PORTUGAL E A MÚSICA: FERNANDO C.LAPA E CARLOS AZEVEDO, NA "CONVERSA DE BASTIDORES", DO TEATRO DE VILA REAL

 



PORTUGAL E A MÚSICA: FERNANDO C.LAPA E CARLOS AZEVEDO NAS "CONVERSAS DE BASTIDORES", DO TEATRO DE VILA REAL
Esta noite, na terceira sessão do ciclo “Conversas de bastidores”, no Teatro de Vila Real, a escutar os compositores Fernando C. Lapa e Carlos Azevedo, naturais de Vila Real, moderados por Carla Carvalho.
De Portugal, emigram, hoje, muitos músicos e de excepcional qualidade, resultado, por um lado, da extraordinária evolução da formação em música no país (do crescimento exponencial, nas últimas duas décadas, de escolas de música, mais de 100, espalhadas pelo território nacional) e, por outro, da ausência de demanda que permita aproveitar/fixar “a capacidade instalada”. Neste contexto, sublinha-se a ausência de um número bastante de orquestras em Portugal (capazes de contratar, por tempo indeterminado, um conjunto de músicos que possam viver, profissionalmente, em exclusivo, de tal vínculo; tal ocorre, pois, em casos muito contados). Do mesmo modo, a ausência de uma estratégia/planeamento de longo prazo, por banda do Estado (central) ou dos poderes administrativos, de modo a gerar e preservar um património imaterial – só escrevendo/compondo um milhão de peças, poderiam os autores portugueses (de referência) alcançar legar à posterioridade 500 obras de valor superior, ilustrou Carlos Azevedo – foi, seriamente, problematizada.
Para o também Professor de Música e, durante mais de vinte anos, até há bem pouco, diretor da Orquestra de Jazz de Matosinhos, as elites portuguesas parecem mais propensas à consideração da Literatura, sobre a qual são capazes de discorrer de modo prolixo e denso, do que, propriamente, à Música – sendo que, dentro de 200 anos, os autores e composições de que se ouvirá falar, como os que atingirão um nível mais elevado, advirão de França e Alemanha (ainda que, neste último caso, em termos musicais, exista, também, até, “o que de mais azeiteiro” se encontre na música; “eles é que inventaram a música pimba” e, em terras germânicas, aquela atinge um tal nível raso que “faz o Tony Carreira parecer um Caruso”; sucede, e isso é o importante, que a elite alemã não permite que tal “género” (musical) se torne o mainstream ou afete o prestígio, o lugar, a centralidade da “música séria” que, por exemplo, nos nossos jornais terá perdido o devido espaço).
O mecenato, em Portugal, de modo estranho, acaba por ir parar ao sector público ou instituições públicas – “já demos para a Orquestra Sinfónica”, “já demos para a Casa da Música”, etc., referem os eventuais patrocinadores quando solicitados -, possivelmente não isento de contrapartidas (fiscais), não logrando, desta sorte, aquele, revestir o carácter autenticamente filantrópico de retribuição à sociedade do que ela possibilitou ao cidadão, economicamente, alcançar e, nesta medida, não financiando, por exemplo, um dado instrumentista, pagando “o lugar”, durante um determinado período de tempo (daquele), como sucede, por antonomásia, nos EUA. Devido, em todo o caso, muito provavelmente, aos acréscimos de receitas que, nomeadamente, o sector do turismo tem propiciado, no nosso país, especialmente em alguns centros urbanos, instituições do sector social, como a Misericórdia do Porto, têm realizado, nos tempos mais recentes, mais encomendas de peças musicais, - sublinharia Fernando Coutinho Lapa.
Aquele que será o “compositor com mais peças, em quantidade e qualidade, para coros” no país, no dizer de Carlos Azevedo, evocou a figura do Padre Minhava como determinante, no seu ingresso no Seminário, e quando contava pelos 10/11 anos, no despoletar e desenvolver a capacidade de escrever música (evidentemente, apurada e ganhando outros contornos de complexidade e técnica com os anos e a formação superior musical, já fora de Vila Real).
Concordariam Fernando C. Lapa e Carlos Azevedo em que, por vezes, um profissional desta área artística fica colado a uma específica área da música – “como, por exemplo, um actor fica com um rótulo ligado à comédia e depois vem reivindicar que também sabe fazer drama, mas ninguém o convida para papéis nesse âmbito” – e, para o bem (encomendas nesse domínio) e para o mal (ausência de procura noutros que o profissional também dominaria e gostaria de desenvolver), dificilmente consegue dela libertar-se. A propósito, Carlos Azevedo diria que o seu sonho era compor óperas e ficou-se, até hoje, por “uma [ópera] e meia” (risos).
A terceira “Conversa de Bastidores” não terminou sem que se indagasse até que ponto existe uma “música portuguesa”, uma música puramente nacional (ou músicas estritamente nacionais), na medida em que “todos temos os mesmos instrumentos, conhecemos os mesmos professores, os mesmos autores, dominamos as mesmas línguas, conhecemos a música que se faz por todo o lado” e, sem embargo, “não há dois olhos iguais” e “vemos a partir do sítio onde existimos” e nos formamos (formámos), pelo que alguma peculiaridade poderá, de algum modo, quase inevitavelmente, assomar à música que cada um fará (nota Fernando Lapa que sempre se interessou por e trabalhou a música de raiz popular/tradicional).
No entender de Carlos Azevedo, estão muito mais por dentro da evolução da cena musical e das outras artes diretores de Teatros como o de Vila Real do que alguém com o perfil do actual titular do Ministério da Cultura. Teatro de Vila Real apostado em apoiar os artistas e produção locais e, em simultâneo, dar a conhecer alguns dos melhores artistas nacionais e internacionais, possibilitando, aos que aqui habitam (e, nomeadamente, fazem da música o seu métier) o contactar/aprender com os melhores, “dando-lhes asas”, se tiverem o desejo e o ensejo de voarem (na síntese da vereadora da cultura da câmara municipal de Vila Real, Mara Minhava).
Assim, o registo das que se nos afiguraram como principais reflexões (neste ciclo do Teatro de Vila Real que coloca em cena as várias artes), entre o muito que se avançou nas últimas décadas e o quanto falta avançar no panorama da música e seus cultores e executantes em Portugal (a ausência de contrabaixos em 1997, a Orquestra de Jazz de Matosinhos e o recurso a amadores, de diferentes proveniências profissionais, a engenharia à arquitectura nos seus alvores, até à profusão de músicos de extraordinária qualidade...mas em "exportação" sem o devido espaço e aproveitamento dentro das nossas fronteiras), à qual não faltaram as intervenções e interrogações, com acuidade e sabedoria, de outro grande Mestre da música, e também vilarealense, Paulo Vaz de Carvalho.

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