INDISSOCIÁVEL DA PALAVRA 'UTOPIA', THOMAS MORE - O PADROEIRO DOS ESTADISTAS

 

Revisitado pelo cinema com "A man for all seasons", de Fred Zinnemann

Paul Scofield representa, magistralmente, um Thomas More inteiro, de uma integridade inabalável, hábil, diplomata, subtil, eticamente exemplar. O filme de Fred Zinnemann, 'A man for all seasons' ('Um homem para a eternidade', na edição portuguesa) faz luz sobre o magistrado, filho de um juiz, presidente da Câmara dos Comuns, diplomata ao serviço do rei, homem devotado à família, chanceler que confrontado com um Henrique VIII em ruptura com a Igreja Católica, pretendendo obter divórcio para voltar a casar, e não alcançando anuência do Vaticano, se torna o líder dos anglicanos. Morus abdica do múnus que não solicitara: cargos, honrarias e tributos não são o que o move; se puder, afastar-se-á da forca - "não tenho vocação para mártir", diz à mulher. Não se trata de um tolo, um ingénuo; é, antes, sustentado por uma bonomia solidamente ancorada: a adesão ao bem (em si mesmo, isto é, mesmo com as consequências que esse respeito pelo dever ser lhe trará), resulta, nele, de uma profundíssima convicção, de uma ligação a Cristo. Não se deixará apanhar em nenhum processo judicial 'fair', quando o rei quer juramento acerca da bondade de novas núpcias. Mas o cerco do poder, com todos os flibusteiros ao seu serviço, levará a que a sua cabeça seja alvo de um machado, já depois da despedida da família - à qual diz que há alturas em que não há outro remédio senão o de se ser herói, embora de todo o quisesse, 'mão esquerda não olhes a tua mão direita' -, encarcerado na Torre de Londres, na qual resiste a todas as tentativas de humilhação, recorrendo ao humor, e sabendo que há coisas que não estão na disposição do Homem, e que o poder político deve confrontar-se com 'leis eternas'.
Um filme que furtando-se a fáceis clichés, consegue, ao mesmo tempo, apresentar a clareza moral do biografado, a essência de uma relação de amizade, os dilemas do poder eclesiástico, escolhas duras mas determinantes para se saber o que cada um é. Num filme em que também participa Orson Welles, na posição de cardeal Wolsey. No ano 2000, e a solicitação de várias famílias, João Paulo II estabeleceu Thomas More padroeiro dos estadistas, quando já seus predecessores, desde o século XIX, com(o) Leão XIII, o haviam beatificado e canonizado.




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