O DEVER DE MEMÓRIA

 

Cotovia publicou, desde 2010, um conjunto de ensaios sobre a cultura judaica. No primeiro deles, O dever de memória, uma entrevista de Anna Bravo e Federico Cereja (com tradução de Esther Mucznick) a Primo Levi, o autor do seminal Se Isto é um homem afirma-se admirador das obras de Hermann Langbein, nomeadamente do “soberbo” Menschen in Auschwitz, obra na qual “os relatos que faz dos casos clínicos mais ou menos sérios dos SS parecem-me algo de novo, de importante e raramente evocado. Ele mostra-nos como, num universo odioso, quase todos se comportavam sem, no entanto, serem monstros congénitos: havia de facto poucos monstros, poucos doentes mentais e torcionários, a maioria cumpria a disciplina com uma indiferença cansada. Não os encantava terem de matar as pessoas, mas eles aceitavam-no, eram o produto de uma escola. Raramente li um livro que mostrasse tão bem o peso considerável da escola nazi, do sistema escolar nacional-socialista na criação de uma classe de subalternos”.
Poderíamos, aqui, observar nova eloquente demonstração do funcionamento rotineiro e burocrático da banalidade do mal. Mas, foi ao ver o poderoso O Laço Branco, de Michael Haneke que recordei estas palavras de Primo Levi, alargando-lhes o âmbito e recuando no tempo: todo o sistema social, toda a “escola” – em sentido lato, começando pela de casa, mas passando pelos ofícios ou o modo de entendimento do religioso - na base da formação de uma pessoa (no caso de Laço Branco, todo o sistema que ajudou a moldar os cidadãos que foram adultos durante o nacional-socialismo), ou como dizia João Lopes, mais ainda, o tópico do modo como um ser humano tem poder sobre o outro, e o que faz com esse poder.



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