UMA EDITORA VISTA POR DENTRO: O CASO DA “ZIGURATE”, DE/POR CARLOS VAZ MARQUES
Com o concurso de algumas
poupanças por si acumuladas ao longo dos anos, e com vista a permitir a
presença, no mercado editorial nacional, de obras e autores que gostaria de ver
vertidos para português, Carlos Vaz
Marques lançou-se à aventura de criar uma editora, a “Zigurate” (depois de ter sido, já, responsável editorial
por uma chancela/coleção de literatura de viagens e ter dirigido a
edição portuguesa da “Granta”).
Os Zigurates foram os primeiros edifícios sólidos construídos pela
Humanidade, dispostos em altura de tal modo pudessem rasar o Céu, alguns dos
quais, em périplos pelo Médio-Oriente e Extremo-Oriente, Vaz Marques pôde
observar. Ademais, o vocábulo, “zigurate”, “soa bem” (“pelo menos a mim, soa-me
bem”, diz-nos, em “Entre quem lê” [Vila Real, 27-09-2025], o autor de “Pessoal
e Transmissível”, programa radiofónico de culto, na primeira década deste
século) e é facilmente memorizável, em virtude, também, da raridade com que é
usado. Exemplo de zigurate, a Torre de Babel de extracção bíblica.
Em um tempo em que na TSF existia um especialista diferente
para artes diversas, a área da Literatura ficava sob a alçada do Prof. Abel Barros Baptista. Na mesma época,
Vaz Marques estava, “ainda muito incipientemente”, no JL. Ora, Abel Barros Baptista fora seu Professor na Universidade Nova de Lisboa e, em tendo
aquele múltiplos afazeres (académicos
e outros), indicou à estação de rádio para a qual trabalhava o antigo discípulo
(com o objectivo de cumprir a mesma função que até ali desempenhara). Carlos
Vaz Marques começa, na rádio liderada por Emídio
Rangel, justamente, com um programa sobre livros.
Sem prejuízo, e aliás em
complementaridade, do trabalho de mérito desenvolvido por editoras como a “Relógio
d’Água”, “Temas e Debates” ou “Guerra e Paz”, Vaz Marques entende que, face às
inevitáveis limitações da quantidade (do) que é possível publicar, anualmente,
por cada editora – e publica-se muito, em todo o caso, entre nós também -,
ainda há espaço para temas candentes da actualidade, literatura política, mas
muitos outros temas ainda (desde as questões atinentes aos incêndios e
alterações climáticas, destino das memórias virtuais, à fuga da Terra para
outros espaços, à música e outras artes, até ao futebol). Ainda agora, o
responsável pela “Zigurate” percorre, semanalmente, as páginas do “Babelia” (“ElPaís”),
“Saturday” (“The Guardian”) e da “The New York Review of Books” – ao mesmo
tempo, um conjunto de agentes literários internacionais, tendo em conta o catálogo
da editora [58 títulos até ao momento] e, através dele, do que se retira como
perfil que a “Zigurate” apresenta - em busca de preciosidades que valham
publicação em Portugal (sempre, e contudo, com a rejeição imediata do que tenha
muitas centenas de páginas que sabe impossíveis de rentabilizar, seja pelos
custos na gráfica, seja pelo que implica pagar a tradutores, seja por um
potencial número de leitores mais rarefeito do que em obras de mais contida
extensão).
Carlos Vaz Marques convidou, ainda, autores portugueses para escrever, ad hoc, sobre temáticas que queria cobertas pela sua editora, outros ofereceram-se, inclusive, para o fazer. Quanto ao livro mais vendido pela “Zigurate” até ao momento trata-se de “Falar Piano e Tocar Francês”, de Martim Sousa Tavares (autor que, em breve, irá ter novo livro nesta editora), com 14 mil exemplares vendidos. Revelou o moderador do “Programa que estamos legalmente impedidos de dizer” que, até ao momento, as contas da editora estão “equilibradas”, tendo momentos em que, de manhã, acorda idealista para o que pensa vir a (conseguir/poder) publicar, enquanto à tarde se acha mais pragmático em função, também neste âmbito, da arte do possível (a “Zigurate” adquirira meses antes da invasão da Ucrânia dois títulos acerca da Rússia de Putin o que, com a eclosão daquele evento bélico, levou a uma procura considerável face ao que são os hábitos de leitura de ensaio no país, o mesmo tendo sucedido, curiosamente, com a aquisição de título, Um dia na vida de Abed Salama, de Nathan Thrall, acerca da situação diária na Palestina que viria vencer o Pullitzer). Curiosa, ainda, a história que Vaz Marques contou sobre o livro dedicado a Júlio Iglésias – tendo, por cá, pouco sucesso em vendas, o editor considera a obra “prodigiosa”, faltando cá o “salero” de se ter a consciência, existente em Espanha, de que se trata de um ensaio de um grande intelectual – o diretor do Instituto Cervantes em Roma, Ignacio Peyró – sobre uma figura que não compõe o panteão artístico – “era como se o Pedro Mexia escrevesse um livro sobre o Marco Paulo” (Pedro Mexia, o qual, responderia ao repto de Vaz Marques para apresentar o livro com um “ler um livro sobre o Júlio Iglésias? Estás maluco?”, mas, após insistência de Marques e leitura da obra, teria ficado fã daquele livro).
Pedro Miranda

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