IMAGINAÇÃO E CRIATIVIDADE NA EMPRESA
“A IMAGINAÇÃO É O PRODUTO MAIS RARO QUE HÁ”
No
ciclo de conferências que vimos levando a cabo, José Teixeira, Presidente do
Grupo DST (53 empresas que operam nas áreas da construção, energias renováveis,
telecomunicações, capital de risco, 3356 trabalhadores, 600 milhões de euros de
volume de negócios em 2023) foi o convidado, inspirado e inspirador, desta
terça-feira.
O
homem que lidera um grupo empresarial de referência do país, como que pôde
concentrar na referência a um experimento – o investigador que reuniu crianças
de três anos e lhes perguntou ‘quem, nesta sala, é artista?’ tendo aquelas, na
íntegra, levantado a mão e as acompanhou, depois, até aos dez anos, altura em
que, colocando a mesma questão, viu as crianças olharem umas para as outras
(por aí se ficando…sem ousar esticar o indicador) – o questionamento do modo
como nos organizamos para estimular, ou, bem pior, matar a curiosidade.
Curiosidade devia ser uma cadeira escolar, considerou.
O
dia na DST começa, às 8h, pelo envio de um poema (aberto o email às 9h), por
cuja selecção e partilha um trabalhador é, à vez, semanalmente, responsável (1
poema por dia, 5 por semana). Em diferentes dias entre segunda e sexta-feira,
há aulas com neurocientista (os trabalhadores ficarão a saber como funcionam os
diferentes hemisférios cerebrais) – concluiu-se, agora, a lecionação de 23
aulas nesse domínio – e há uma Arquitecta/Curadora de Arte para formar sobre a
História da Arte a comunidade dos que trabalham ali.
Na
empresa, como em qualquer organização, reforça, têm que (co)existir tempos de
formiga e (com) tempos de cigarra. Há um tempo para cantar (coros). Há banda na
DST. E teatro. Atelier de pintura. Cozinha-se em conjunto depois de se ir
comprar, em comunidade, o escolhido para a refeição. Há, inclusive,
cabeleireiros para cuidar dos trabalhadores. E, impactante, ofereceu-se aos
trabalhadores um seguro de saúde privado, da Médis, com um custo de um milhão e
oitocentos mil euros. Incentiva-se os trabalhadores a serem sócios de empresas
do grupo – numa espécie de estímulo a um “capitalismo popular” que possa
empoderar as pessoas.
Quem
acompanha, no espaço público, as intervenções de diferentes actores sobre o
mundo do trabalho, em anos recentes, terá tomado nota de como um grupo
empresarial que nasce, nos anos 40, sobretudo ligado à área da construção,
ofereceu, aos trabalhadores, curso de Filosofia na Universidade Católica
(Braga); promoveu, para aqueles que integram a empresa, conferências com
pensadores como Gilles Lipovetsky; encetou cursos de espiritualidade, com a
presença, entre outros, de José Tolentino de Mendonça ou Pablo d’Ors; peças de
Siza Vieira e Souto de Moura acrescentaram às estruturas (físicas) do grupo
empresarial; sessões de ‘Leitura Furiosa’ – juntando, em organização semanal, o
espírito das iniciativas ‘Leituras à Quinta’, de Felipa Leal, no Campo Alegre,
com o que Regina Guimarães promove, para quem não gosta de ler, em Serralves, ‘Leitura
Furiosa’ -; assina camarote, e 40 lugares mais, para todos os espectáculos no
Theatro Circo para que os trabalhadores possam ir aos espectáculos de teatro,
cinema, concertos de música, exposições de pintura – e a ida daqueles conta
para a avaliação desses mesmos trabalhadores. A ideia é a de um trato
humanista, mas com indicação de como irrigada a imaginação – e só assim – se
pode inovar e ser criativo – e José Teixeira, para o seu Grupo, não quer apenas repetir – pelo que das artes, combinadas com
a ciência, o material e o sensível, o físico e o metafísico, o visível e o
invisível sairá valor (económico, também) agregado para a empresa (neste
sentido, metaforicamente no contexto empresarial, “a imaginação é o produto
mais raro que há”).
Em
empresa adquirida pelo grupo, em anos recentes, o Engenheiro José Teixeira – um
homem, sujeito ao trabalho infantil logo aos 6 anos, sexto filho de uma família
pobre com o pai detentor de uma pedreira, mas que teria que fugir para França
quando este seu descendente tinha 9 anos, emocionado ao contar condições
duríssimas por que teve que passar, os cartões a substituírem a sola do(s)
sapato(s), a ausência de casa de banho numa habitação, aos 10 a trabalhar a
afinar materiais de trabalho até aos Sábados, trabalhos que sempre detestou, e
que encontrou nas carrinhas da Gulbenkian, e respectivos livros, na pergunta da
mãezinha sobre se queria estudar e no Grupo de escuteiros onde aprendeu teatro
e tanto mais – choca-se com o classismo que encontra em administradores que
nunca comiam à mesma mesa de trabalhadores. Descarta, por completo, modus
vivendi empresariais em que se procura fomentar a competição, uma certa lei da
selva, a aposta no cavalo certo: “as empresas não são hipódromos”. As empresas
têm que ser muito mais horizontais do que ainda são hoje, projecta.
Enquanto
anda em busca dos Schoenberg, dos Duchamp ou dos Cesariny no mundo do trabalho,
verifica como o número de horas de trabalho vem diminuindo desde a revolução
industrial e prevê que tal se incremente no futuro – mas não que o trabalho
fine. Na DST, grupo que construiu o esquema de comunicação do satélite
português Aeros, “namora-se muito”. Talvez por isso José Teixeira traga à liça
uma estatística muito particular: 7 nascimentos por cada 1000 em Portugal; 14
por 1000, em Braga; 35 por cada 1000 trabalhadores na DST…A plateia ri,
enquanto o orador diz do “vídeo brutal” pelo ‘dia internacional da mulher’ que
fizeram as trabalhadoras da DST, convidando os jovens – onde entende que elas
continuam a cuidar-se mais e eles a descuidarem-se, ou que a infidelidade é
mais penalizada no feminino, ainda, em 2025 – a vê-lo com atenção. Apesar das
mulheres dominarem largamente nas universidades, só 4 mulheres são reitoras e
há poucas CEO em Portugal, registou.
Assumido
comunitarista, desfiando um conjunto de autores, poetas, filósofos e livros que
sugere amiudadamente, José Teixeira diz-nos que a Igreja, as paróquias (e os
escuteiros) são, hoje por hoje, dos raros “territórios” nos quais a comunidade
tem lugar. E, na Igreja portuguesa, faz questão de sublinhar o trabalho
desenvolvido pelo padre João Torres nas prisões. Prisões a que vai
recorrentemente e às quais – às pessoas que se encontram detidas - leva poemas
e poetas, do mesmo modo que assim se encontra com pessoas sem-abrigo.
A
dignificação do trabalho e dos trabalhadores que perpassam o seu testemunho, de
resto, sempre os tive como muito congruentes/consequentes com a Doutrina Social
da Igreja.
José
Teixeira diz-nos que as novas gerações têm muito pouca paciência, pelo que o
período de ano e meio desde que entram na DST é decisivo/crítico. A partir daí,
há escassa rotação de trabalhadores na empresa, até porque os ordenados são,
claramente, acima da média (nacional). Nos próximos anos, em pelo menos uma das
empresas do grupo será praticado, como mínimo, o salário mínimo alemão – que,
por esta altura, andará nos 1800 euros. Despedimo-nos com “os livros são
fundamentais. Ler. Ler. Ler!”. Pois são. Foi um gosto.
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