SONDAGENS (PAULA DO ESPÍRITO SANTO)

 

Sondagens


Se todos, em algum momento, já desdenhámos de sondagens, fosse pela incredulidade dos registos nelas apresentados, passando pela discrepância enorme entre sondagens de institutos diversos incidindo sobre a mesma matéria, até ao sublinhado histórico de sondagens que falharam de modo clamoroso, concluindo, porventura e de modo mais elaborado, que não queremos Executivos ou orientações partidárias a "governar por sondagens" - com isto se pretendendo significar que ao longo de um trajecto que um Governo ou uma Direcção partidária, por exemplo, devem prosseguir, as flutuações da opinião pública, os humores mais ou menos momentâneos por parte desta, os estados de alma circunstanciais e casuísticos não devem ser o critério de acção de quem se espera tenha um rumo, um horizonte, uma perspectiva para a comunidade -, contudo, com Paula do Espírito Santo, em Sistema político e processos eleitorais: a importância das sondagens e dos media, no volume de Ética Aplicada dedicado à Política, na colecção que as Edições 70 têm vindo a publicar, somos convidados a revalorizar este instrumento, as sondagens, desde logo a partir desta constatação: "a sondagem é o produto da sociedade democrática; foi sempre interdita nos regimes totalitários. Nem a URSS, a de Estaline ou aquela que se lhe seguiu, nem o Chile de Pinochet, nem a Argentina de Videla, nem a China, a da grande revolução cultural ou aquela que se lhe seguiu, nem o Vietname nem Cuba, nem nenhum dos regimes despóticos do Terceiro Mundo ou do Leste Europeu, nem Franco nem Salazar toleraram jamais as sondagens de opinião" (Cayrol, 2000, p.11). No entender, pois, desta académica "a caminhada para a consolidação democrática teve nas sondagens e nos media, ao longo e a partir do início do século XX, dois dos pilares fundamentais para o desenvolvimento da cidadania crítica e democraticamente interventiva" (p.320). A história das sondagens principia nos EUA, ainda no séc.XIX - o jornal Harrisburg Pennsylvanian divulga uma sondagem para as Presidenciais de 1824 -, estendendo-se em poucas décadas a países como França (1848), Alemanha (1848) e Bélgica (1868-69). Contudo, apenas na segunda metade da década de 30 do século XX, as sondagens vão adquirir robustez técnica, com o fortalecimento da estatística. Célebre ficará, então, o modo como a empresa fundada por George H.Gallup - que viria a dar origem ao instituto de pesquisa de opinião que hoje tão bem conhecemos sempre que, nomeadamente, seguimos as Presidenciais norte-americanas - com base numa amostra de 2000 indivíduos conseguirá prever a vitória de Franklin Delano Roosevelt nas presidenciais de 1936, enquanto que a revista Literary Digest, baseando-se nas respostas obtidas pelos seus 2,3 milhões de assinantes, falha a projecção de vitória de Landon. Ou seja: claro ficava, desde então, que "as opções de selecção do universo e de construção da amostra eram essenciais para a precisão dos resultados" das sondagens (p.323).
Em Portugal, curiosamente, a primeira sondagem que se conhece surge, ainda, com Marcelo Caetano ao leme, para indicar o número de portugueses que nunca tinham votado. A 6 de Janeiro de 1973, na primeira página do caderno principal do Expresso titula-se que "63 por cento dos portugueses nunca votaram" (p.324). Até 1991, no nosso país, o tempo de proibição da publicação de sondagens políticas nos meios de comunicação social até ao dia da eleição, no caso das legislativas, variava entre os 2 meses e os 80 dias; nesse mesmo ano, o tempo mínimo passaria a ser de 7 dias até ao acto eleitoral e, desde 2000, este período de proibição passou para dois dias (pp.325-326).
Se o excesso de desdém pelas sondagens pode obliterar o que nelas há de reivindicação de uma atenção ao pensar, sentir, pulsar popular - o que acentuaria um pólo aristocrático presente nas democracias - e o alerta de Paula Espírito Santo adquire aquele eco que a chamada crise de representação produz desde há quase duas décadas pelo menos (entre nós), por outro lado, em tempos de agitação de medos, de apelo aos piores sentimentos junto dos mais descontentes, de jogos e manipulação de ressentimentos e da elaboração de bodes expiatórios para os males que nos atormentam ter a coragem e a clarividência de, em benefício da judiciosa ponderação dos interesses da comunidade, não seguir a última sondagem não será mérito pequeno.

Pedro Miranda

[originalmente, publicado na rubrica “reparo do dia”, na universidadefm]


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