   plus . O fechamento de todas as possibilidades que não as   minhas , pode ensinar uma moral transbordante (nos termos de Tagore , "Ele, que está demasiado ocupado em fazer o bem, não tem tempo para ser bom"), mas não se abeira do precipício da fé. Da gratuitidade, do dom, d

A PROPÓSITO DE "A VIAGEM DO ELEFANTE" - NOS 100 ANOS DE SARAMAGO

  Do estatuto do narrador. A propósito de "A Viagem do Elefante", de José Saramago O habitual elefante em loja da porcelana linguística mais convencional e purista está de volta, numa provocação estética e desafio literário de não pouca relevância: é o estatuto do narrador que emerge como repto ao leitor do último “conto” – assim pretende o autor ver classificada a sua mais recente obra – do Nobel da Literatura português. Habituados a operar com a distinção narrador-autor, com o primeiro a não ser subsumível nem tão pouco diluível no segundo, é com algum embaraço que assistimos à verdadeira osmose promovida por Saramago, entre estas duas “entidades”. Para efeitos de melhor explicitação, pensemos, ainda, na poesia e na análise centrada no “sujeito poético”: não atribuímos os pensamentos, as ideias, os sentimentos ao autor Pessoa ou Cesário Verde, por exemplo, mas referimo-nos ao “sujeito poético”, “sujeito” com o qual, de resto, os autores não têm de concordar ou se aproxima

A CORAGEM DE VER ATÉ AO FIM (DAVID SATTER)

  A CORAGEM DE OLHAR ATÉ AO FIM 1.Em “ Quanto menos soubermos, melhor dormimos ” ( Zigurate , 2022; originalmente publicado pela Yale University Press , em 2016), o historiador e jornalista David Satter – correspondente em Moscovo, para o ‘Finantial Times’, em diferentes décadas; nos anos de 1976-1982; entre 1990-2013, sendo expulso duas vezes do país – escreve que foi a entourage de Boris Ieltsin e de Vladimir Putin quem ordenou, em 1999, em conjugação com o FSB ( serviços secretos ), os ataques aos bairros residenciais de Moscovo , Buinaksk e Volgodonsk (4 prédios de apartamentos explodiram entre 4 e 16 de Setembro), dos quais resultaram várias centenas de mortos, no intuito de os atribuir, como veio a fazer, a terroristas tchetchenos e, desse modo, poder justificar e avançar, como também ocorreu, para a segunda guerra na Tchéchénia (a primeira acontecera cerca de 5 anos antes). Com índices de popularidade nos mínimos, com medo de perder as eleições presidenciais de junho de

CORDIALIDADE E DÚVIDA (VICTORIA CAMPS)

  Cordialidade e dúvida 1 .Repete-se, à saciedade, sobre a democracia o que dela disse Winston Churchill : «o pior sistema, à excepção de todos os outros». Victoria Camps , sem o contradizer (bem pelo contrário), olha-a, contudo, pela positiva: a democracia é a mais adequada forma de governar - porque, humanos, somos seres ignorantes e de conhecimento limitado. Em assim acontecendo, “não há homens nem mulheres suficientemente sábios a quem confiar [em exclusivo] o governo com a convicção de que o exercerão bem” (“Elogio da dúvida”, Edições 70 , 2021, p.53). Em realidade, pode, mesmo, inverter-se, a máxima , sobre a democracia, mais vezes repetida no nosso espaço público: a democracia, apesar de ser “o melhor dos regimes possíveis”, “é medíocre”: “porque as decisões são confiadas às opiniões de intelectos limitados, que estão longe de ser omniscientes” (p.66). 2 .Cordura, sensatez, boas-maneiras, sobriedade, amabilidade, ponderação, moderação, prudência, reflexão, companheirismo, urb