SEM RELATIVISMOS

 

Bombardeamentos em carpete de ruas inteiras que provocaram a morte de centenas de pessoas inocentes são tão inaceitáveis como o ataque do Hamas. Porque, de duas, uma: ou introduzimos valores universais na avaliação dos acontecimentos desta guerra, ou relativizamosSe relativizarmos, quem “compreende” a barbárie do Hamas em nome do direito da Palestina a ter um Estado tem de aceitar a “barbárie” de Israel em nome da defesa do Estado que tão arduamente construiu. Se formos intransigentes na defesa de valores, temos de condenar tanto o massacre do Hamas como um massacre de IsraelPara lá chegar, vale a pena distinguir a natureza das partes em conflito (...) Para se concluir que há acções que se podem esperar do Hamas mas não de Israel. Por muito bárbaro que seja Israel, e tem-no sido, em Telavive ainda sobrevive uma réstia de democracia, de liberdades civis e de dissidências que lutam por valores; por muita razão de protesto que tenha o Hamas, em Gaza prevalece um regime totalitário e indiferente aos direitos humanos. Um massacre como o de 7 de Setembro encaixa, por isso, nas categorias de poder do Hamas. Uma resposta de ataques a alvos civis indiscriminados, como a que assistimos na última semana, não faz parte dos pergaminhos de uma sociedade aberta e democrática. Aceitar a legitimidade da “banalização do mal” será sempre uma derrota para os democratas e para os defensores dos direitos humanos. O recurso ao terror é prerrogativa dos terroristas, dos ditadores ou dos Estados párias. Jogar nesse tabuleiro é aceitar jogar à luz das suas regras. Um país como Israel não pode acreditar que punirá o Hamas e ganhará a guerra reduzindo Gaza a escombros e matando indiscriminadamente crianças e idosos. Se seguir essa via, descerá ao seu nível. No fim, pode até exterminar o Hamas. Mas, pelo caminho, terá igualmente exterminado a ideia de justiça e a arquitectura de valores que, apesar de tudo, neste mundo louco, distingue democratas de autocratas como Vladimir Putin ou de assassinos como o Hamas.

Manuel Carvalho, "O que nos distingue do Hamas", Público, 21-10-2023, p.6.

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