UM OLHAR SOBRE O TEMPO PRESENTE
Actualmente, o debilitamento da posição internacional da antiga superpotência é já inegável, como ficou de novo patente na reunião do Fórum de Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) celebrada na Coreia do Sul em finais de Outubro: os aliados dos EUA, movidos pela inquietação, procuram agora também acordos com outros vizinhos mais neutrais ou com uma maior dependência da China. E parece que, depois de uma partida prematura do presidente norte-americano, mais interessado em fechar negócios rápidos do que afiançar dos EUA a longo prazo, o presidente chinês, Xi Jinping, marcou o rumo da reunião, promovendo a sua concepção de uma sociedade mundial multicultural debaixo da liderança da China.
Desde que a República Popular da China se incorporou à Organização Mundial do Comércio os sucessivos governos demonstraram a sua inteligência ao aspirar a converter o seu país numa grande potência económica. Mas só com a chegada ao poder de Xi Jinping em 2012 se converteu no seu objectivo declarado, apresentado com certa “agressividade defensiva”, o substituir o regime liberal de comércio mundial por uma ordem política mundial chinocêntrica. Com o Projecto Rota da Seda, a China levava já tempo a perseguir objectivos estratégicos e de segurança de maior alcance. Os principais beneficiários foram Rússia, Paquistão, Malásia e Indonésia. Mas a China, além disso, converteu-se no maior doador de fundos para países emergentes e em desenvolvimento. Em geral, um indício da mudança de poder à escala internacional é que, em termos geopolíticos, os conflitos decisivos concentrar-se-ão no futuro no sudeste asiático. (…) Nessa mesma região, também a Índia aspira a converter-se numa potência mundial. E as mudanças no equilíbrio de poder geopolítico não estão a produzir-se apenas no Pacífico, como também se detectam no auge das potências de tamanho médio, como Brasil, África do Sul, ou Arábia Saudita que aspiram a conseguir uma maior independência. (…)
Mas nada ilustra melhor as agora já habituais restrições ao comércio mundial por razões de segurança que a recente decisão do governo alemão, campeão mundial de exportações, de ajudar com fundos públicos a sua indústria siderúrgica, que já não é competitiva a nível internacional. (…)
Com o segundo mandato de Trump produziu-se o que se vinha anunciando desde há muito tempo no programa da Heritage Foundation: a liquidação, praticamente já irreversível, do regime liberal-democrático mais antigo, continuando um padrão que já tínhamos visto na Europa com o caso da Hungria e de outros países. Estes regimes autoritários de novo corte não se devem às circunstâncias especiais de uma liquidação falhada das formas de governo pós-soviéticas, mas são os percursores da liquidação democraticamente legitimada da democracia mais antiga do mundo e da rápida criação e expansão de uma forma de governo libertário-capitalista administrada por uma equipa de tecnocratas. Nos EUA, assistimos a essa mesma transição de um ‘sistema’ a outro, que avança de maneira não especialmente sigilosa face a uma oposição mais ou menos paralisada. As últimas ou penúltimas eleições foram o início largamente anunciado da rápida expansão arbitrária e autocrática de um poder executivo (…) Trump faz um uso abusivo dessa tendência ao mesmo tempo que desdenha as reticências de um sistema judicial em processo de desintegração e gradualmente atacado desde as altas esferas. O presidente começou por arrogar-se os poderes legislativos do Parlamento com a sua rigorosa política de taxas e tenta restringir gradualmente a independência da imprensa e do sistema universitário. A seguir, dedicou-se a intimidar a oposição enviando, por sua própria iniciativa, a Guarda Nacional a cidades como Los Angeles, Washington ou Chicago. A sua mera presença aponta já à vontade do Governo recorrer ao Exército, se necessário for, para carregar contra os seus próprios cidadãos. (…) O fenómeno mais surpreendente e, até agora, inexplicável dessa tomada de poder sigilosa mas decidida é a pusilanimidade de uma sociedade civil que, em grande medida, não opõe resistência. (…) E não insinuo com isso que nós fossemos reagir de outra maneira. Até à data, continuo sem ver nenhum indício convincente de uma mudança de rumo no caminho seguido para um sistema social politicamente autoritário gerido por tecnocratas, mas economicamente libertário. De facto, os possíveis sucessores de Trump defendem uma ‘visão de mundo’ ainda mais fechada do que a do presidente, um narcisista patológico, orientado para o lucro e a satisfação de curto prazo, que prefere ser magnata e Prémio Nobel da Paz do que um político visionário. (…)
[Neste contexto, e quanto ao que aos dirigentes europeus diz respeito] O seu objectivo político deve ser reforçar o seu peso, de modo que a UE possa afirmar-se como actor autónomo na política e à escala global, independentemente dos EUA e de compromissos com tal país ou com outros Estados autoritários que contravenham esse sistema. Sem embargo, no que respeita à continuação da guerra na Ucrânia (…) continuamos a depender do apoio dos EUA, já que de outro modo não dispomos da tecnologia necessária para o reconhecimento aéreo. Sem o apoio dos EUA, não se poderia manter a frente ucraniana. (…)
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