"EUROPA AO CENTRO" PASSOU HOJE POR VILA REAL

 

EUROPA AO CENTRO
Porventura, o ponto politicamente mais forte do encontro-debate, inserido no ciclo “Europa ao Centro”, promovido pelo Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal e pela Associação Portuguesa de Centros Comerciais, no “Nosso Shopping”, em Vila Real, na tarde desta sexta-feira (18h20-19h50), e que colocou em diálogo os eurodeputados José Manuel Fernandes (PSD) e Pedro Silva Pereira (PS), moderados pelo jornalista João Pereira (Porto Canal) passou pela questão da (possível) adesão da Ucrânia à União Europeia.
Neste contexto, José Manuel Fernandes criticou aquela que considerou ser “uma posição titubeante” do Primeiro-Ministro português (relativamente à adesão da Ucrânia à UE), posição, essa, que se estribaria, na perspectiva daquele eurodeputado, numa “diminuição do bolo”, dos “fundos europeus” que caberiam a diferentes estados-membros e, nomeadamente, a Portugal (e daí a hesitação de António Costa). No fundo, a posição do actual PM, na leitura de JMFernandes estaria eivada de um certo “egoísmo” nacional que, no seu entendimento, deveria, claramente, ser superado por um incondicional apoio à entrada da Ucrânia na UE.
Em resposta, Pedro Silva Pereira, embora referindo que o Primeiro-Ministro português faz parte do Conselho Europeu que tem dado passos no estatuto de “convidado” adstrito à Ucrânia, elencou, em rigor, um amplo conjunto de argumentos que deixam em “suspenso” aquela entrada: i) há muitos países candidatos a integrarem a UE; ii) uma coisa é uma UE a 27 elementos; outra, a 37; iii) para um país integrar a UE deve cumprir um conjunto de requisitos/critérios e a observação dos mesmos só é passível de ser concretizada em um momento diverso do actual (em guerra); iv) em entrando a Ucrânia para a UE, tornar-se-ia, de imediato, o quinto país mais populoso da mesma; v) para gerir/regular uma UE com mais de três dezenas de membros (caso entrassem, pelo menos, mais três do que aqueles atualmente existentes; embora, Silva Pereira não tenha aludido à particular situação de cada um dos países nem estabelecido comparação com o caso ucraniano), a UE careceria de uma preparação de regras que evitassem o bloqueio na tomada de decisões; vi) a Polónia já manifestou reservas relativamente à Política Agrícola, no que diz respeito á entrada da Ucrânia para a UE; vii) a questão da transferência de fundos europeus – que não são ilimitados -, sim, é relevante, na ponderação a fazer.
Face a este argumentário, José Manuel Fernandes - que repetiu durante a tarde ver, na UE, “governantes, mas não líderes” - entendeu que corroborada ficara, pela intervenção do eurodeputado do PS, a sua compreensão de que aquilo que se pretende é, em última análise, encontrar pretextos para evitar que Ucrânia integre a União Europeia: “por aquilo que tu acabaste de dizer, nem daqui a 50 anos!”. Silva Pereira, sem contrariar, acrescentou, inclusive, não sem surpresa no momento político que vivemos, o exemplo turco, cuja putativa entrada na UE dura há mais de 20…. Para o eurodeputado do PSD, mesmo que houvesse perda de parte do “bolo” para Portugal, mesmo que a política agrícola comum tivesse que ser modificada, politicamente era uma exigência proceder de modo a fazer a Ucrânia juntar-se ao grupo dos 27. Mesmo considerando a questão económica, a Ucrânia, insistiu, tem muitas matérias-primas essenciais (para o mundo e desde logo os demais membros de uma UE de que fizesse parte), é um grande mercado, etc.
Claro ficou, ademais, que José Manuel Fernandes é contrário à existência de um exército europeu, refutando, contudo, os que julgam que o Orçamento de defesa russo é maior do que o dos 27 países (somados) da UE: este, é o triplo daquele.
Enquanto “os EUA têm um único modelo de tanques”, cada Estado europeu quer ter o seu modelo de tanque, as suas armas específicas e cada um tem a sua política externa (para lá do que é a política externa da UE.
A sessão principiara com a apresentação de Pedro Silva Pereira enquanto vice-presidente do Parlamento Europeu, indicando a recente negociação em que participara, numa das comissões parlamentares que integra, pela UE, com o Japão, dela saindo, de um dia para o outro, taxas sobre os produtos europeus como o caso do vinho que, assim, passou, em 24 horas, a custar menos 15%, tornando-se, desta forma, um produto que Portugal (e a região transmontana, em particular) exporta bem mais competitivo (do que até então; evidentemente, de um acordo com ganhos e cedências para todas as partes, entendeu como mais relevante este sublinhado). Também José Manuel Fernandes daria conta da sua participação na cimeira comercial com o Mercosul e como acordos comerciais daí saídos, a seu ver (um ver contrário ao proteccionismo económico), beneficiará o têxtil ou calçado portugueses. Modos, pois, de procurar concretizar o impacto direto do que os eurodeputados fazem na vida (emprego, economia) dos cidadãos (portugueses).
Pedro Silva Pereira faria, após a introdução, o seu ponto político/ideológico: a política seguida pela UE, em tempo de pandemia e de guerra, foi o adequado, a “UE foi solidária”, assim se contrapondo às políticas austeritárias da crise precedente (de natureza financeira), uma década antes. A “mutualização da dívida” – o facto de ser, agora, a Comissão Europeia a financiar-se nos mercados – emergiu, como reclamado pelos críticos das duras políticas seguidas na Europa no pós-2008, e o estímulo económico pôde acontecer. Sem se pronunciar sobre este contraponto/dicotomia de políticas prosseguidas na Europa nestes dois momentos assinalados, José Manuel Fernandes chamou a atenção para o facto de a UE ter comprado vacinas – imaginem o que seria uma compra de vacinas Estado a Estado: “quem compraria as vacinas primeiro? A Alemanha, de certeza, e a seguir os ‘frugais’” – e as ter distribuído equitativamente. E rejeitou o modo como, em nome dos egoísmos nacionais, em nome da energia barata, ainda houve um compasse de espera relativamente à guerra de invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin (por banda de muitos estados europeus) e, mais, durante muito tempo, ao pagar-se mil milhões mês à Rússia, em energia, financiou-se, na prática, a compra de armas por parte deste estado.
“Muitas vezes, digo aos ‘frugais’: vocês deviam dizer ao vosso eleitorado que só conseguem ter a economia que têm por causa do mercado interno europeu, porque exportam para os outros (…) O grande problema é que a única coisa que nós perguntamos é quanto recebemos e os alemães a única coisa que perguntam é quanto é que pagam”. Atente-se no caso britânico: lamentava-se muito, o governo (num tipo de postura cujo início remonta há várias décadas, ainda com Thatcher, ainda que sem se chegar ao extremo que se verificou com o Brexit) junto do seu povo, do cheque anual de 10 mil milhões de euros para a UE (embora com isso o Reino Unido muito ganhasse), quando o custo anual de estar fora da União Europeia, para os britânicos, é de 110 mil milhões de euros.
Com 6% da população mundial, na UE acontece o 45% da despesa social no mundo.
O eurodeputado do PSD foi muito crítico do processo de formulação do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) – “não se ouviu um presidente de câmara, um membro das comissões de coordenação regional de desenvolvimento” para a sua feitura – e do “centralismo” – um problema real, também no parecer de Pedro Silva Pereira -, sendo que dos “fundos de coesão” zero euros para o “combate à pobreza” em qualquer lugar do país que não as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Como se não haja pobreza em Vila Real, Bragança, Castelo Branco, Chaves, Alijó ou Mesão Frio: “eu até sou a favor que uma parte do dinheiro possa ser gasto na extensão das linhas do metro nessas áreas metropolitanas. Mas tem que se dizer às populações de onde vem o benefício, tem que se dizer que só têm acesso aos “fundos de coesão” por haver regiões com índices de riqueza (pobreza) que permitem/reclamam o acesso a essas disponibilidades” (já agora, Espanha, França, etc., não têm acesso ao fundo de coesão). Embora as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto concentrem 40% da população portuguesa, e se se quisesse podia-se, então, concentrar de tal modo (todos) os apoios que os números finais mostrariam convergência com a UE, mas isso realizar-se-ia “à custa da coesão territorial” portuguesa. Portanto, tal não pode suceder, a concentração de recursos, mesmo na actual fase, não é admissível, e não se compreende como do PRR não faz parte a prevenção da futura ausência de água – nomeadamente, em modos de a reter e reutilizar na Agricultura - e na Floresta. José Manuel Fernandes assacou, aliás, ao centralismo a falta, desde há tempo bastante, de membros que completem o Conselho de Administração do Centro Hospital de Trás os Montes e Alto Douro, o não suprimento das dezenas de médicos que rescindiram ali contrato, ou a falta de diretor no centro regional de segurança social de Vila Real há 8 meses.
Pedro Silva Pereira principiou, neste momento do debate, por retorquir uma parte do que o seu interlocutor acabara de afirmar: esse investimento na água, existe, mas não está no PRR, mas noutros mecanismos legais que atenderão ao mesmo problema. Muito pouco – arguiu, de novo, José Manuel Fernandes. Depois, dirigindo-se ao eurodeputado do PSD, disse que “você tem muito azar comigo” porque, quis notar, “fiz parte de um governo” que investiu “de modo inaudito” na região, sendo que as infra-estruturas criadas são determinantes em investimentos dos privados em marcha: “a Continental vai investir 10 milhões de euros, tem um projecto de vanguarda, estive lá e o que eles me disseram foi que se não fossem as auto-estradas não investiam aqui”. Auto-estradas que, durante anos, muito discutidas foram no espaço público português, mas que vemos cada vez mais notadas positivamente (sobre a “política de betão”, João Vale de Almeida, há uma semana, ao 'Expresso', dava nota positiva: as infra-estruturas, auto-estradas, escolas, hospitais, etc. foi dinheiro bem gasto, fundos europeus bem aplicados…falhámos em aplicar mais em ferrovia). Para Pedro Silva Pereira, ao longo dos anos os fundos europeus foram bem aplicados por Portugal e, apesar de sempre se dizer que não vão ser executados, os dinheiros acabam aplicados (85% do investimento público tem vindo de fundos europeus, nos últimos já consideráveis anos, assinala José Manuel Fernandes; por isso, imagine-se que havia perda de receita de 15% na UE; esta, concluem os dois eurodeputados, deve e prepara-se para encontrar novas formas de gerar receitas; registe-se, ainda, que o apoio à Ucrânia, por parte da UE, se cifra, neste momento, em 72 mil milhões de euros, sem contar com as ajudas em material militar).
Os projectos do PRR para a região transmontana estão, em grande medida, nas “mãos” da UTAD. Portugal ainda está a aplicar fundos do programa 20/20 (três anos depois do prazo previsto para a sua conclusão, mas ainda ao abrigo das regras europeias). Já do plano 20-30, nada se executou nestes dois anos (pelo que se sugeriu neste debate…por se estar a aplicar o 20/20), tudo redundando, para José Manuel Fernandes, num fazer em cima do joelho e, sobretudo, em não sabermos para que queremos, em que queremos, que estratégia, que Educação, Saúde, país queremos em 2030 (em realidade, fundos a aplicar até 2029 – “chama-se 20/30 porque é mais sexy”).
Por entre os cerca de 30 elementos na assistência intervieram cidadãos que vieram expressamente, ao shopping de Vila Real, de Mirandela, Mondim de Basto e Celorico de Basto para assistir ao debate (promover uma escola, uma associação, escutar o que havia a dizer sobre o futuro europeu e português…) e um cidadão vilarealense começou exemplarmente a sua apresentação: “sou um mero cidadão, que se interessa pelas questões da polis…”. Concluiu-se elogiando, de sobremaneira, o programa Erasmus+ que vem permitindo, desde o terceiro ciclo do ensino básico, a estudantes de diversos países europeus, um diálogo cultural, uma partilha, um conjunto de viagens entre países, línguas, culturas que faz dele um dos mais atraentes e relevantes da UE. Se havia, na plateia, quem se lembrasse do modo como a UE contribuiu para que houvesse saneamento básico na sua aldeia – “diga-se o que se disser, este país beneficiou muito por estar na União Europeia!” -, Silva Pereira concluiu que talvez sejam os jovens aqueles que melhor reconhecem agora o papel desta. José Manuel Fernandes, relevando que os currículos escolares são mister dos estados nacionais, sopesou como positiva a possibilidade de neles se integrar uma dimensão de “estudos europeus”, de conhecimento da história, instituições, questões europeias.

Pedro Miranda



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