O SÉCULO DAS POLÍTICAS DO 'EU'
O
SÉCULO DAS POLÍTICAS DO “EU”
De Adam Curtis, para a BBC, “The
Century of Self”, lançado em 2002, é um documentário, em 4 episódios (na
íntegra, legendados no youtube), que realiza uma arqueologia da origem/causas
de nos termos deixado de ver/pensar (politicamente) como seres sociais, crendo-nos
(os que assim se acham) legitimados na reivindicação e maximização de todos os
desejos e pulsões, tantas vezes contraditórias entre si (irracionalidade e
cárcere, tais pulsões apresentadas como auge de liberdade e realização), e como
uma boa parte do universo político, deixando o bom combate pelo engajamento em
um debate racional no espaço público e na capacidade de mobilização para uma
dada visão da cidade, aderiu a uma perspectiva de tomar o humano como campo
onde apenas as paixões irracionais devem ser tomadas, em tempo a manipular (o
mero atirar ao consumidor-democrata “biscoitos caninos”), noutra estação a
levar, sem adversativas, na construção do efémero que é o que resulta do que
cada micro-desejo de curto-prazo enseja permitir. Eis uma disputa na qual são
as próprias concepções de natureza humana que se jogam a um nível mais
profundo.
Sugerido, entre outros, pela filósofa Susan Neiman – que o qualifica como “brilhante documentário” -, “O século do Eu”, ademais de evidenciar como correntes/escolas de pensamento e de vida surgidas no âmago de um dado espectro político serão, paradoxalmente, não apenas fundamentais na erosão daquele de onde partem, como sempre passíveis de uma reapropriação das mesmas que as leva assumirem e realizarem todas as consequenciais comerciais/políticas/existenciais que em si encerravam, como mostra a raiz da “obsolescência programa”: “o computador médio dura quatro anos; os smartphones implodem ainda mais cedo. Isto não é um acidente. Desde 1924 (…) obsolescência programada. Nessa altura, uma associação internacional de grandes empresas de electrónica decidiu reduzir a esperança de vida das lâmpadas de 2500 horas para 1000 horas. O pressuposto do artesão de que os produtos deveriam durar o máximo de tempo possível começou a desmoronar-se. Atualmente, esperamos que quase tudo o que usamos se desfaça pouco depois de a garantia expirar. Não é de admirar que mesmo as pessoas relativamente abastadas sintam pontadas de insegurança económica. Hoje, podemos ter uma casa quente, comida suficiente, ligação à Internet e até umas férias. Sabe explicar o facto de os aquecedores, o frigorífico e o computador avariarem todos ao mesmo tempo?”.
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