(QUE) FUTURO EUROPEU (?)
Stéphane Audoin-Rouzeau, historiador francês, considerado um dos maiores especialistas na I Guerra Mundial, disse no Senado (de França), em Abril, e agora repete-o em entrevista ao “La Vanguardia” (05-08-2025, p.6), que a Ucrânia (já) perdeu a guerra - na contraofensiva fracassada da Primavera e Verão de 2023 - e que muita gente se recusa a vê-lo - e que levará muito tempo e esforços à Europa assumir as consequências de uma derrota que também é sua (nossa).
“Todos os peritos pensavam que uma entrada em guerra por parte da Rússia seria uma decisão irracional e que, sendo Putin um líder racional, não cometeria tal erro. Esta nossa falha tornou ineficazes as tentativas de dissuadir a Rússia antes do 24 de Fevereiro. Mas o verdadeiro problema é que o tempo da guerra não é o mesmo que o da paz: o primeiro tem a sua lógica própria. Muito antes do 24 de Fevereiro, o poder russo já tinha entrado num tempo de guerra: o nosso erro foi não o compreender. (…)
No Verão de 1914, a decisão das grandes potências de entrarem em guerra era irracional sob todos os pontos de vista, sobretudo devido à sua interdependência económica e financeira: era evidente que se arruinavam mutuamente, como assinalou um pacifista liberal como Norman Angell no seu best-seller ‘The Great Illusion’ (1910). Mas essa irracionalidade da guerra não impediu os líderes de tomarem a decisão fatal. Impuseram-se os cálculos estratégicos e geopolíticos e não a percepção racional da catástrofe que representava uma guerra geral na Europa.
La Vanguardia: Estamos novamente face a uma guerra de posições, numa frente congelada desde há meses. Isso surpreendeu-o?
R: Sim, bastante. Há muitos poucos exemplos de guerras de posições na época contemporânea: ocorreu durante a Grande Guerra entre finais de 1914 e a Primavera de 1918; na Guerra Irão-Iraque de 1980-1988; e agora no conflito russo-ucraniano. Foi surpreendente assistir ao renascimento de um tipo de conflito que se acreditava desaparecido desde há muito tempo na Europa e que estava vinculado à tecnologia militar que havia em inícios do século XX. (…)
Desde o princípio, fui um fervoroso partidário da Ucrânia, e dizer que, em minha opinião, a Ucrânia perdeu a guerra, no momento em que falamos, causa-me uma grande tristeza. De facto, não o diria se fosse ucraniano, mas desde França há que ser o mais lúcido possível. A maioria dos observadores não vêem a derrota ucraniana, porque numa guerra de posições é difícil percebê-la. Pensemos, por um momento, na I Guerra Mundial que oferece similitudes surpreendentes. Imaginemos que em princípios de Outubro de 1918 se tinha reunido, num país neutral, um grupo de peritos a que se havia pedido opinião. E suponhamos que alguém dizia então que a Alemanha já tinha perdido a guerra. Todos teriam protestado! Nessa data, o Reich ainda ocupava vastos territórios a Leste a expensas da Rússia, desde o Tratado de Brest-Litovsk. Ocupava toda a Bélgica e grandes porções do território francês. Certamente, o exército alemão retrocedia desde o Verão, mas em nenhum lugar a frente alemã havia colapsado realmente. Onde estava então a derrota alemã em princípios de Outubro de 1918? Em realidade, a derrota era certa desde Julho-Agosto, desde a decisão fatal da guerra submarina sem restrições tomada em Fevereiro de 1917, que provocou a entrada dos Estados Unidos na guerra. No Verão de 1918, a derrota alemã era um facto, mas ainda não era visível. Desde esse Verão, o alto comando alemão compreendeu a catástrofe, mas o poder político não, e muito menos a opinião pública alemã, que nunca chegou a entender a derrota.
Pois bem, parece-me que estamos nessa situação com a Ucrânia, que na minha opinião perdeu a guerra depois do fracasso da contraofensiva da Primavera e do Verão de 2023. Sem embargo, a relativa invisibilidade desta derrota, pelo menos por agora, ainda permite sustentar discursos vazios, especialmente no Ocidente. (…)
Há demasiadas incógnitas, especialmente sobre como será a derrota ucraniana…e a nossa, a dos europeus juntamente com ela, já que essa derrota também será a nossa derrota. O que creio é que, a partir de então, haverá um inimigo que nos apontará e levará muito tempo e esforço assumir as consequências disso”.
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