"PORTUGAL VAI TER SEDE?"
A 28 de Junho, decorreu, na Casa de Mateus, em organização conjunta desta última instituição com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, um debate sobre as alterações climáticas e suas consequências, em especial procurando responder-se à seguinte interpelação/provocação: “Com as alterações climáticas, Portugal vai ter sede?”. Intervieram na sessão Rodrigo Proença de Oliveira, Doutorado em Engenharia Civil e do Ambiente pela Cornell University e docente e investigador do Instituto Superior Técnico, e Maria José Roxo, Professora Catedrática do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa (com moderação da jornalista Telma Miguel), autores de dois dos mais recentes ensaios publicados na colecção da FFMS: “Água em Portugal” e “Desertificação em Portugal”, respectivamente.
Entre os elementos mais sublinhados durante o Encontro, registem-se, no que há tanto de informação dos especialistas e de definição, na polis e pela comunidade, de políticas públicas a prosseguir, os seguintes:
i) as grandes assimetrias espaciais e temporais de necessidades e disponibilidades de água, em Portugal (“o aumento da variabilidade da disponibilidade de água tem levado alguns sectores a pressionarem o Governo para que construa novas barragens que aumentem a capacidade de armazenamento e regularização dos recursos hídricos, ou para que promova a transferência de água de regiões mais húmidas para regiões mais secas (…) Esses custos, nomeadamente os do investimento, devem ser sustentados de forma equilibrada, equitativa e razoável pelos beneficiários da situação, podendo o Estado participar no investimento caso se verifique existir interesse público”, pp.115-115);
ii) os desafios que tais assimetrias, e possível necessidade de armazenamento e transporte de água (entre distâncias consideráveis), implicam (“a água é insubstituível e difícil de transportar em grandes quantidades e por distâncias longas”, Oliveira, p.9, embora “a necessidade de infra-estruturas hidráulicas é reconhecida há catorze mil anos”, p.34; "a capacidade de armazenamento de Portugal está concentrada nas bacias hidrográficas do Guadiana, do Tejo e Ribeiras do Oeste e do Douro”, p.48; “As infra-estruturas construídas permitem uma transferência limitada de água entre grandes bacias – os chamados transvases, palavra que entrou no léxico português em 1993, aquando do polémico Plano Hidrológico Nacional Espanhol”, p.51; “a escassez hídrica obrigará também a medidas de aumento da oferta da água e, sobretudo, de promoção da sua diversificação. A reutilização das águas residuais tratadas e a dessalinização da água do mar são duas apostas que começam a fazer o seu caminho no nosso país (…) Está prevista a construção de uma central em Albufeira (…) em estudo outras duas, a construir em Sines e em Odemira (…) No que respeita a águas residuais tratadas, a sua reutilização é ainda incipiente”, p.114; uma agricultura de conservação, com rega gota a gota e enterrada no pé da planta, com apenas o que ela precisa e, às vezes, menos do que precisa para maximizar a mesma);
iii) como a aposta crescente em culturas de regadio, bem como a condição de Portugal como país de jusante são factores críticos no debate, entre nós, acerca da água (“a aposta no regadio e em culturas de maior valor acrescentado, frequentemente mais consumidoras de água, tem vindo a pressionar a procura da água”, p.14; “A tendência de aumento das áreas regadas deverá manter-se (…) Compreende-se esta aposta no regadio, uma vez que o retorno da atividade de regadio é francamente superior ao do sequeiro”, p.85; o “desequilíbrio entre disponibilidades e necessidades de água exige uma estratégia ativa, eficaz e integrada, que assegure o desenvolvimento social e económico do país e a protecção e valorização dos ecossistemas naturais”, p.111, com “redução efectiva e a curto prazo das perdas físicas de água nos seus sistemas de adução e distribuição (…) As perdas médias no sector urbano rondam os 30%, existindo no sector agrícola aproveitamentos com perdas de 40% e 50%”, p.113).
- Em virtude da mudança climática, com a mesma quantidade de água na terra, o fluxo irá aumentar. A redução da água disponível em Portugal ocorrerá com a concomitante deslocação daquela para os Pólos.
- Há uma grande assimetria espacial e temporal entre as necessidades e as disponibilidades de água, em Portugal. Há uma tendência para a diminuição da precipitação – no sul do país, sobretudo – e, bem assim, tendem a encurtar-se o número de meses húmidos (“As alterações climáticas agravarão ainda mais a irregularidade temporal e as assimetrias regionais do regime de escoamento, devido a mudanças não só na precipitação, mas também na temperatura. O clima seco registado nos últimos anos poderá já fazer parte da mudança climática. Os modelos climáticos projectam um aumento da temperatura média anual até ao final do século XXI. Nos últimos trinta anos deste século, esperam-se aumentos superiores a 3ºC, mais acentuados no Sul e no interior. Quanto à precipitação anual média, projecta-se que venha a diminuir até ao final do século XXI, com reduções acima de 10% no Sul e no interior, podendo, nos cenários mais gravosos, atingir os 30%. Esta clara tendência para um clima mais quente e seco conduzirá necessariamente a uma redução da disponibilidade de água a médio e longo prazos, em percentagens superiores à da redução da precipitação, em resultado do aumento da evapo-transpiração. Projecta-se que o escoamento anual total no Norte do país diminuía entre 5% e 20%, no centro entre 5% e 30% e no Sul entre 20% e 50%. A par da redução dos valores anuais de precipitação e escoamento, espera-se uma concentração destas variáveis num menor número de meses. A percentagem de precipitação ocorrida nos quatro meses mais húmidos (de Novembro a Fevereiro) poderá aumentar de 50% para 60%, e ocorrida nos sete meses mais húmidos (de Outubro a Abril) de 80% para 90% (…) A verificarem-se estas projecções, a precipitação e o escoamento serão reduzidos ou nulos em cinco meses do ano, e, provavelmente, durante mais tempo no sul do país”, Rodrigo Oliveira, FFMS, 2025, pp.27-28).
- A elevada dependência dos caudais provenientes de Espanha é outra fonte de preocupação (“o rio Lima nasce em Espanha, na província galega de Ourense, atravessando a fronteira de Lindoso para desaguar em Viana do Castelo (…) Os restantes rios transfronteiriços também nascem em Espanha (…) Assim, cerca de 80% da área das cinco bacias hidrográficas internacionais localiza-se em Espanha e apenas 20% em Portugal. A condição de país de jusante e, sobretudo, o facto de cerca de 60% do escoamento anual registado na foz dos rios transfronteiriços ter origem no país vizinho suscitam vulnerabilidades, obrigando Portugal a encontrar formas de cooperação que salvaguardem os seus interesses neste domínio”, p.31);
- Se é “comum afirmar-se que os recursos hídricos são o recurso natural mais crítico no século XXI e que as guerras futuras serão motivadas pela água”, esta última dimensão “constitui um exagero”: “embora seja verdade que alguns dos conflitos que ocorreram ou que ainda decorrem possam, pelo menos em parte, ser explicados pela intenção de controlar origens de água, esta tem sido mais frequentemente fonte de cooperação, porventura renitente, do que de conflito” (p.9). A água é um bem finito, mas renovável, o que o distingue de outros recursos naturais;
- Estima-se que o custo dos danos provocados pelas secas na Europa se situe entre os dois e os nove mil milhões de euros anuais, sem incluir os danos não quantificados nos ecossistemas e seus serviços (p.12);
- “Pode parecer paradoxal e talvez difícil de compreender, mas no futuro teremos provavelmente de enfrentar situações de cheias e de secas consecutivas, ou mesmo simultâneas” (p.15).



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