UM AUTÓGRAFO ABENÇOADO
Sabendo-me vencido, mas
não convencido pela absoluta impossibilidade de escutar, ao vivo, as palavras
do sábio, foi, em vez de mim, já uma dúzia de anos transcorreu, e
contemplou-me, dia seguinte, com o presente da conferência integral, escrita,
para eu poder (re)ler e sublinhar. Cortesia máxima do autor que lhe juntou que
palavras sopradas, sorrio, num autógrafo, por todos os motivos, abençoado.
Sexta-feira, o sábio, José Tolentino de Mendonça, estará, ao vivo, em Mateus,
para a entrega do Prémio Dom Diniz - e já não há lugares disponíveis. Hoje, no
espaço semanal de cidadania, na universidadefm, referi-me ao mais recente “Metamorfose
Necessária. Reler São Paulo”.
No seu “Elementos
bíblicos para uma erótica cristã”, principiando por uma incisiva epígrafe de
Lucien Jerphagnon – “a doutrina do amor é de uma imensa profundidade no
cristianismo, e nada tem de vulgata anti-erótica à qual com tanta frequência
aparece reduzido” -, José Tolentino de Mendonça centra a sua análise no “Cântico
dos Cânticos” – “o poema irrompe igualmente com o seu quê de inesperado dentro
do quadro bíblico (…) Coloca-se entre parêntesis a sobriedade da antropologia
bíblica, e exalta-se demoradamente a beleza, o aspecto, os detalhes das figuras
feminina e masculina. As palavras como que se tornam de seda. Há aqui um
extraordinário trabalho de construção verbal que nos obriga a concluir que o
autor anónimo seria um grande poeta (ou uma grande poeta, como hoje se tem por
provável” – e, nele, livro do séc. V ou IV a.C., destaca a singularidade que a
mulher aí alcança/com que a mulher é aí considerada (confrontando-a, ademais,
com um contexto cultural marcado pela subalternidade desta): “nenhum outro
texto bíblico dá a palavra à mulher numa tal proporção. Há uma acumulação de
verbos na primeira pessoa, com a bem-amada por sujeito. Ela busca e é buscada.
Pede e é pedida. A sua palavra inaugura o canto. A mulher olha para o homem e
avizinha-se a ele com a mesma impaciência e a mesma alegria de ele a ela. Este
co-protagonismo que o Cântico atribui aos que se amam, lança o amor como
território de uma reciprocidade e paridade fundamentais”.
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