'COMO VENCER UMA ELEIÇÃO'

 

'COMO VENCER UMA ELEIÇÃO'

Maquiavelismo (muito) antes de Maquiavel. Quinto Túlio Cícero (será? os estudiosos dividem-se quanto à autoria da carta, e respectivos conselhos eleitorais, que sustentam este livro, como explica, na 'Introdução', Philip Freeman), procura advertir o irmão, Marco Cícero, um brilhante retórico e advogado de causas impossíveis, sobre o que deve fazer para ganhar a eleição para Cônsul (cargo mais elevado na República), na grande Roma. Mesmo sem sangue azul, 'meritocracia', afinal, a funcionar em 64 a.C., Marco Cícero é eleito (o último cidadão a ser eleito cônsul, não pertencendo à classe senatorial, havia alcançado tal honra 30 anos antes). Mesmo que, anos mais tarde, seja assassinado, como o irmão, e a República ceda lugar ao Império.
Intemporais são os homens e as mulheres que se vêem retratados neste escrito clássico, a propósito de um metier que está longe de ter mudado assim tanto mais de 2070 anos depois. Entre a 'scientia' e 'ars' políticas, entre o divertido e o rigorosamente útil para as campanhas vindouras:

"nº42. Diga-se, em primeiro lugar, que nada impressiona tanto o eleitor médio como o facto de haver um candidato que se lembra dele, por isso tens que trabalhar todos os dias para te lembrares dos nomes e das caras das pessoas.
Tu possuis, meu irmão, qualidades maravilhosas, mas tens de adquirir as que te faltam e fazer parecer que nasceste com elas. Tens muito boas maneiras e és sempre cortês, mas tornas-te, por vezes, um tanto hirto. Precisas, urgentemente, de aprender a arte da adulação - que na vida de todos os dias é uma coisa vergonhosa, mas durante uma campanha eleitoral é essencial. Não há desculpa para o facto de utilizares a adulação para corromper um homem, mas é aceitável que uses uma certa insinuação como modo de criar adeptos políticos. Porque um candidato tem que ser um camaleão, adaptando-se a cada pessoa que encontrar, mudando, se necessário, de expressão e de discurso.

nº43. (...) Durante a campanha não há tempo para férias. Tens de estar presente na cidade e no Fórum e falar constantemente com os eleitores, um dia e no dia seguinte e no noutro e no noutro. Não permitas que se possa dizer que deixaste de dar a maior atenção a qualquer assunto durante a campanha.
[para a "humanização" de um candidato, das revistas do coração, aos programas da manhã e "confessionais"]

nº44. (...) As pessoas gostam de ouvir dizer que és generoso para com os teus amigos em eventos como banquetes, por isso tu e os teus amigos têm de fazer celebrações para as quais convidam os dirigentes das tribos (...) Tens, evidentemente, de manter abertas as portas da tua casa, mas tens de abrir sobretudo o rosto e a expressão, que são considerados as janelas da alma.

[as regras do ofício]

nº47. (...) Afinal de contas, se um político só fizesse as promessas que sabia que ia poder cumprir, não granjearia muitos amigos (...) O não-cumprimento das promessas dissolve-se muitas vezes numa nuvem de alterações de circunstâncias, de modo que a insatisfação que provoca contra ti acaba por ser mínima.

nº48. Se faltares a uma promessa, as consequências são incertas e o número de pessoas afectadas é reduzido. Mas se te recusares a prometer alguma coisa, as consequências são certas, e a recusa provoca imediatamente a zanga de um número muito maior de eleitores (...) Por isso, é melhor deixar algumas pessoas aborrecidas contigo no Fórum quando as desiludires do que teres uma multidão à porta de casa quando te recusares a prometer-lhe aquilo que ela quer."

[tradução de Pedro Saraiva, 'Gradiva', 2015; agora, reeditado pela 'Ideias de Ler']



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